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A prisão do corpo humano

Um enorme contingente de pessoas sofre com a chamada constipação intestinal. O incômodo, no entanto, pode ganhar contornos mais graves. Evite as consequências

postado em 26/08/2011 11:30

Um enorme contingente de pessoas sofre com a chamada constipação intestinal. O incômodo, no entanto, pode ganhar contornos mais graves. Evite as consequênciasO distúrbio afeta 80% da população, independentemente de etnia, idade ou sexo. Ou seja: em cada grupo de 10 pessoas, oito enfrentam o problema. Mesmo assim, é um assunto tratado a portas fechadas ou em sussurros envergonhados ou irônicos. Geralmente, é motivo de piadas. O tabu tem nome e sobrenome: prisão de ventre. Entre os médicos, é mais conhecido como constipação intestinal.

Tanto faz um nome ou outro. O que define o incômodo não é apenas a quantidade ou a frequência, mas principalmente a qualidade do que é descartado pelo corpo humano. A enfermeira Aline Flor, por exemplo, quase diariamente comparece ao banheiro, mas com dores e muito esforço. Ela apresenta um caso clássico de prisão de ventre. Não só ela. No batalhão de prisioneiros, as mulheres formam o principal contigente. A estimativa médica é de que o dobro de mulheres sofra com o problema de constipação intestinal em relação aos homens.

A causa não é meramente cultural, em função do medo ou nojo de frequentar banheiros fora da casa. Há razões fisiológicas e orgânicas para explicar as razões da maioria feminina. ;A responsabilidade cabe aos hormônios femininos. A oscilação deles durante o período menstrual interfere na absorção de líquidos, provocando a prisão de ventre;, afirma o gastroenterologista Vinícius Machado, do Hospital Universitário de Brasília (HUB).

Apesar disso, 80% dos fatores que desencadeiam o distúrbio estão relacionados ao estilo de vida, como os hábitos alimentares. ;Apenas 20% dos casos têm ligação com outras doenças, como Chagas ou câncer do intestino grosso;, garante Mara Rita Salum, gastroenterologista e especialista em aparelho digestivo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Segundo ela, o problema geralmente afeta pessoas que consomem quantidade insuficiente de fibras e de água. O sedentarismo agrava ainda mais a situação. ;A atividade física ajuda nos movimentos musculares do intestino, o que ajuda na expulsão das fezes;, revela a médica.

Se você faz parte da maioria que sofre com prisão de ventre, a Revista do Correio traz um guia com dicas e sugestões de médicos de nutricionistas. Só não vale levar o exemplar para o banheiro. Este hábito, tão comum, segundo os médicos entrevistados prejudica a concentração e o relaxamento em um momento tão importante.

Coma bem, faça exercícios e; relaxe
Segundo a especialista em aparelho digestivo e gastroenterologista Mara Rita Salum, alimentos como frutas, legumes e verduras são fontes de fibras e micronutrientes. Além desses, os cereais integrais, como arroz integral, centeio, aveia, pão integral, farelo de trigo, sementes de linhaça, entre outros, também são ricos em fibras. ;Medidas, como o consumo adequado de água, dieta rica em fibras e a prática de atividade física, ajudam a regularizar o funcionamento intestinal;, ensina a médica.

Por não seguir essas regras básicas, como o consumo de água e fibras, a professora Andrea Mara enfrenta, há cerca de 20 anos, a constipação intestinal crônica, o que levou ao aparecimento de hemorroidas. Ela já experimentou de tudo, de laxantes, chá da erva Sene a receitas caseiras. ;Esses produtos só pioraram o meu quadro;, lamenta. Há períodos em que ela fica até seis dias sem ir ao banheiro e o alívio só vem com a lavagem caseira. Cansada do martírio, há quatro anos ela procurou a ajuda de um proctologista, passou a consumir mais frutas e verduras e a ingerir mais água. ;Melhorou um pouco;, reconhece Andrea. ;Mas o meu aparelho digestivo nunca voltará ao normal, como na adolescência;, acredita a professora.
O aparecimento de hemorroidas é apenas um dos altos preços pagos por quem convive com a constipação intestinal crônica. Quando chega a esse ponto, na maioria das vezes é cirúrgico. Para os que desejam mudar a trajetória, o caminho é adotar um novo estilo de vida, mudando a alimentação e praticando exercícios físicos. ;A terapia nem sempre inclui laxantes ou métodos de lavagem. Esses métodos só devem ser usados em último caso e com acompanhamento médico;, afirma Machado.

