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Minha casa, meu reino

Quem disse que ser prendada(o) é coisa de antigamente? A Revista ouviu pessoas que se orgulham de realizar perfeitamente as tarefas domésticas

postado em 15/04/2011 09:46

Você sabe para que serve um dedal? Já instalou um varal na área de serviço? E destrinchar um peru? Parece muito difícil, não é? Não se desespere. Se não tiver essas habilidades, há duas opções: correr para o telefone e contratar alguém que faça o serviço ou colocar a mão na massa. E parece que essa última alternativa voltou à moda. Não só porque o orçamento familiar anda apertado, mas porque uma nova geração de solteiros e casais quer colocar em prática todas as lições passadas por avós, tias e mães. Para aqueles que não aprenderam com familiares ou amigos, não faltam escolas, páginas na internet e publicações que ensinem a pintar uma parede, preparar um jantar ou tirar uma mancha do vestido favorito.

Maria Teresa Cavalcanti e filhas, Tainah, Mayla e Raíssa: Criadora de um espaço voltado para homens e mulheres que querem aprender os truques para se virar nas tarefas domésticas, a administradora Mariana Rollemberg, 32 anos, acredita que muitas pessoas investem em cursos de tarefas domésticas porque não tiveram oportunidade de aprender valiosas lições em casa. ;Muitos jovens não sabem lavar, passar. Isso porque as mães da nossa geração se dedicaram ao mercado de trabalho e não tiveram tempo para nos passar esse conhecimento. Mas hoje, homens e mulheres querem aprender a se virar sozinhos em casa ou poder coordenar o lar com conhecimento;, observa.

Para a jornalista e escritora norte-americana Erin Bried, autora do recém-lançado livro Como pregar um botão (Ed. Civilização Brasileira), a recessão econômica dessa primeira década do século 21 foi uma das responsáveis por esse movimento de volta às tarefas domésticas. ;Além do que, aprender a cozinhar nossas refeições, pregar nossos botões e fazer nosso próprio entretenimento nos proporciona não só uma economia de dinheiro mas também autonomia e satisfação. Saber que você pode contar consigo mesmo promove maior autoconfiança;, acredita.

Esse é o caso das filhas da empresária Maria Tereza Cavalcanti, 51 anos. Tainah Nóbrega, 31, administradora, Mayla Silva, 28, advogada, e Raíssa Cavalcanti Araújo, 22, estudante de administração, valorizam, desde cedo, a arte de pôr uma mesa, cozinhar, passar, receber visitas, organizar o armário, entre outros traquejos do lar doce lar. Apesar de cada uma ter apenas uma dessas atividade como ponto forte, todas aprenderam a administrar tempo para a casa e para os negócios. A mãe se orgulha: ;Temos que levar esses hábitos para gerações futuras. Mesmo com a praticidade da vida, pretendo passar esse conhecimento para os meus seis netos;, promete Maria Tereza.

Até os homens, antes figurantes nesse enredo, entraram em cena. Além de cuidar da manutenção dos eletrodomésticos, Leo Araújo, 56, marido de Maria Tereza, é quem pega agulha e linha para ajustar qualquer saia justa em casa. ;Como eu não tenho a aptidão das minhas avós para costurar, fazer uma bainha, deixo essa tarefa para meu marido, que é craque nisso;, revela a empresária.

Infelizmente, o marido de Maria Tereza ainda é exceção. Segundo a jornalista Marta Moraes, 40 anos, autora do blog Bom e Barato (bomebaratoblog.blogspot.com), os homens vêm, aos poucos, demonstrando interesse pelas tarefas do lar. ;Apesar de ter homens entre os seguidores do blog e conhecer alguns que se envolvem nas coisas da casa, eles ainda são poucos. Acredito que há, ainda, um caminho a percorrer;, pondera.

Enquanto os homens dão o primeiro passo na divisão das tarefas domésticas, jovens mulheres saem na frente. Com informação, disposição, avental e glamour à mão, elas buscam ; cada uma a sua maneira ; mimar a casa com cuidados de uma rainha do lar.

