Revista

Amizade transformadora

O relato de cinco pessoas que tiveram suas vidas tocadas para sempre pelo amor incondicional e a lealdade de um cachorro

postado em 13/01/2011 18:44

Um cachorro e um gato estão sentados sobre o tapete da sala de estar. Ao ouvir que o dono se aproxima da porta, retornando para casa, o cão fala para o gato: ;Ele é meu melhor amigo e trabalha duro o dia inteiro. Será que você podia ao menos balançar o rabo?; A cena, retratada em uma tirinha de humor da revista semanal New Yorker, expressa bem o enorme hiato que existe entre a relação que um cão tem com seu dono em comparação com a dos demais animais. A devoção, a lealdade incondicional, a alegria e a cumplicidade são típicas do comportamento canino, e principais motivos para, desde sempre, ostentarem o título de melhor amigo do homem. Prova disso é a quantidade de depoimentos apaixonados que os leitores da Revista mandam, diariamente, para a redação. São relatos sinceros e devotados aos cães que transformaram suas vidas, de diferentes maneiras.

Para a doutora em ciência cognitiva Alexandra Horowitz, essa predileção pelos cães tem justificativas científicas. Segundo ela, existem meios comportamentais essenciais pelos quais mantemos laços com cães e nos sentimos recompensados por eles. O primeiro é o contato físico, o toque sempre bem recebido. O segundo é o ritual de cumprimento: a celebração quando nos encontram serve como identificação e reconhecimento. ;O terceiro é o momento: o ritmo de nossas interações um com outro é parte do que possibilita que tais meios se combinem para ligar cão e homem de maneira irrevogável;, afirma em seu livro A cabeça do cachorro, o que seu amigo mais leal vê, fareja, pensa e sente. ;Olhe um cão nos olhos e você sentirá claramente que ele também olha de volta. Os cães retribuem nosso olhar. Seu olhar é mais do que apenas olhar para nós, eles nos olham da mesma forma como nós os olhamos;, afirma a PhD.

Para a psicóloga Maraci Sant;Ana, engajada nos movimentos de proteção animal, essa conexão é saudável e natural. ;Temos um certo controle sobre o animal, uma certeza de que ele sempre estará lá, ao nosso lado, e nunca vai nos decepcionar, independentemente de tudo. Ele é aquilo que você vê. Uma fonte inesgotável de energia e amor.; Maraci, porém, alerta: ;Mas é uma relação que só é saudável quando pautada no amor e na troca, e não na obsessão.; Em homenagem a esses companheiros e aos leitores tão devotados, recolhemos histórias de pessoas que aprenderam com os cachorros lições valiosas sobre suas próprias vidas.


A descoberta do amor

Carlos Werneck tem quatro cachorros. Todas as manhãs, acorda cedo para preparar uma salada de frutas. Para ele e para a cachorrada. Vai abacaxi, maçã, manga, melancia, banana, melão. Os cães, segundo ele, mudaram sua qualidade de vida, sua saúde física e mental. A lição aprendida: o significado verdadeiro da palavra lealdade.
Carlos Werneck com Maia, sua cadela preferida: uma história de amor à primeira vista


A despeito da alta patente militar, o coronel Carlos Werneck, 80 anos, é um homem que nada tem de truculento ou autoritário. Mas, por quase toda a vida, nunca teve jeito ou gosto por cachorros. ;Só achava bonito de longe.; Quando a filha era menina, pôs no juízo a vontade obstinada de ter um cachorro. O coronel não queria de jeito nenhum. Sabia que o trabalho de limpar a casa, a sujeira deixada pelo animal e de cuidar da alimentação acabaria sobrando para ele. ;Eu disse que não. De jeito nenhum.; Mas se na casa de ferreiro o espeto é de pau, na do coronel a palavra de ordem era das mulheres. E um pequeno e estabanado cão da raça beagle se tornou o mais novo inquilino. ;Contra a minha vontade.; Como previsto, ficou com o trabalho sujo, e nunca conseguiu se afeiçoar muito ao cachorro. Depois do beagle, decidiu que não teria mais cães.

