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Quem tem medo do volante?

As mulheres tendem a ser mais inseguras na hora de tirar a carteira de motorista. Nada que uma dose de paciência não resolva

postado em 27/05/2011 14:27

Engarrafamentos, buzinas, xingamentos, balizas , estacionamentos lotados e garagens apertadas. Não é difícil entender por que algumas pessoas começam a suar frio só de entrar em um carro. O medo de dirigir é um dado real, que chama a atenção inclusive do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF). O órgão está preparando uma pesquisa sobre o assunto. Embora os dados ainda não estejam disponíveis, os técnicos avisam: 9 entre 10 vítimas dessa fobia são mulheres.

Mariselma precisou de aulas personalizadas para superar a insegurança"A maioria dessas mulheres declara que não passou por um acidente ou experiência traumática no trânsito. Normalmente, o que elas temem são as críticas. É o medo de fazer alguma coisa errada, de deixar o carro morrer e atrapalhar o fluxo", observa Janaína Ribas, proprietária de uma autoescola. Atenta a essa demanda, ela criou o curso "Mulher entende mulher", cujo diferencial é a paciência.

A empresária tem até uma teoria a respeito: a culpa é dos homens. "Antigamente, eles não deixavam que as mulheres assumissem o papel de motorista para não perder status. E isso ainda é uma realidade", especula. Fato é que o preconceito ainda é latente e, vez ou outra, vem à tona na forma de chavões do tipo "mulher no volante, perigo constante". Acontece que os números não corroboram essa percepção. Por exemplo, dos acidentes com morte registrados em 2009, 88,5% tinham homens como condutores.

De qualquer forma, o estrago na autoestima feminina está feito. "Já tive alunas que entravam no carro e desabafavam, começavam a chorar. As reclamações são sempre as mesmas: é o marido que duvida da capacidade da mulher, essas coisas. A gente se torna uma psicóloga dentro do carro", conta a instrutora de direção Merirubia Amaral. Ela observa que o pior para as motoristas é ter de aguentar um homem como co-piloto. "Como ele não tem o controle do freio e da embreagem, começa a pressionar, a fazer críticas desnecessárias." O resultado é que muitas tiram a carteira, mas jamais a usam.

A servidora pública Maria José Leite, 49 anos, se encaixa nessa categoria. Ela tem a habilitação há 2 anos, e nunca dirigiu. "Não sei se é medo ou se não gosto mesmo. Sei que tenho medo do trânsito ; fico agoniada com muitos carros", conta. Para se locomover, Maria José depende do marido e do filho, ou consegue carona com amigos. Quando não encontra quem possa levá-la, apela para o táxi. "Já sou sócia do radiotáxi, todo mundo me conhece", revela.

Apesar de normalmente "se virar" para chegar a seus destinos, a servidora já teve de abrir mão de seus planos por falta de autonomia. "Há alguns dias, aconteceu a festa de aniversário de uma grande amiga, em Águas Lindas, e tive que faltar. Meu marido não ia querer me levar, e o táxi ficaria muito caro", lamenta. A servidora, porém, não se acomodou. "Vou contratar o instrutor que me ajudou a tirar a carteira ;ele é bastante paciente. Daí vamos rodar Brasília inteira, e, quando ele disser que estou pronta para dirigir, saio às ruas sozinha. Quando eu começar, não tem pra ninguém", empolga-se.

Já Mariselma Marques, 38, tentou tirar a carteira pela primeira vez em 2005. Sem sucesso. "Eu tinha muito medo de trânsito, era muito dependente do meu marido. Meu instrutor não tinha muita paciência, então larguei o processo", diz a microempresária, que sofre de fibriomialgia e teve de aprender a lidar com esse mal crônico também no volante. Dentro do carro, ela suava e sentia braços e pernas endurecidos. "Eu ficava desesperada com ônibus, tinha medo de subir no meio-fio, bater no poste, ou não dar conta de parar a tempo."

A servidora Maria José deixou a carteira na gaveta: praticamente uma sócia do radiotáxiNa primeira vez que dirigiu ao lado do esposo, discutiram, o marido gritou e Mariselma, nervosa, perdeu o controle do veículo e quase bateu. "Então procurei ajuda e acabei encontrando na minha instrutora uma amiga e confidente. Ela já entendia quando eu estava sentindo dor, e fazia uma aula personalizada. Por exemplo, quando tive que usar tala, fizemos pouca garagem, para fazer menos esforço", lembra. Quando recebeu a informação de que tinha passado no exame do Detran, Mariselma perdeu o fôlego de tanta alegria. "Nunca achei que conseguiria. Agora ofereço carona para quem quiser."

Mariselma é a primeira de suas cinco irmãs a tirar a carteira e, agora, serve de inspiração para a família. Uma de suas irmãs começou o processo para conseguir a habilitação, e outra decidiu aprender a guiar. "Já fui ao mercado, levei minha filha na escola e também a sogra para passear. Agora ela diz que dirijo melhor que meu marido, e que, desde que tirei a carteira, estou mais bela e confiante", conta. A microempresária ainda escuta algumas buzinadas ao errar no trânsito, mas superou o medo e leva tudo na esportiva. "Estão buzinando porque estou bonita", brinca.

Abordagem psicanalítica
A psicóloga Bruna Lunardi conta que o medo de dirigir pode ser mais sério do que se imagina. "Algumas pessoas têm receio até de chegar perto do automóvel, evitando pegar qualquer coisa dentro do veículo", conta. Segundo ela, cada problema psicológico tem sua causa individual, não há como generalizar. Mas algumas pesquisas confirma a maior incidência do problema em mulheres.

Aos fóbicos do volante, Bruna recomenda a boa e velha psicanálise. "Nesse tipo de terapia, investigamos as causas do medo, desde a infância, e como o problema pode ser abordado. Em grande parte dos casos, tem alguma coisa por trás do sentimento. Pode ser alguma ansiedade com outro assunto que foi canalizada para o ato de dirigir, mas que poderia ter ido para qualquer outra área", explica. A terapia não termina quando a causa do medo é identificada. A psicóloga esclarece que há uma etapa em que a pessoa aprende a controlar a ansiedade, para não correr o risco de canalizá-la para outro lugar da psique.

Detran oferece ajuda
Atualmente, o Detran proporciona um curso para quem tem medo de dirigir, mas as aulas não tem a pretensão de extinguir o temor ; a ideia é mais oferecer um alento. Trata-se de uma dinâmica de grupo dividida em 6 dias, totalizando 24h de atividades. "O curso explica que o medo não é uma coisa única. Várias pessoas vivem essa realidade e estão ali a fim de superá-la. As pessoas acabam motivando umas às outras e viram amigas", explica Marcelo Granja, diretor de educação de trânsito do Detran;DF.

Nas reuniões, uma psicóloga orienta os presentes a descobrir a origem do receio. Trabalha-se a conduta defensiva que todo motorista deveria ter, de modo a tranquilizar o condutor. São ensinadas também noções de primeiros socorros e de legislação de trânsito. O último dia de aula é realizado em um carro estático. "Lá o aluno pode passar as marchas, ligar e sentir o veículo, mas ele é suspenso e não sai do lugar. É ótimo para pessoas que têm trauma de algum acidente ou nunca entraram em um carro. Ali são explicadas as funções do painel, como se sentar corretamente, pequenas instruções que dão segurança ao condutor", esclarece Marcelo. No fim, cada aluno faz uma lista de metas a cumprir e volta 30 dias depois para contar sua experiência para o grupo. "Tem gente que vem dirigindo para essa última aula", comemora o diretor.

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