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Onde foi parar o machão?

Estudiosos do comportamento humano atestam: o homem está de fato mudando e aquele tipo que não ajuda em casa, é dono do controle remoto e conta vantagens para os amigos é uma espécie em extinção

postado em 04/11/2010 18:47

Por Carolina Samorano //Especial para o Correio
Isaías não dispensa uma passadinha na loja de cosméticos, mas rejeita o rótulo de metrossexual
Mahões de todo o mundo, tremei. Ao que tudo indica, há cada vez menos espaço para o tipo que cospe no chão, bate no peito, conta vantagem para os amigos e deixa a mulher a sós com a louça suja e o tanque cheio. Quem diz ; e comemora ; são mulheres satisfeitas com o novo sujeito que anda pela casa. No lugar de maridos eternamente esparramados na poltrona, mocinhos comportados e prestativos. Gostam da TV, mas dividem o controle remoto, para recorrer a um exemplo bem estereotipado. Estaria o tal macho de raiz com os dias contados?

Ao que tudo indica, sim. É mais fácil encontrar por aí pés-de-valsas, mestres cucas e consumidores cativos de cosméticos do que a criatura que ainda exige ser servida por uma mulher estilo Amélia ; até porque essa aí também está em extinção. ;O modelo de masculinidade está mudando;, acredita Paulo Roberto Ceccarelli, psicólogo especialista em sexualidade e professor da Pontifícia Universidade Católica de Belo Horizonte (PUC Minas). ;Antes, o homem tinha mais necessidade de provar o tempo inteiro que era macho, era uma constante construção. Hoje, o que se vê é que ele tem cada vez menos medo de perder a masculinidade;, esclarece o especialista.

Por essa lógica, se ele tem menos medo, incomoda-se menos também em realizar tarefas antes tidas como ;de mulher;. Para o psicólogo, é como se o conhecido modelo do homem que não chora e que não entra na cozinha estivesse em crise. ;Mesmo que ele quisesse, ficaria difícil ser machão. Hoje tem lei que impede. Se ele bater na mulher, vai preso. Se não der prazer à mulher, ela pede o divórcio. Se divorciar, tem que dividir os bens;, exemplifica.

Na casa da chef Catarina Melo, 33 anos, esse novo homem chegou há quatro anos, quando ela se casou com o gerente de gráfica Alex Seiki, 28. Até pouco tempo atrás, era ele o responsável por lavar e passar a roupa suja dos dois porque Catarina ;nem sabia mexer na máquina;. ;A gente pensa assim: se conseguimos fazer sozinhos, para que contratar alguém para ajudar? Somos jovens, temos energia;, explica Alex. Hoje, os dois dividem tudo.

Durante a semana, Alex encara as delícia de Catarina, ;gostosas, mas muito condimentadas;, como descreve, e ele lava a louça. Nos fins de semana, empurra a mulher para escanteio e toma conta do almoço sozinho, e ela limpa a bagunça. Descendente de japoneses, Alex aprendeu com a mãe a arte da culinária oriental quando tinha só 15 anos e os pais se divorciaram. Como um protótipo da nova geração, Alex deixou para trás o jeito ;machão; do pai. ;A cultura japonesa é muito machista. Eles ainda acreditam que a mulher precisa ficar atrás do marido, ser submissa, cuidar dos filhos. Acho que hoje em dia não tem dessa de machão, não. A mulher moderna trabalha e o homem tem que se adaptar;, conclui.

Antes de se atribuir toda a responsabilidade por esse novo homem às mulheres, há que se questionar se toda essa revolução comportamental não é resultado de uma outras, mais abrangente: a cultural e a tecnológica. ;A sociedade mudou muito e rapidamente. De repente, a família, que antes era o grande foco da organização social, ficou em segundo plano em prol do indivíduo;, explica o antropólogo Rui Murrieta, professor do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva da Universidade de São Paulo (USP).