Décadas depois, já divorciado, conheceu Fernamara Werneck, 46 anos. Apaixonaram-se e se casaram. Os planos do coronel ; no que diz respeito aos seres de quatro patas ; continuavam os mesmos: caninos não eram bem-vindos. E mais uma vez a voz feminina deu a palavra final: a mulher ganhou uma cadela da raça husky siberiano, chamada Madona e, a contragosto, concordou em dividir a casa com a cachorra. A frieza que lhe era típica no trato com os cães continuava a mesma. Ele cuidava da cadela quando necessário e acompanhava Fernamara nas caminhadas matinais com Madona.

Em um desses passeios pelo condomínio, um fato inesperado mudaria o curso de sua história de vida: Carlos pisou em falso e levou um tombo feio. A cadela começou a pular sobre ele, a cheirar e a tentar ajudá-lo. Com o olhar preocupado e afoito, ficou desconcertada, como se quisesse segurá-lo e levantá-lo imediatamente. ;Aquilo me tocou de uma forma que eu nem sei descrever. Ela queria desesperadamente me ajudar. Me emocionei muito.; Madona, em seu instinto de proteção e cuidado com a família, ganhou o coração do coronel, que, a partir daquele momento, começou a enxergar os animais com novos olhos .

Logo depois do incidente, a mulher aproveitou o ;bom momento; do coronel com relação a Madona e comprou Dolly, uma enorme cadela branca e peluda da raça kuvasz. O temperamento dela foi uma nova surpresa na vida de Carlos: ;Nunca haverá uma cachorra como Dolly. Tão amiga, tão dócil, tão leal;. Algum tempo depois, Madona se foi e Dolly se tornou a única da família. ;Única mesmo. Não queria ter mais cães porque achava que um já era suficiente.;

Tempos depois, uma nova reviravolta: os amigos avisaram ao casal sobre um filhote moribundo. O coronel, tocado com a situação, o adotou. Guga, um golden retriever, recuperou-se e se tornou o novo mascote da casa. ;Prometi que não queria mais cachorros. Dolly e Guga já eram suficientes.; Meses se passaram e uma amiga apareceu na porta de casa com um belo filhote de labrador nos braços. ;Surpresa!” Pela terceira vez, Carlos não resistiu e acolheu o cãozinho, batizando-o de Zeus. ;Não podia fazer uma desfeita com a minha amiga. Aceitei o cão. Pronto. Três já eram demais.;

Estava definitivamente certo de que não adotaria novos cães. Ele só não esperava que pela quarta vez seu desejo novamente seria descumprido. E a cena se repetiu no quintal de casa. A mesma amiga que lhe presenteou com o labrador, anunciava no portão: ;Carlos, Tenho um presente para você!”. ;Pensei: outro cachorro não, pelo amor de Deus!” Nos colos da amiga, uma cadelinha da raça borde collie o fitava com seu único olho pidão ; o olho direito foi supostamente ferido pelo bico de uma galinha nervosa. Werneck sentiu o que chama ;de um amor tão grande;, como nunca havia sentido por outro cachorro. Agora, eram quatro cães zanzando pelo jardim que, inicialmente, jamais abrigaria nenhum deles: Dolly, Guga, Zeus e a novata, chamada de Maia.

A cachorrinha de um olho só se tornou, indiscutivelmente, a xodó do coronel. A honraria se deu quando, algumas semanas depois de ser adotada, pegou a doença do carrapato. Ficou tão doente que foi desenganada pelo veterinário. Ela negava comida e água e mal se movimentada. Abalado com a iminência de sua morte, na noite que acreditava que Maia padeceria, o coronel se levantou às 3h da madrugada para verbalizar à cadela o que seria uma despedida. Viu a companheira, emocionado, e começou a lhe afagar a cabeça. ;Ela me olhava nos olhos como quem pede, ;me salve;. Aquilo me afetou muito.; Se abraçaram entre lágrimas e a cadela começou, naquele momento, a reagir. Comeu um pouco e bebeu água. No dia seguinte, era como se já estivesse sarada. Brincava e caminhava novamente, cheia de vida. Depois disso, criaram um laço de amizade, amor e cumplicidade que deixa o coronel emocionado. ;Às vezes, eu a abraço e falo: Eu te amo muito. Será que você me ama como eu te amo?;

Caminhos trilhados por um cão-guia
Quando Silvo levou Naná, sua cadela guia, para a primeira viagem à praia, ela esqueceu do seu ofício. Amarrada à cadeira de praia, saiu em disparada atrás de um pombo. Derrubou Silvo no chão e lhe deu um banho de areia. Para as próximas férias, o escolhido para acompanhar a família é Zircon, hoje aposentado do cargo, mas com vaga cativa no coração da família.
Silvo com Zircon, hoje aposentado: uma relação de muito carinho e troca de confidências


Todos os dias Silvo Góis, 37 anos, acorda às 5h30 da manhã. Levanta-se, abre o portão para a moça que trabalha em sua casa e retira a caminha dos cachorros do chão. Pega as vasilhas de comida e serve o labrador Zircon, o mais velho. Depois, é a vez de Naná, outra labradora. Só então Silvo toma o café da manhã, apronta-se e põe a guia em Naná. A cadela, estabanadíssima e agitada, entra no arreio e se transforma. Ergue o peito, levanta a cabeça e fica com a feição mais compenetrada. Juntos, caminham 400m até a parada de ônibus. Entram no veículo coletivo e descem no meio da rodovia. Andam até a passarela subterrânea em direção ao trabalho. Lá, sobem um lance de escadas. O regulador de serviços público bate o ponto e senta em sua cadeira. O começo do expediente de Silvo marca o intervalo de Naná. Ela deita e descansa.

No fim do dia, mais uma vez , Naná volta à ativa e o acompanha até o ônibus. ;Ao chegar em casa, a primeira coisa que faço é tirar o arreio de Naná, que desmancha a postura rígida e sai saltitando em alta velocidade para cumprimentar a minha mulher e os meus três filhos.;

Zircon, seu antigo cão-guia, o recebe com festa, e exige alguns minutos de afago. Desde de que se aposentou, o velho labrador sente falta dos passeios, do trabalho. A carência é compensada com a atenção de Silvo. ;Naná é um excelente cão-guia, mas minha relação com Zircon é diferente. Ele foi o primeiro, então tem um carinho muito especial envolvido.; Silvo lembra que por muito tempo dividiu o trabalho com a faculdade. ;Zircon passou a ser minha principal companhia. O dia todo ao meu lado. Me guiando. Até hoje trocamos confidências. O mesmo vai acontecer com a Naná. Quando ela não puder mais guiar, continuará com a gente, como uma filha.;

As mudanças trazidas pela relação com os cães-guias não se restringem à locomoção e à independência. Silvo passou a ver a vida pelos olhos de um cachorro, e ;isso traz uma transformação de valores, de postura perante a vida.; Segundo Silvo, a própria forma como as pessoas o veem mudou. ;Deixei de ser um ceguinho que provocava sentimentos de pena, e passei a ser o cara com o cachorro. Toda hora alguém me aborda para tecer algum comentário bacana ou disparar perguntas sobre o projeto.;

Mas o sentimento de gratidão de Silvo não se restringe aos animais. Antes de exercer o ofício de cão-guia, o labrador passa por uma extensa preparação ; um trabalho de socialização e treinamento que começa com uma família hospedeira, responsável por cuidar do filhote durante seu primeiro ano de vida. No caso de Naná, a família escolhida foi a do casal Ricardo Corrêa, 58 anos, e Lúcia Campos, 57. Luna, uma labradora preta, de 2 meses, foi então entregue ao casal. Eles deveriam cuidar dela por 10 meses e depois entregá-la para os treinadores do projeto cão-guia. Para sempre.

Quando Luna chegou com sua alegria e simpatia, Lúcia soube que não seria uma tarefa fácil se apegar ao cão para depois doá-lo. Mas fizeram o que tinha que ser feito. Sociabilizaram a cadelinha, ensinaram boas maneiras e deram-lhe todo o amor possível. ;Dias antes da despedida, eu já chorava só de olhar para ela;, conta Lúcia. Mas logo depois chegou o segundo cão do projeto e a saudade de Luna se transformou em atenção para o novo filhote. Por ironia do destino, Luna não obteve bons resultados nos treinamentos por ter medo de escadas e, um ano depois, voltou a morar com a família hospedeira. ;Foi uma alegria recebê-la. Teve um sentimento de frustração por ela não ter entrado no projeto, mas uma felicidade imensa de tê-la de volta.; Com Naná, eles confessam, não seria diferente. ;A acolheríamos de volta com todo o prazer;, diz Lúcia. ;Sai pra lá que dessa aqui eu não largo nunca mais;, diz Silvo, afagando a cabeça da cachorra, que, com a boca aberta e a língua para fora, até parece sorrir para o dono.