Caiu na rede é peixe
Para a blogueira Chris Campos, cuidado com casa não é uma questão de nostalgia, mas de realizaçãoEstar em dia com as atividades do lar não significa isolar-se do mundo. Dá para assar um pão e conferir as últimas notícias do seu site favorito ou assistir à reprise da novela enquanto costura aquela bainha há muito deixada para depois. Para aqueles que querem integrar os cuidados com a casa ao lazer, sites e blogs são grande aliados. Antenados nas novidades de cozinha, decoração e organização, eles cativam as internautas.
Há cinco anos, a jornalista e escritora Chris Campos compartilha dicas preciosas no blog Casa da Chris (casadachris.uol.com.br/blog). ;Sempre achei bonita essa história de saber costurar, cozinhar e cuidar da casa com o mesmo capricho com o qual escolhemos a roupa que vamos vestir;, conta. Na página da internet, Chris mostra como é divertido fazer com as próprias mãos algumas mudanças da casa, como: transformar um móvel, pintar uma parede ou, simplesmente, mudar a mobília de lugar.

Esse resgate de atividades singelas também encanta a jornalista Marta Moraes, 40 anos, do Bom e Barato (bomebaratoblog.blogspot.com). Residente em Brasília, Marta começou a postar dicas preciosas e baratas há pouco mais de 10 meses, depois de tanto navegar na rede e andar pela cidade atrás de mimos bons e baratos. ;Gosto de fazer cursos de gastronomia, artes, costura; de fazer tudo nas festas dos meus filhos. Sou uma pessoa disposta a ir atrás de coisas baratas, de fazer coisas criativas. Resolvi que estava na hora de fazer um blog para compartilhar essas ideias, dividir os achados, inspirar as pessoas a fazerem diferente;, explica.

Desde sua criação, o site de Marta acumula sete mil acessos. Internautas brasileiros e de países como Portugal, Turquia, Suíça, Japão, França, Moçambique, Canadá, Estados Unidos, Rússia, Irã e Argentina conferem as dicas do blog e trocam receitas com Marta. ;Uma portuguesa que mora na Bélgica e eu acabamos trocando e-mails e receitas. A partir de um comentário dela, por exemplo, fui atrás de ideias para um post sobre lanche escolar;, lembra.

O sítios na internet funcionam como verdadeiras avós virtuais. ;São informações sobre o lar que antes a gente encontrava nas revistas ou ouvia de amigas, tias, mãe;, observa Marta. A blogueira Chris Campos aposta numa nova geração interessada em cuidar da casa sem, necessariamente, pagar pela ajuda de especialistas. ;Aos poucos, as jovens começam a resgatar hábitos do passado. Não por nostalgia, mas por necessidade de aprender algo essencialmente feminino em um mundo onde todas temos de lidar com a agressividade do dia a dia;, reflete.


A ;cartilha; de Chris Campos
- Mantenha a casa em ordem: é mais fácil do que deixar as coisas entrarem em colapso e, depois, ter de passar um dia inteiro na função de arrumar, limpar, ordenar;

- Olhe para o ambiente da casa como você olha para você mesma: preste atenção nos detalhes que fazem diferença, cuide deles um pouquinho por dia e capriche nos mimos, sempre;

- Faça listas de: supermercado, artigos de manutenção para a casa, objetos de desejo. Listas sempre nos ajudam a organizar as ideias, a tirar os planos do mundo dos pensamentos e partir para a ação;

- Invista em eletrodomésticos salvadores do lar, aqueles que, de fato, irão facilitar a sua vida diária. Eu, por exemplo, considero aspiradores portáteis grandes ajudantes na hora de manter a casa em ordem. Para você, uma secadora de roupas ou uma lava-louças podem ser mais essenciais;

- Transforme os ambientes de acordo com suas melhores vontades. Se você gosta de jantar em bistrôs, por exemplo, por que não levar o clima do lugar para a sua casa? Criar ambientes de sonho em casa tem mais a ver com inspiração e capricho do que com investimentos milionários em peças de design.

De geração em geração
Família que trabalha unida permanece unida: Clésia ensinou os filhos a dividir as tarefas do larMineira de Confins, Clésia Reis tinha pouco mais de um metro de altura quando mexeu, pela primeira vez, um tacho de doce de leite. Aos oito anos, ela aprendeu que cozinhar podia ser tão gostoso quanto brincar. A mãe, funcionária dos Correios, mostrou à menina que a casa merecia carinho e atenção. ;Sextas-feiras e sábados eram os dias da quitanda e ela abastecia a dispensa com bolos e broas para a semana. Aprendi a fazer tudo isso, além de arrumar a casa, limpar, costurar. Costumo falar que minha mãe deixou algo muito bonito para a gente;, conta.