Sem a configuração familiar original e na base do ;cada um por si; e do ;toma que o filho é teu;, os homens ficaram um pouco perdidos. Se o modelo dos pais e avós, que eram os provedores da família, não serve mais, qual é o tipo de homem que vai se encaixar melhor a essa situação? ;Ninguém sabe ainda. Por causa dessa mudança muito rápida, eles vão buscando maneiras de se adaptar mesmo que não exista uma pressão seletiva pela sobrevivência;, ilustra Murrieta, remetendo à tese de seleção natural. Ele lembra que, mesmo entre os animais, nem sempre o modelo do macho alfa, dominador, funciona. ;Há evidências de que muitas vezes o mais disputado pelas fêmeas é o conciliador. Nas sociedades humanas, onde a complexidade é maior, isso fica ainda mais evidente;, finaliza.

A ciência redescobre o homem
Thiago Sebba aprendeu a dançar e hoje ensina. A namorada, Alessandra, comemoraUm estudo liderado por cientistas australianos da Universidade de Canberra anuncia que o cromossomo Y, determinante do sexo masculino, pode um dia simplesmente desaparecer. Enquanto o cromossomo X, feminino, contém 1.345 genes, o masculino tem apenas 45. E, segundo os estudiosos, a cada milhão de anos o cromossomo Y perde cerca de 7,8 genes. Uma das pesquisadoras, a cientista Jenny Graves, chega a estimar em 6 milhões de anos o tempo até o derradeiro fim do cromossomo Y. Mas, calma lá, que essa conta não é tão simples assim.

;De fato, o cromossomo Y perdeu muitos genes e é provável que um dia ele tenha sido do mesmo tamanho do X, mas isso pode ser interpretado de muitas maneiras. Uma delas é que, um dia, ele vai sumir de tão frágil e aí será o fim do homem e, por consequência, da humanidade. A não ser que a tecnologia encontre um modo de lidar com isso;, explica o geneticista Franklin Rumjanek, professor titular do Instituto de Bioquímica Médica na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). ;Outra interpretação, bem provável, é pensar que ele foi se especializando e chegou ao ponto de ter apenas o necessário para atribuir ao homem as características masculinas e vai ficar assim ainda por muito tempo;, completa.

Em outras palavras, esse encolhimento pode significar uma superevolução, um sinal de que o cromossomo Y está jogando fora lixo genético e ficando apenas com aquilo que interessa;, encerra a discussão Rumjanek, que descarta a tese de que esse componente genético tenha a ver com um comportamento, digamos, mais feminino. Mas que esse novo homem tem seduzido mais as mulheres, isso tem. ;Nunca me interessei por machão. Não casaria com um;, explica a professora Gabriela, 31 anos, que fisgou um tipo bem diferente. Ronaldo Kobayashi, 32, foge totalmente ao rótulo. ;Um homem que só se importa com ele é meio ultrapassado;, justifica.

Ela odeia ir ao supermercado. Ele vai. Ela trabalha todos os dias em tempo integral. Ele, só às segundas, terças e sextas, e reserva quartas e quintas de manhã para ficar com o filho João Marcelo, de 3 anos. Aliás, quando o menino nasceu, Gabriela nem precisou distribuir as tarefas. ;Eu ajudava a dar banho, trocar fralda, essas coisas. Mas não porque precisava, porque queria;, conta. ;Durante a semana, ele dá comida, banho e desce para o parquinho, onde só tem mãe!”, ri Gabriela. Sobra para ela uma certa fama de mandona, mas o casal não se importa.

O jornalista Xico Sá investiga esse novo machoNão ligar para o que os outros pensam é uma característica importante desse novo macho. A primeira vez que pisou num estúdio de dança, há 10 anos, Thiago Sebba, 24 anos, estava acompanhado da mãe. É que a timidez era tão grande que aprender os primeiros passos longe de uma companhia segura estava fora de cogitação. ;Ela teve que ficar comigo uns dois meses até eu conseguir ir sozinho para a aula;, lembra. Anos depois, Thiago passou de aprendiz a mestre: é ele quem comanda os passos nos estúdios ; e nos salões. Já ouviu todo tipo de comentário. ;Antes, eu ouvia dos amigos que dançar era coisa de ;bicha;. Hoje ouço que é coisa de velho. Já melhorou, né?!”, pondera o professor.

