Revista

Quebra de contrato

A infidelidade destrói os laços de confiança entre os casais. Não são poucos, porém, que assumem os riscos de uma aventura extraconjugal

postado em 22/08/2010 09:57
A infidelidade destrói os laços de confiança entre os casais. Não são poucos, porém, que assumem os riscos de uma aventura extraconjugalO que leva homens e mulheres a traírem? Existe explicação para o adultério? Expusemos a questão a nossos leitores em uma enquete no site da Revista. Diante das opções fornecidas, 40% deles admitiram que trairiam, mas somente se descobrissem que foram traídos. Essa é a hipótese do olho por olho. A justificativa do desgaste natural da relação aparece em segundo lugar, com 20% dos votos. Mais atrás vêm os absolutamente leais, responsáveis por 18% das respostas. Por fim, aparecem os 12% de volúveis, que admitem pular a cerca sem qualquer motivo específico ; basta ter vontade.

Há quem arrisque razões biológicas. Um estudo realizado na Grã Bretanha, em 2006, concluiu que algumas pessoas seriam geneticamente programadas para a infidelidade. Após analisar várias irmãs gêmeas, o professor Tim Spector, da Unidade de Pesquisa de Gêmeos do Hospital St. Thomas, concluiu que, se uma delas tivesse um histórico de infidelidade, as chances de a outra também ser infiel seriam de 55%. Mas atenção: não se trata de uma sentença infalível. A bagagem hereditária pode ser moldada por fatores não biológicos, como a cultura.

Outra linha de pesquisa associa fidelidade e inteligência. Publicado este ano na revista especializada Social Psychology Quartely, o levantamento deixou os machos na defensiva. Após analisar atitudes sociais e o QI de milhares de homens adultos e adolescentes, o especialista em psicologia evolutiva Satoshi Kanazawa, da London School of Economics, observou que aqueles que dão importância à monogamia são também os de QI mais alto. Em outros termos: a fidelidade masculina seria parte da evolução da humanidade.

No Brasil, quem investiga o assunto é a antropóloga Mirian Goldenberg. Seus estudos corroboram o velho ditado: ;O que os olhos não veem o coração não sente;. Em seu livro mais recente, Por que homens e mulheres traem? (Ed. Bestbolso), ela diz que a traição só ganha status de problema quando vem à tona. No mais, as causas são muito variadas. ;Existem aqueles que se dizem poligâmicos por natureza, outros que consideram da natureza masculina trair. Também existem casos de pessoas que amam e traem porque buscam serem desejadas por outros, buscam aventura, cumplicidade e intimidade, mas estão felizes no casamento;, enumera.

Além dessas abordagens científicas, a Revista colheu algumas histórias reais de traição. E ouviu as explicações para um gesto que, muitas vezes, escapa à compreensão dos próprios envolvidos.

1.279
foi o número de entrevistas realizadas por Mirian Goldenberg em sua pesquisa. Foram ouvidos homens e mulheres entre
18 e 40 anos, com nível universitário e renda familiar acima de R$ 2 mil.

47%
das mulheres adúlteras
disseram ter traído após a perda da intimidade com o parceiro.

60%
dos homens infiéis traíram por se sentirem incompreendidos pela mulher.

Insatisfação versus culpa

A infidelidade destrói os laços de confiança entre os casais. Não são poucos, porém, que assumem os riscos de uma aventura extraconjugalA engenheira Lorena*, 35 anos, sentiu que a relação de oito anos estava em crise. ;Brigávamos muito. Mesmo assim, não queria abrir mão do casamento, porque achava que tinha salvação;, lembra.

Ao confidenciar seus problemas para um ex-colega de trabalho, sentiu atração por ele. ;Precisava desabafar. Na verdade, trocar experiências sobre as coisas que estavam acontecendo. Afinal, ele era mais velho que eu e tinha mais experiência. Ele era casado também. Todos os dias conversávamos, até que combinamos de almoçar juntos.; Foi o começo de uma relação extraconjugal que durou oito meses.

;Ele fazia eu me sentir interessante. Mas, por outro lado, culpada. Perdi noites de sono pensando nisso, mas não conseguia sair.; Quando o envolvimento tornou-se intenso, a engenheira resolveu pedir o divórcio. ;Acho que se não tivesse um filho com meu marido, teria pedido a separação antes;, conta.

Após a separação, Lorena tornou-se amante do colega. Isso durou um ano, até mudar-se para outro país. O ex-marido nunca soube da traição. ;Não acho que ele deva saber. Minha traição não era culpa dele, era minha. O problema estava em mim. Não fui corajosa o bastante para romper antes de me envolver com outro. Precisei de uma outra pessoa para me tirar daquele casamento falido.;

De acordo com o terapeuta de casais Enrique Maia, o problema enfrentado por Lorena é recorrente nos consultórios. ;As mulheres dizem que traem por insatisfação conjugal, enquanto os homens buscam o lado sexual. Outra coisa observada é a oportunidade para a traição na internet e no ambiente de trabalho.;

O analista de sistema Ronaldo*, 38, teve um caso com uma colega de um curso que frequentou. ;Posso manter uma amizade com outra mulher que acho interessante. Mas, com essa, não tive controle;, explica. Ele estava frustrado com os constantes desentendimentos com a namorada, que culminaram em uma total falta de apetite sexual. ;No momento em que senti que as coisas estavam melhorando, essa terceira pessoa entendeu o ponto final;, resume. O namoro, porém, não foi adiante.

Ronaldo admite que, dos cinco relacionamentos ;sérios; que teve, três tiveram uma ;outra; no caminho. ;A primeira e a segunda ex-namoradas ficaram sabendo. A última, não. Mas eu terminei a relação. Em todos os casos, houve um desencantamento;, justifica.
* Nomes fictícios

O outro lado

Após descobrir um caso de cinco anos entre a melhor amiga e o marido, a advogada Vivian Oliveira imprimiu todos os e-mails que comprovaram a traição e chamou a amiga para sua casa. A conversa, além de trocas de tapas e chutes, foi registrada num vídeo que circulou na internet e repercutiu na mídia.

O publicitário Pedro*, 25 anos, não imaginava que pudesse acontecer com ele. Na época, ele tocava violão em um grupo de samba e o ambiente das apresentações era propício a flertes. As más notícias vieram dos amigos. ;Falaram que ela estava me traindo, mas eu não conseguia acreditar. Até que, um dia, vi minha namorada com outro cara. Foi um choque.; A primeira reação de Pedro foi se vingar. ;Fiquei com outra menina na frente dela. Quis dar o troco.; Hoje, teria outra atitude. ;Cinco anos depois, eu a reencontrei e até rimos da situação. Éramos imaturos.;

A traição mudou a forma de agir do publicitário. ;Quando estou namorando e tenho vontade de ficar com outra pessoa, termino o compromisso. Essa vontade, para mim, indica que algo mudou e não quero brincar com o sentimento do outro. Sei como isso machuca;, analisa.

O caso de Camila*, 28 anos, foi bem mais sério. A arquiteta já havia dado entrada no cartório para o casamento. Ela tinha 21 anos e o noivo, 28. O período de preparação do casório, no entanto, não foi como o planejado. O noivo estava passando por problemas profissionais e, embora ela lhe desse apoio, ele parecia cada vez mais distante. ;Ele desligava o celular quando estava comigo e passava muito tempo na internet.; Foi aí que Camila começou a desconfiar. ;Perguntava se estava acontecendo alguma coisa, mas ele sempre negava. Então, numa tarde, resolvi entrar no e-mail dele. Lá estavam: dezenas de e-mails que ele trocava com uma menina que tinha conhecido na internet. Naquela hora, me senti a advogada de Sorocaba. A menina morava em outra cidade e ele estava programando uma viagem para conhecê-la.;

Foi aí que Camila confrontou o noivo. Imprimiu todas as evidências da traição e, antes de falar com ele, ligou para a menina com quem o noivo trocava e-mails. ;Ela não sabia que ele estava noivo. Não liguei para brigar, mas para saber o que estava acontecendo entre eles. Quando mostrei tudo, ele quis negar, mas terminou assumindo e pediu outra chance. Tentei voltar, só que já não confiava mais nele.;

Segundo a antropóloga Mirian Goldenberg, a internet é um espaço privilegiado para a traição. Nas redes sociais e por e-mail, homens e mulheres compartilham assuntos pessoais. ;As pessoas buscam na internet algo que não têm mais com os parceiros. Esse foi o caso de uma das mulheres que entrevistei. Ela preferia a ilusão de intimidade com o caso que alimentava a distância do que a falta de intimidade com o parceiro com quem era casada.;

* Nomes fictícios


Sem reconciliação
Escapadelas famosas


Sandra Bullock e Jesse James
A mídia atribui à maldição do Oscar a separação das últimas atrizes que receberam a estatueta. O mesmo aconteceu com Sandra Bullock. Logo após a premiação, as traições do marido da atriz vieram à tona. Jesse James teve um caso de 11 meses com a modelo Michelle McGee, mas outras confirmaram casos com o então marido da atriz. Apesar do pedido público de desculpas, Sandra Bullock pediu o divórcio.