Hoje, aos 48, a administradora olha para trás com orgulho de toda a sabedoria que herdou da família. Os cuidados com o lar, ela repassou para os três filhos: Ana, 20, João, 18, e Pedro, 17, que aprenderam a conciliar as tarefas domésticas com estudo e lazer. Sem favorecer um ou outro, na casa de Clésia todos sabem se virar. ;Desde criança, eles sabiam o lugar de cada coisa. Por exemplo: se brincavam, guardavam os brinquedos;, lembra.

Com o passar dos anos, os três filhos da administradora adquiriram novas responsabilidades. ;É importante que saibam o valor da colaboração. Saber que, se sujou o copo, lavá-lo demonstra cuidado pelas coisas que se tem. Meus filhos acham bacana. Não é um peso;, diz Clésia. E, ao contrário de muitos adolescentes, Ana, João e Pedro não reclamam. Pelo contrário, se for para pegar um balde e esfregão para lavar o chão ou preparar o arroz do almoço, os três compartilham tarefas e trabalham em equipe. Se João lava a louça, tira a mesa e limpa o fogão, Pedro faz a faxina nos banheiros e Ana passa as roupas. Nem o marido de Clésia, o administrador Carlos Reis, 50 anos, escapa pela tangente. É ele quem faz a manutenção dos eletrodomésticos e lava a louça nos fins de semana.

João e Pedro não acham estranho executar tarefas que a maioria dos outros rapazes da mesma idade desconhece. ;Pra gente é muito natural;, conta Pedro, que se gaba do omelete que faz. João concorda. Não vê problemas quando vai para a casa dos amigos e, ao preparar um lanche, ensina a turma que para fazer algumas tarefas do lar não há mistérios. ;Acho que tudo o que aprendemos com nossa família é uma vantagem até para quando sairmos de casa e tivermos que nos virar por conta própria;, acredita. Para Clésia, essa é a herança que ela e o marido querem deixar para os filhos. ;Isso nenhuma escola ensina, somente a família. Essa base é o que posso deixar para meus filhos;, acredita.

Entrevista//Erin Bried
Quem disse que ser prendada(o) é coisa de antigamente? A Revista ouviu pessoas que se orgulham de realizar perfeitamente as tarefas domésticasA escritora Erin Bried já esteve imersa no mundo das celebridades. Foi editora das revistas Glamour, Condé Nast e Women;s Sports & Fitness e esteve cara a cara com Agelina Jolie, Jennifer Aniston entre outras beldades que fazem qualquer um tremer nas bases. Mas esse não foi o maior desafio de Erin. Não saber discernir os ingredientes da torta de morango que preparou repetidas vezes quando criança foi o que incomodou a jornalista. Ela não mais lembrava dos aprendizados da avó. Coisas simples, aparentemente fáceis de recordar, ficaram em segundo plano. Desde receitas culinárias a preparos de desinfetantes caseiros. Para não mais esquecer as sábias lições, Erin decidiu publicá-las no recém-lançado Como pregar um botão (Ed. Civilização Brasileira). No livro, ela reúne dicas de família e de outras avós que sabem, e souberam, se virar nas tarefas de casa gastando pouco. Em entrevista por e-mail, Erin contou à Revista como foi escrever esse manual prático para a mulher moderna.

Como você teve a ideia desse escrever esse guia de, como você bem descreveu, ;coisas úteis que sua avó sabia fazer;?
Tudo começou com uma torta desastrosa. Estava recebendo alguns amigos para o jantar e decidi fazer, para a sobremesa, uma torta de morangos com ruibarbo. Só que, acidentalmente, eu comprei acelga em vez de ruibarbo e fiz a torta com os talos, a parte mais amarga e que normalmente jogamos fora. Desnecessário dizer que a torta ficou horrível. Essa experiência me fez refletir. Quando era criança, costumava ajudar minha avó a colher ruibarbos na horta e agora, adulta, não conseguia mais identificar essa verdura na quitanda. Foi aí que comecei a pensar: o que mais eu esqueci? Ou, em primeiro lugar, o que eu não aprendi? Como pregar um botão foi a resposta para esses questionamentos.