Mesmo assim, ele ainda não consegue arrastar os amigos para as aulas. ;Consegui poucos, mas pelo menos alguns tentaram.; Entre os alunos de Thiago, a maioria é de mulheres. ;Engraçado. As alunas mais velhas não conseguem trazer os maridos de jeito nenhum. Quando tem homem, é jovem;, analisa o dançarino. Se ainda há resistência dos homens, as mulheres comemoram quando encontram um pé-de-valsa. A namorada de Thiago, Alessandra Sanabre, 28, já aprendeu a controlar o ciúme. Também, pudera: são seis anos de relacionamento, todos eles entre o cinema e as pistas. ;Eu entendo que elas só querem dançar. Até porque geralmente tem poucos homens e muitas mulheres nos salões. Já tive namorado que não dançava e era um saco. Eu queria dançar e ele nada. Tinha que sair sozinha e dançar com outras pessoas.;

Eles se cuidam... e elas gostam disso?
Ronaldo Kobayashi fica mais tempo com o filho, João Pedro, que a mulher. Também é dele a função de ir ao supermercado
Se o comportamento masculino está mudando, a relação do homem com sua própria vaidade também sofreu um baque. ;Se o corpo hoje é uma riqueza para as mulheres, é óbvio que é também para os homens. O magro, forte e bem cuidado, além de se dar melhor sexualmente, acaba sendo mais valorizado até mesmo no mercado de trabalho. Se cuidar hoje é um imperativo, é cultural;, observa a antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro Mirian Goldenberg.

A consequência imediata disso é vista na indústria cosmética. No ano passado, perfumes, produtos para cabelo, desodorantes e produtos para barba estiveram entre os mais consumidos pelos homens ; as vendas cresceram 15% no período, segundo o Sindicato da Indústria de Perfumaria e Artigos de Toucador de São Paulo (Sipatesp). Mas os números mostram que eles estão indo atrás de outros produtos, como, por exemplo, cremes para as mãos. ;Percebemos hoje dois tipos de comportamento do homem que não gostava de falar em cosmético. Hoje, existe o que não usa, mas também não rejeita e o que aceita e começa a ter vontade de usar. Portanto, nota-se que a parcela machista, que rejeita, vem caindo fortemente;, pontua Fábio Gilioli, gerente de categoria de O Boticário, rede que tem como campeão de vendas um produto masculino.

O comerciante Isaías Soares, 42 anos, sente-se à vontade numa loja de cosméticos. Tem os produtos preferidos, mas não resiste a uma novidade. ;Sou o primeiro a vir conferir. Quem não gosta?;, justifica ele, que tem até cartão fidelidade. Em casa, a mulher de Isaías chega a reclamar. ;Ela diz que eu sou pior do que ela. Mas não gosto de me arrumar correndo;, diz. Rejeita, no entanto, o rótulo de metrossexual. ;Aí já é demais. Acho importante cuidar da aparência, principalmente porque lido diretamente com as pessoas;, observa.

Mariana Giovanetti protesta no seu blog contra a extinção dos machosAssim como Isaías rejeita o excesso, há por aí as mulheres que estão meio saturadas com o tipo muito vaidoso ou muito delicado. A bancária Mariana Giovanetti, 29 anos, é uma delas. Ela faz parte da parcela feminina que está bem receosa com os rumos dessa mudança masculina. Chegou a publicar em seu blog, o Cromossomos XX (, que compartilha com outros quatro amigos, um post de protesto ao fim do machão, que ela define como o cara ;decidido, que passa segurança, estabilidade e até um pouco de medo;. Ela desconfia que esse tipo está escorrendo pelo ralo ao passo que homens chegados a uma novidade cosmética e prendados na cozinha tomam conta da preferência do mulherio.