Elba Ramalho e Gaetano Lopes
Boatos em torno da separação da cantora Elba Ramalho e do empresário Gaetano Lopes davam conta que a paraibana havia sido infiel. Revoltada com as fofocas, ela foi à imprensa dizer que, na verdade, foi ela quem não suportou as sucessivas traições do ex-marido. Questionada se a diferença de idade foi um problema, a cantora rebateu: ;Não é questão de idade.
É questão de caráter;.

Eles superaram


Bill e Hillary Clinton
O escândalo que envolveu o presidente dos Estados Unidos e a estagiária da Casa Branca Mônica Lewinski foi capa de jornais e de revistas em todo o mundo. Apesar da traição, Bill Clinton não perdeu o emprego nem a mulher, Hillary, que permaneceu ao lado do então presidente. Recentemente, a senadora comentou ter sentido vergonha e raiva pela traição.

Sienna Miller e Jude Law
A bela atriz Siena Miller não foi poupada pela mídia britânica. Noiva do ator Jude Law, ela rompeu o relacionamento em 2005, ao saber que o galã tinha um caso com a babá de seus filhos. Hoje, ela diz ter perdoado a traição do ex-namorado e o casal está junto novamente.

A manutenção da estabilidade

O terapeuta de casais Enrique Maia dá algumas dicas preciosas para o casal evitar uma traição.

# Preservar um espaço saudável de individualidade ; a cumplicidade precisa estar viva. Você pode compartilhar problemas com um colega de trabalho, mas não substituir essas conversas pelas que você tem com o parceiro ou a parceira: isso é uma brecha para uma possível traição.

# Estar atento ao período que dedicam para ficar juntos. Deve-se estabelecer um tempo para vivências positivas, para que o casal viaje ou curta um momento a sós e não apenas fazer tarefas e cumprir obrigações.

# Evitar o distanciamento e a indiferença. Quando se perde a cumplicidade, um desses fatores entra em cena e pode ser uma porta para a relação extraconjugal.

# Levar em consideração a vida sexual também como um termômetro. No entanto, cada caso é um caso: há casais que transam uma vez por mês e estão satisfeitos, outros têm uma frequência maior e sentem que a baixa é um indicativo de que algo não vai bem.

# Manter um diálogo franco. Isso abre espaço para que as insatisfações sejam ditas e resolvidas pelo casal.

Um conceito particular

Para os rapazes do site Papo de Homem, o conceito de traição deve ser definido pelo casal. ;Tem casais que consideram que se a mulher ficar com outra garota numa balada, isso não caracteriza uma traição. E há casais que consideram pensamentos e fantasias com outros como infidelidade;, observa Philipe Kling, 34 anos, autor de textos do site que explicam a infidelidade masculina. Da mesma forma, alguns especialistas acreditam que a exclusividade sexual não mais será considerada prova de infidelidade.

Para a antropóloga Mirian Goldenberg, no entanto, a traição não depende de um acordo. Durante as pesquisas, ela encontrou apenas dois casais que afirmaram ter uma ;relação aberta;. Na opinião do terapeuta de casais Enrique Maia, a monogamia continua sendo algo muito forte na cultura ocidental. ;Pode haver uma liberdade maior dentro do relacionamento conjugal. Isso quer dizer: não te obrigo a estar comigo, mas quero exclusividade, não por imposição, mas por uma questão de escolha.;

O livre arbítrio seria a tônica das relações. Consequentemente, pular a cerca deixaria de ser uma fuga para frustrações. ;Casar-se mais tarde, deixar os filhos para depois, ser independente economicamente e buscar mais intimidade são fatores que facilitariam a escolha mais certa. Para que trair se eu quero essa pessoa?;, conclui a antropóloga.

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