A médica Mara Rita Salum afirma que o relaxamento é um importante aliado nessa empreitada. ;Pessoas estressadas costumam contrair a musculatura pélvica e sofrem com crises de constipação. O relaxamento do assoalho pélvico contribui para a expulsão das fezes;, ensina a médica, que recomenda também exercícios fisioterápicos para liberar o aparelho digestivo.

O que é normal
O médico Ronaldo Cuenca, cirurgião do aparelho digestivo, explica que uma evacuação sadia deve ser diária, completa e de forma que sacie a vontade de evacuar. As fezes devem vir bem formadas, sólido-pastosas, marrom claro e com odor suave. E quem não consegue fazer todos os dias? O especialista tranquiliza os aflitos: é considerado normal até três evacuações por semana. Há, no entanto, uma advertência: deve ser levada em conta a característica das fezes. Se as evacuações são difíceis, insuficientes, com fezes ressecadas, a pessoa certamente sofre de prisão de ventre, constipação intestinal, intestino preso ou prequiçoso. Mesmo que vá ao banheiro todos os dias, como Aline.

Um enorme contingente de pessoas sofre com a chamada constipação intestinal. O incômodo, no entanto, pode ganhar contornos mais graves. Evite as consequências


Pais desesperados, filhos sofredores
Uma das queixas mais comuns nos consultórios dos pediatras, e que deixam os pais aflitos, é o caso de prisão de ventre das crianças. Eles não sabem o que fazer. A gastroenterologista infantil Daniela Salles acalma os papais e mamães. Segundo ela, o distúrbio varia segundo a idade da criança e geralmente está associado a uma alimentação pobre em fibras e em líquidos.
;A criança que come guloseimas diariamente, come poucas frutas e bebe pouca água e muito leite com achocolatado, tem maior chance de ficar constipada;, diz a médica do Hospital de Base do Distrito Federal. Ela aconselha para a criançada um bom café da manhã com cereais, fibras e vitamina de frutas, almoço e jantar em refeições com legumes e verduras. E beber bastante água.

Daniela Salles explica ainda que é normal um bebê ter prisão de ventre porque ele só começa a formar a prensa abdominal, que auxilia na evacuação, quando começam a sentar e a ficar em pé. O leite materno é a dieta ideal nesta fase. Outros tipos de alimentos só depois dos quatro meses.

Ela também ensina que é preciso ter paciência. O intestino preso pode ter um fundo emocional, como a retirada das fraldas ou a vigilância constante dos adultos quanto ela vai ao banheiro. ;Quando a criança é maior, por volta dos quatro, cinco anos, uma das causas é a falta de tempo. Ela não quer interromper as brincadeiras para ir ao banheiro e retém as fezes. Quando vão, sentem dor. Os pais devem estar atentos, mas sem pressionar;, recomenda Daniela. A especialista, porém, chama atenção para quando o problema é um sinal de doença. ;Os pais devem procurar ajuda médica quando a criança muda repentinamente o seu hábito intestinal, apresenta um quadro de dor e febre.;

Alívio pelas águas. Será?
Hidrocolonterapia. A palavra, de pronúncia complicada, significa a lavagem e limpeza dos intestinos. Não é uma lavagem simples, mas feita com equipamentos e sob a supervisão de um fisioterapeuta.

César Souto, pioneiro da técnica no Distrito Federal, explica que o fisioterapeuta usa um equipamento para irrigar com água pura o intestino grosso do paciente. Filtrada, aquecida até a temperatura do corpo e com pressão suave, a água promove estímulos motores no intestino grosso, provocando movimentos peristálticos, que vão ajudar a recobrar os reflexos da evacuação. Os resíduos impregnados nas paredes do intestino são, então, eliminados de forma higiênica e inodora pelo próprio aparelho. Souto diz que sessões de manutenção são indicadas quando a prisão de ventre é consequência de outra doença, como diabetes, Chagas, depressão e disfunções do aparelho digestivo.

O aposentado Francisco Joaquim de Souza Neto, 56 anos, precisou fazer 11 sessões para se livrar das crises de constipação intestinal. ;O meu distúrbio é funcional, pois enfrento o problema há mais de 20 anos, procurei médicos, fiz exames, mudei a alimentação. E nada;, conta ele. Depois da terapia, o intestino dele funciona com maior regularidade. Mas os médicos são contrários ao procedimento. ;Não há comprovação científica e o tratamento é perigoso, pois pode machucar as mucosas do aparelho digestivo;, alerta a gastoenterologista Mara Rita Salum.