Para reunir tantas dicas interessantes, você entrevistou dez avós. Como foi feita essa seleção?
Meu único critério era que cada uma delas tivesse vivido a Grande Depressão Americana, que perdurou de 1929 a 1939. Pensei: quem melhor para dar conselhos que aquelas que enfrentaram com dignidade uma fase conturbada da economia antes dessa que experimentamos hoje? Além disso, também queria me certificar que eu conversaria com um grupo diversificado de avós. Por isso, busquei mulheres de diferentes partes dos Estados Unidos com históricos econômicos diversos. Elouise Bruce, por exemplo, cresceu numa fazenda em Mississipi, numa época em dividia a cama de solteiro com outras três irmãs. A experiência de Elouise ensinou-lhe a encontrar recursos com o que estivesse à mão. O contrário aconteceu com Sue Westheimer Ransohoff, que cresceu em Baltimore e cuja família saiu ilesa da Grande Depressão. A lição que Sue tirou da infância foi: ser generosa com os menos afortunados e ajudá-los no que fosse preciso.

Estamos acostumados a pedir comida por telefone, pagar alguém para limpar e organizar a casa ou mesmo pregar um simples botão. Na sua opinião, qual a importância de saber fazer essas e outras atividades?
Como eu disse antes, a América está vivenciando uma das piores crises econômicas desde a Grande Depressão e nós não podemos mais nos dar ao luxo de pagar outros para fazer atividades que nós mesmos podemos ; e deveríamos ; fazer. Além do que, aprender a cozinhar nossas refeições, pregar nossos botões e fazer nosso próprio entretenimento nos proporciona uma economia de dinheiro e uma grande satisfação. Saber que você pode contar consigo em qualquer situação promove maior autoconfiança. Qualquer um que aprenda a assar o próprio pão ou torta, ou mesmo fabricar de forma caseira o vinho ou a cerveja que consome pode se beneficiar de muita diversão no preparo também.

E você? Também coloca em prática todas as dicas que publicou?
Experimentei cada dica do livro e, mesmo que eu não seja craque em todas, fico orgulhosa em dizer que incorporei muitas delas no meu dia a dia. Eu sei arrumar a cama como poucos e inclusive fiz um vídeo a respeito, para aqueles que têm dificuldade: www.howtosewabutton.com. Também desentupi muitas pias usando nada além de refrigerante e vinagre, o que saiu muito mais barato do que chamar um encanador. Embora eu viva em Nova York e não tenha um jardim, consegui cultivar alguns tomates na parte externa do apartamento, mais precisamente na escada de incêndio. Também costurei alguns cachecóis para pessoas queridas, e todos pareceram gostar. Tem uma dica no livro, em particular, que eu ainda me esforço para conseguir: dançar uma valsa (risos). Tenho dois pés esquerdos e, mesmo com muita prática, ainda piso no pé no parceiro. Mas tudo bem; Todos temos que começar alguma hora, né? Até mesmo sua avó teve que praticar um pouquinho.

No Brasil, ainda é raro ver jovens mulheres e homens que saibam se virar nas atividades domésticas, seja pela falta de hábito na casa dos pais ou pela facilidade de contratar serviços. Nos Estados Unidos, o cenário é o mesmo?
Conheci tanto mulheres quanto homens capazes, autônomos e autoconfiantes que me disseram: ;Pregar um botão? Jamais conseguiria fazer isso.; Acho que a ideia de pegar um agulha intimida àqueles que não sabem costurar. Mas veja meu caso: se eu, novata na costura, consegui aprender, qualquer um consegue. Além disso, isso leva dois minutos para aprender. Acho que tanto as brasileiras quanto as americanas são parecidas nesse aspecto e ainda acho que há uma série de razões que explicam a nossa falta de domínio em algumas atividades básicas passadas algumas gerações. Primeiro, fomos criados numa cultura de consumismo e conveniência. Pensamos: por que fazer por nós mesmos se podemos pagar outros para fazer? Segundo, acho que jovens mulheres e homens tendem a depender dos pais ou a se rebelar contra eles. Se nossas mães sabem fazer algo muito bem, como pregar um botão, nós esperamos que ela faça algo para a gente ou nos recusamos a aprender com ela para sermos diferentes dela. Seja qual for a razão, ela não leva a gente para um caminho de autosuficiência. Acredito que agora estamos nos dando conta disso.

Dá só uma olhada;
www.brincandodecasinha.com.br
www.acasaqueaminhavoqueria.com
www.panelinha.ig.com.br
www.asperipeciasdeeva.com.br
www.sefossenaminhacasa.blogspot.com

Agradecimentos
: Kaza Chique e Espaço Maria Tereza

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