Revista

Fora da faixa

Três pessoas no auge da experiência contam à Revista como o engajamento em atividades "reservadas" aos mais jovens revitalizou suas vidas

postado em 13/05/2011 10:49

Esportes radicais, o gosto por determinados estilos musicais, viagens mochileiras ou de intercâmbio ; existem atividades que são consideradas território exclusivo dos jovens. Ali, os ;maduros; não têm vez. Como explica a psicóloga Marianna Braga, esse limites tácitos são firmados por nossa cultura, que diz o é apropriado para cada faixa etária. ;Apesar de nada proibir uma pessoa mais velha de se engajar (a tais afazeres), não se espera que ela deixe a fase de tranquilidade em que se encontra para se arriscar.;

Dante em dois momentos: comemorando sua condição de calouro, no ano passado, e hoje,

Uma única coisa pode chacoalhar o veterano e levá-lo a comportamentos juvenis: o desejo genuíno. ;Qualquer um tem esse direito ; não há restrições para a convivência, a idade não influencia;, afirma a psicóloga. A iniciativa só não é saudável quando se torna uma obrigação. ;A sociedade impõe que a pessoa se mantenha jovem, de corpo e cabeça. Aí é um problema, pois a pessoa age para se esquivar de punições sociais, como o preconceito, e se esquece de sua própria vontade;, analisa.

Dante Bresolin, 65 anos, é um feliz exemplo da primeira situação. No ano passado, por puro prazer, ingressou na Universidade de Brasília (UnB), tornando-se o calouro com mais idade da instituição. ;Resolvi prestar vestibular para museologia porque é um assunto do qual gosto muito. Desde menino costumo guardar coisas que me são importantes. Por exemplo, até hoje tenho minhas bolinhas de gude e coleciono livros sobre Diamantina ; tenho certeza de que minha coleção é uma das maiores do Brasil;, conta.

Professor de odontologia na mesma UnB, Dante demonstrou garra para concretizar o seu sonho. Quando soube da abertura do curso, verificou que o ingresso teria de ser por vestibular convencional. Na época, sua filha também era vestibulanda e lhe passava material de estudo. ;Passei por um processo de aprendizado para fazer a prova e, depois de três tentativas, fui aprovado;, recorda. No dia do resultado, o professor e sua mulher saíram do Teatro de Arena, na UnB, cobertos de ovos e farinha ; e com um sorriso no rosto.

A convivência com os colegas de turma, muito mais novos, vem se mostrando excelente. ;Eu tinha receio de que tivessem algum tipo de preconceito contra mim, mas a experiência vem me mostrando exatamente o oposto;, conta. O professor frequenta as reuniões nas casas dos colegas para comer pizza, vai a aniversários em boates, troca e-mails e ajuda a tirar dúvidas dos que o procuram. ;De manhã cedo, enquanto estou esperando o início das aulas, os colegas chegam e me dão beijos na careca. Sinto-me muito bem tratado, com bastante carinho. Sou muito agradecido por me aceitarem tão bem.;

O diálogo com os professores também é diferenciado. ;Sou mais velho do que todos eles. Brinco que sou pai dos professores e avô dos colegas;, conta. Dante, que tem doutorado em sua área original, tenta dosar as expectativas com relação ao seu desempenho. ;Faço um esforço bastante grande para não decepcioná-los;, diz, modesto. Nesse processo, o apoio da família foi fundamental. ;Minha esposa me estimula bastante. Minhas filhas se orgulham de mim e, no entender delas, me tornei mais jovem por estar na faculdade;, reconhece.

Dinossauro nas alturas
Silva tornou-se referência em uma área dominada pela rapaziada apaixonada por adrenalinaO aposentado Sebastião Silva, 60 anos, é paraquedista. Silva, como é conhecido, já foi bombeiro e mergulhador profissional, tendo trabalhado com resgate. Também foi professor de matemática e física pela Fundação Educacional. Em um curso de salvamento em altura, conheceu a prática. ;Eu e um amigo decidimos treinar fora do curso. Nunca mais parei. Larguei a parte do mergulho, que nunca fiz por esporte, e me dediquei ao paraquedismo, a princípio como diversão;, conta. Hoje, Silva está em outro patamar: tornou-se um competidor de alta performance e é dono do Clube Brasília de Paraquedismo, o mais tradicional da cidade.

Desde aquele o primeiro voo, já se passaram 28 anos ; e 1706 saltos. ;Esses são só os registrados;, ressalta. Em 20 de abril último, Silva e outros 101 paraquedistas quebraram o recorde sulamericano de formação em queda livre. ;Somos o 5; país no mundo a fazer uma formação de 3 dígitos, e foi meu 9; recorde. Eu era o mais velho do grupo e meu filho, o mais novo;, revela. Nesse esporte, em que o número de jovens é muito maior do que o de pessoas acima dos 40 anos, Silva é referência para a nova geração. ;Eu conheço e eles me conhecem. Quando não estou saltando, estou julgando, então tenho que estar no meio deles. Se você for um cara muito sério, não vai conseguir conviver, porque eles gostam muito de brincar.