A cadelinha que tirou uma família do luto
Jolie acorda cada um dos moradores da casa com lambidas na orelha. Gosta de tirar cochilos na cama da dona e resmunga quando ela se mexe muito. Quando quer chamar atenção, se deita de barriga para cima no meio da sala, com um brinquedo na boca, fingindo-se de morta. Fica imóvel nessa posição por minutos, até que alguém a perceba e afague sua barriga. Salvou a família de um luto e trouxe alegria para o novo lar.
Jolie transformou a vida Márcia e de sua família: amor de mãe


A professora Márcia Cristina Pessoa, 41 anos, cresceu rodeada de animais. Já teve gato, coelho, periquito, peixe de aquário; Mas foi depois da morte de seu primeiro cachorro, ;o vira-lata mais feio do mundo;, que ela desistiu dos cães. ;Chorei três dias sem parar. Estava grávida da minha filha, Raquel. Decidi que não queria mais passar por esse sofrimento. Então fiz o juramento clássico de quem perde um cachorro: nunca mais teria cães.; Em 2007, a mãe de Márcia, que estava muito doente, morreu. Márcia se apoio no amor do pai para superar a perda. Um ano depois, levou o pai ao aeroporto. Ele estava animado para visitar os irmãos no Piauí. Passaram-se três dias e a professora recebeu um telefonema com a notícia de que seu pai havia passado muito mal e estava no hospital. Quando chegou no aeroporto e despachou as bagagens rumo ao Piauí, foi avisada pela família que ele acabara de morrer. Fez a viagem atônita e mergulhou num luto profundo.

Daí em diante era apenas ela e a filha na casa dos pais, antes confortável, e agora insuportavelmente grande e vazia. ;Assumi uma vida nova, que não queria. Não sabia como administrar minha dor, criar minha filha, trabalhar.; Na escola onde trabalha, todos tentavam animá-la ; inclusive a mãe de um de seus alunos, que lhe ofereceu um filhote da raça shih-tzu. Márcia foi para casa pensando na possibilidade de adotar a cadelinha, já que a filha sempre sonhou em ter um cão.

A professora resolveu então buscar a cachorrinha na casa do aluno. ;Ela era do tamanho da minha mão. Uma bolinha de pelo linda. Me encantei automaticamente.; Márcia chegou em casa com o bichinho dentro de uma caixa. A filha e a sobrinha, que brincavam juntas, ficaram enlouquecidas. ;Foi um momento muito marcante porque demos, ali, uma virada de 180;. Saiu a tristeza e entrou a Jolie, nossa alegria.; A casa nunca mais ficou em silêncio. Os latidos e os ruídos das patinhas de Jolie correndo estavam sempre presentes.
;Jolie me mostrou como ainda podíamos ser felizes.

Decidi vender a casa e me mudar para um apartamento. Essa foi a segunda virada. Cortei tardiamente meu cordão umbilical. Tinha uma vida nova pela frente.; Na loucura da mudança ; eram 180 caixotes de papelão em um apartamento de cerca de 60m; ; Jolie sumiu. ;Foi um desespero. Fiquei sem chão. Liguei para meu irmão chorando e fomos para a rua procurá-la.; A auxiliar de limpeza do prédio a avisou: ;Tem uma cadelinha perdida no hall do 6; andar;. Márcia correu pelas escadas e encontrou Jolie no canto, chorando baixinho, feito gente, com os olhos encharcados de lágrimas. ;Vi como eu a amava.;

Márcia até mudou de opinião com relação à criação de cachorros. Achava uma grande frescura essa história de vestir o cão, colocar lacinho, enchê-los de presentes. Achava um absurdo um cachorro subir na cama dos donos. Pois bem, Jolie tem 25 lacinhos para o ;cabelo; (rosa pink, xadrez, listrado, dourado, em forma de joaninha, de poá, com pena;), um par de calcinhas de babados, vestidinho da Seleção Brasileira de Futebol, roupa de Mamãe Noel, vestido de flores, outro rosa e um estampado. Quatro pares de sapato ; não sai de casa sem eles ;, perfume de gente e nada mais que 40 brinquedinhos. ;É minha forma de retribuir tudo que ela trouxe de bom para a minha vida. A gente mima como se fosse filha. Aliás, é uma filha. É o mesmo amor. Amor de mãe.;

Uma amada matilha
A casa de Marcos Maron tem 30 cães, fora os filhotes que acabaram de nascer. São 30 casinhas de cachorros, 60 potes de ração e água em uso e outros tantos guardados. Por ano, são consumidos 384 sacos de ração, que somam 7.680kg. Cada saco custa R$ 200. De cabeça, ele lembra do nome da Elis, do Cadu, do Zeus, do Fernando, do Arthur, do Max, do Roberto, da Athena, da Trinite, do Devon, da Branca, do Thunder, do Brown, da Hayla, da Dora, da Ranã, e da Avril. Os filhos, Felipe e Gabriel, compartilham a paixão do pai.
Marcos com os filhos, Felipe e Gabriel, e a nova ninhada de labradores: difícil não ficar com todos


O empresário e administrador Marcos Maron, 47 anos, morava em um confortável apartamento em Brasília quando decidiu presentear o filho com um cachorro. Como sempre admirou cães de grande porte, comprou logo um golden retriever. Mas a expectativa de viver em harmonia com o novo inquilino virou um pesadelo. Era pelo por toda casa, marca de patas sujas, móveis, sapatos e brinquedos roídos, cheiro de xixi no tapete. Para deixar a situação ainda mais caótica, Marcos ganhou um rotweiller. Os dois enormes filhotes destruíram o apartamento e a paz da família. Mas o apego e o carinho que todos tinham por eles era tão grande, que não tinham outra opção além de se mudarem para uma casa.

A casa encontrada era longe, a mais de 40 minutos do centro. O filho estudava na ponta oposta da cidade. ;Eu e o Felipe, que pouco nos víamos na correria do dia a dia, começamos a passar muito mais tempo juntos. No carro, quando o levava para a escola, conversávamos. Depois, almoçávamos juntos e ele fazia cursos ou ficava comigo no trabalho até a hora de ir para casa. Ficamos muito mais unidos, mais amigos;, lembra Marcos.

Tudo ia muito bem quando um vizinho que estava de mudança lhe ofereceu um filhote de labrador. Inicialmente, Marcos não gostou da ideia, mas quando olhou para Elis, a pequena ;de olhos contornados por uma pelagem preta, bem delineada, que parecia uma pintura egípcia;, uma cabeça grande, o corpo forte e um jeito absolutamente meigo, não resistiu. ;Achei a Elis linda, mesmo sem entender nada sobre a raça.; Com suas típicas travessuras de labrador, Elis se tornou o xodó da família. E as travessuras não eram poucas. ;No nosso primeiro Natal na casa, minha mulher arrumou a ceia na mesa da churrasqueira. Ela entrou um segundo para pegar alguma coisa e, quando voltou, o peru havia sumido. Elis já tinha engolido ele inteiro, quase sem deixar vestígios. Comemos o que sobrou e até hoje rimos disso nas noites de Natal.;

Os amigos elogiavam tanto a beleza da cadela que sugeriram que Marcos a levasse a uma competição. ;Não queria, mas insistiram tanto que a treinamos por uma semana e a levamos para um campeonato de labradores. Sem nenhuma experiência.; Elis ganhou todos os prêmios, de todas as categorias. A partir daí, Marcos começou a se interessar pela raça. ;Eu queria que existissem outras cadelas como Elis. Com o mesmo porte e a mesma beleza. E também o mesmo temperamento dócil.; Marcos fez uma extensa pesquisa sobre as origens da linhagem dela e encontrou um pretendente perfeito para o cruzamento. Estava certo que colocaria mais cães como Elis no mundo.