;A mulher teve que assumir a postura que o homem perdeu. Não quero homem para dividir meu espelho, muito menos meu condicionador. Estou torcendo muito para que os machos voltem!”, protestou na página, apoiada por várias mulheres. O incômodo maior da blogueira, segundo ela mesma, vem do fato de que os homens têm dificuldades em tomar decisões. ;Fiz o post porque converso com muitas mulheres que reclamam dessa falta de postura e decisão, que é o principal da masculinidade. A mulher não quer um homem que acompanhe suas crises, quer alguém que a tire delas!”, justificou. ;Antes eles pediam de Natal caixa de ferramentas. Hoje, vemos homens com nécessaire no carro.;

Ainda assim, Mariana prefere se agarrar a um conceito mais brando de machão. ;Nós evoluímos e a realidade mudou. Ser macho é arcar com as consequências e não se esconder na primeira crise ou problema. Quando me refiro ao macho, quero dizer aquele que nos passa segurança e respeito;, resume a garota, à procura de alguém que não se encaixe no conceito que ela define como ;homem-banana;. ;Não temos as mulheres-fruta? Pois é, parece que também existem homens-fruta;, compara.

Quem mudou primeiro: eles ou elas?
Para Alex e Catarina, vale a divisão de tarefas e a igualdade de direitos, seja na cozinha, na sala ou na vidaHá quem diga que essa diminuição progressiva do macho tradicional é, em parte, culpa das mulheres. A conquista da mulher por espaços de trabalhos, salários muitas vezes iguais ou maiores do que o deles e, claro, a possibilidade de escolher entre ficar solteira ou casada têm lá sua importância nessa configuração de um novo homem. ;Quanto mais independente a mulher, mais ela quer uma relação igualitária, então ela vai procurar outros tipos de homens. Não vai aceitar o típico cara que quer determinar as regras, e os homens também mudam por isso;, sustenta a antropóloga Mirian Goldenberg, que prefere acreditar em ;vários modelos de masculinidade; a apenas um padrão.

O psicólogo Paulo Roberto Ceccarelli, da PUC-MG, diz que é impossível dissociar a mudança do homem da ocorrida com a mulher. ;Um muda, interfere o outro que reage, e assim por diante. É um ciclo de mudanças;, avalia. Para a sexóloga e socióloga Maria Helena Matarazzo, autora de livros como Encontros, Desencontros e Reencontros e Amar é preciso, a tal insegurança que as mulheres sentem nese novo homem pode ser apenas um reflexo da atitude da própria mulher na hora da sedução. ;Elas seduzem abertamente, o que não quer dizer que elas também não queiram ser seduzidas. Pode ser que as mulheres estejam exagerando na dose. Isso faz com que eles fiquem extremamente inseguros sobre como lidar com esse tipo de mulher. Há aí uma confusão de papéis que acaba deixando os homens assustados e pensando ;para onde eu vou agora?;;, completa a especialista.

A teoria é reforçada também pelo jornalista, colunista e escritor Xico Sá, autor dos livros Modos de macho e modinhas de fêmea e Chabadabadá ; Aventuras e desventuras do macho perdido e da fêmea que se acha. Há algum tempo, ele se dedica a destrinchar o comportamento do novo homem e a resgatar o já ultrapassado. A conclusão? O machão está mesmo perdido. ;O macho-jurubeba, de raiz, ficou escanteado. Elas querem cada vez mais o cara ;afrescalhado;. É um ajuste de relacionamento, cada mulher vai dizer o que quer. Eu mesmo sou hoje um pouco do que cada mulher foi moldando;, reflete. ;Mas claro que tem um papel da publicidade, da moda e dos grandes ícones, como o David Beckham, que para mim é o próprio novo homem;, diverte-se.

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