Diagnósticos precisos
Para os casos crônicos, os médicos contam com um arsenal de exames para identificar as causas da constipação intestinal, entre elas possíveis anomalias do aparelho digestivo do paciente.

Colonoscopia
Um exame endoscópico que permite a visualização interna do cólon, a parte final do intestino grosso.
Estudo do tempo do trânsito cólico
Avalia quanto tempo o alimento demora para ser digerido e descartado pelo organismo do paciente. É um raios-X, como o uso de marcadores de contraste para mostrar o percurso do bolo fecal. Detecta casos de intestino preguiçoso.
Videodefectografia
Teste de imagem da fisiologia do cólon e reto. O paciente bebe um contraste pastoso. Em seguida, sob orientação médica, realiza contrações do assoalho pélvico, simulando a evacuação. O resultado pode determinar se a pessoa sofre de bloqueio na parte final do cólon e reto ou tem apenas uma prisão de ventre de causa funcional.
Manometria anorretal
É um estudo da musculatura do reto e ânus. Um fino cateter é posicionado no ânus e o paciente deve contrair a musculatura da região. Indicado para pessoas com doença de Chagas e crianças com crescimento anormal do cólon.

Fonte: gastroenterologista e cirurgiã do aparelho digestivo da Universidade Federal de São Paulo

Para o bem e para o mal
Um enorme contingente de pessoas sofre com a chamada constipação intestinal. O incômodo, no entanto, pode ganhar contornos mais graves. Evite as consequênciasFibras, fibras, fibras! Este é o principal conselho ouvido por quem enfrenta surtos de constipação intestinal. A nutricionista Joana Lucky afirma que elas podem ser encontradas em frutas, verduras e grãos integrais. Segundo ela, as fibras não são digeridas em nosso organismo e podem ser divididas em dois grupos: solúveis e insolúveis. As do primeiro grupo formam uma espécie de gel no intestino e as do segundo passam intactas. O efeito delas é aumentar o volume das fezes e reter líquido nas mesmas, fazendo com que elas fiquem mais pastosas e fáceis de eliminar. ;A quantidade recomendada para ingestão diária é de 25-30g/dia;, diz a especialista.

A comerciária Aline dos Anjos, 25 anos, quando segue esse tipo de orientação, consegue melhorar o funcionamento do seu intestino. ;Nem sempre tenho tempo e geralmente como na rua;, conta a também a estudante de direito. A rotina de ir poucas vezes durante a semana ao banheiro a acompanha desde a infância e só se agrava com o passar dos anos. ;Depois que tive a minha filha, há cinco anos, os surtos se tornaram mais frequentes;, afirma. Depois de três ou quatro dias sem ir ao banheiro, quando a barriga está inchada e está com dores abdominais, à noite em casa ela chega a ficar de duas a três horas sentada no vaso até conseguir. ;Acho que vou aproveitar este tempo para estudar tratados jurídicos;, brinca. Quando a situação se torna realmente crítica, sem evacuar há uma semana, ela apela para as frutas ricas em fibra, como mamão, ameixa, pêra. ;Aí o meu intestino funciona;, revela, aliviada.

As fibras são as heroínas, mas também podem se transformar em bandidas. A nutricionista Giovanna Graziani explica que elas necessitam de um companheiro para atuar ; os líquidos. E aconselha que, para combater a prisão de ventre, o recomendável é consumir pelo menos dois litros de água por dia. ;Nessa conta, não entram refrigerantes nem bebidas alcoólicas;, afirma. Por que a água é tão importante nessa batalha? Elas ajudam na absorção das fibras pelo aparelho digestivo, hidratam as fezes e facilitam a sua eliminação pelo organismo.

Na quantidade certa
Concentração de fibra alimentar por 100g do alimento
Alface crespa 1,2
Arroz branco 0,3
Arroz integral 1,8
Banana 2,6
Cenoura crua 2,8
Ervilha 2,8
Farelo de aveia 15,4
Farelo de arroz 49,69
Farelo de trigo 42,80
Feijão 6,4
Goiaba 5,4
Laranja 2,4
Maçã com casca 2,4
Maçã sem casca 1,3
Macarrão integral 2,8
Macarrão comum (ovos) 1,1
Manga 1,8
Tomate 1,2
Repolho 2,3
Rúcula 1,6
Semente de linhaça 33,5

FONTE: Tabela de Composição Química dos Alimentos da UNIFESP e Tabela Brasileira de Composição dos Alimentos ; TACO.

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