Logo em seguida soube que havia um labrador, filho de um campeão mundial, à venda. Não resistiu. Os cruzamentos começaram e Marcos não conseguia vender os filhotes. Achava-os tão bonitos que ficava com a maioria. Hoje, nove anos depois da chegada de Elis, Marcos tem 30 cachorros. Comprou o terreno ao lado de sua casa para construir um canil que abrigasse cada um deles confortavelmente. Trabalha para sustentar a cachorrada, e começou a vender os filhotes para cobrir os custos do novo hobby. ;Por mim, não vendia. Eu dava os filhotes para quem pudesse cuidá-los com o mesmo amor e dedicação com que os criamos. Mas, sem a renda dos filhotes, não tenho como sustentar sozinho essa cachorrada.; Da nova ninhada, ele olha para três fêmeas e dispara, enquanto o fotógrafo bate as fotos: ;Vou ficar com essas três. Não vai ter jeito. Essas não vou conseguir vender;.

Um dono profissional
Pablo Webar já teve centenas de cachorro, mas foi o rotweiller Ralph que mais marcou a sua vida. Ele transformou o cão com fama de assassino em um brinquedo que as crianças disputavam para abraçar. Juntos, participaram de programas de TV, fizeram teatrinho nas escolas e praças de alimentação dos shoppings e ganharam prêmios em campeonatos de agility. ;O melhor cachorro do mundo.;
Pablo Webar com Jeff, o seu novo xodó: relação de confiança absoluta


Quando entrou no Exército, Pablo Webar foi trabalhar no canil da corporação. A sintonia com os cães e a facilidade que tinha no trato e no adestramento lhe deram a certeza de que era isso que queria fazer pelo resto da vida. ;Sabia que, se eu quisesse ser feliz, tinha que fazer do contato com os cães o meu ganha-pão. Decidi dedicar minha vida aos animais.; Em 1992, pediu licença da corporação e começou a trabalhar como adestrador. ;Era uma época que cachorro comia as sobras do almoço. Ração ainda não era tão comum. Essa coisa do adestramento então, ainda era muito restrita.; Desde que começou o trabalho, já teve contato com centenas e centenas de cães. De todas as raças, tamanhos e temperamentos. Criou em sua casa de vira-latas a cães premiados em exposições. Chegou a ter 40 cães ao mesmo tempo. Mas foi Ralph, da malvista raça rotweiller, que marcou sua história.

A fama de cachorro assassino que sempre perseguiu a raça incomodava Pablo, até porque Ralph era um cachorro absolutamente dócil. Um dos cães mais obedientes que já conhecera. Obstinado a limpar a reputação da raça, Pablo teve uma ideia que, à primeira vista, tinha tudo para ser um desastre: usaria Ralph para ensinar criancinhas a se defenderem de um ataque. No início, todos acharam a proposta absurda, mas quando conheciam Ralph, mudavam de opinião. Ralph virou sensação. A dupla percorreu a maior parte das escolas do Distrito Federal com um teatrinho que ensinava as crianças a serem prudentes no trato com cães.

;Deixávamos a criança sentada e escondíamos um biscoito debaixo dela. O Ralph ia até lá e começava a cheirar a criança atrás do biscoito. Era uma simulação da aproximação de um cão. As mães ficavam assustadas no início, mas depois todas as crianças queriam participar. Ralph era um companheirão. Conquistou todo mundo que conheceu.;

Nas exposições, vira e mexe, Ralph desaparecia. Meia hora depois, Pablo o reencontrava no meio das crianças ; ou brincando com um adulto. ;As pessoas se sentiam tão à vontade com ele que o tiravam da coleira e o levavam para passear.; Até hotel de luxo aceitou a permanência de Ralph. O gerente, que a princípio estava irredutível quanto à presença do cachorro, mudou de ideia quando Pablo começou a lhe dar comandos. ;Senta. Morto. Rola. Patinha.; No fim das contas, o funcionário se apegou ao cão e ele virou o mascote do hotel durante os dias de hospedagem da família.

Pablo diz que nenhum outro cachorro significou tanto para ele. ;Quando cheguei no jardim e vi o Ralph prostrado, com a abdome inchado, corri para o veterinário. Não saí de perto dele por um segundo. Ele morreu no meu colo e eu chorei, porque foi um dos momentos mais difíceis de todos. Sinto muita falta dele, sempre, mas ter cachorro é isso aí. A gente tem que saber que existe essa parte da dificuldade também.; Hoje, seu novo xodó é o border collie Jeff. ;Ele é louco por mim. Enxerga apenas as qualidades das pessoas. Assim como Ralph, temos uma relação de confiança absoluta. É o tipo de cão que transforma a gente. Deixa a vida mais tranquila e alegre.;

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