Eles me chamam de ;dinossauro do paraquedismo;. Mas é todo mundo amigo e se trata com respeito;, confessa.
Silva já não sente a adrenalina típica do salto de alturas elevadas. ;Eu tenho consciência do salto, sei exatamente o que vai acontecer;, afirma. Segundo o aposentado, a sensação de prazer está em realizar o que foi proposto. ;Quando saltamos para o recorde e o recorde acontece, é uma emoção que não tem tamanho. Não é uma brincadeira, mas, ao mesmo tempo é muito divertido;, conta. Para ele, outra grande alegria é saltar com o filho. ;Tive o prazer de formá-lo, e hoje ele é um grande paraquedista;, diz, orgulhoso.

O incansável Silva ainda pratica natação e corrida. Mas a paixão está mesmo no ar. ;Não fico muito tempo sem saltar, senão fico estressado, agoniado. Depois de um salto, passo a semana tranquilo;, ressalta. O aposentado embarca no avião nos finais de semana ou, quando cheio de compromissos, uma vez por mês. E, apesar de o paraquedismo ser uma modalidade exaustiva, que submete o praticante a grande variação de pressão e esforço intenso, Silva não pretende parar tão cedo. ;Vou até onde aguentar ; e acho que vou aguentar muito. Tenho uma vida saudável e acredito que devo saltar até os 100 anos;, brinca.

Pé na estrada
Sandra encarou ir para a Austrália na companhia de um grupo de jovens: experiência inesquecívelA professora de inglês e economista Sandra Salmen, 47 anos, é proprietária de uma escola de línguas e funcionária do Banco do Brasil. Hoje, também se define como ;intercambista;. ;Desde criança queria estudar inglês e viajar para o exterior, num tempo em que não havia internet nem TV por assinatura e ainda vivíamos sob um regime militar, com muita censura. Acho que já nasci globalizada;, brinca. A primeira experiência no exterior foi aos 16 anos. Durante seis meses, Sandra cursou o 3; ano do ensino médio na Califórnia, e ficou na casa de uma família. ;Era meu sonho na época;, lembra. ;Até hoje, 30 anos depois, me correspondo com eles.;

O segundo intercâmbio foi em 2008, na Austrália. ;Fui como líder de um intercâmbio para jovens profissionais. Foram 35 dias inesquecíveis;, conta. Durante a viagem, o grupo cumpriu uma série de eventos culturais e de lazer, apresentações do Brasil em clubes Rotary e visitas vocacionais, nas quais cada participante visitava instituições relacionadas com sua profissão. ;Visitei dois bancos de grande porte, o Commonwealth Bank e o National Australia Bank, um banco cooperativo pequeno e uma corretora de valores;, conta. Durante a viagem, a economista ficou hospedada nas casas de várias famílias, pois o grupo viajou por várias cidades. ;Mas a primeira casa foi a que marcou mais. No dia da minha partida, eles saíram da cidade deles e foram até o aeroporto de Sidney para se despedir. Lindos!”

No ano passado, Sandra viajou para os Estados Unidos para um curso intensivo. ;Precisava aperfeiçoar meu inglês e escolhi Nova York, que eu ainda não conhecia. Vivi intensamente aquela cidade. Na minha sala de aula, havia jovens da idade dos meus filhos e eles ficavam surpresos quando eu contava isto;, lembra. A economista diz que gosta de viajar e fazer intercâmbios pois é uma oportunidade de conhecer novas pessoas. ;O melhor são os amigos e a afetividade que se desenvolve com pessoas que nos acolhem com cuidado e muito carinho. Você fica pensando que nunca os conheceria se não fosse o intercâmbio. O contato com outras culturas também é fascinante e o aprendizado é bem maior quando você convive com famílias nativas;, afirma.

Sandra garante que o convívio com os jovens é ótimo. ;Meu relacionamento com o grupo que foi para a Austrália foi maravilhoso. Eles me chamam carinhosamente de ;chefa; até hoje. Na volta, paramos no Chile e ficamos lá três dias, em Santiago. Em Nova Iorque, não foi diferente. Fiz muitas amizades e até fui para Washington com algumas colegas de turma. Como convivo muito bem com os meus filhos, fica fácil;, conta. Eles, por sinal, seguem os passos da mãe: ficaram um ano for a e concluíram o ensino médio no exterior. ;Essa era uma meta que eu tinha para eles;, revela Sandra.

Agradecimentos: Central do Intercâmbio, Federação dos Paraquedistas do Distrito Federal, Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação