Revista

O ano em que elas comandaram o mundo

Em 2011, as mulheres tiveram um papel fundamental ao tomarem decisões que mudaram o rumo da história no Brasil e no mundo. Alcançaram o poder, mas também mostraram que ainda têm muito a conquistar

postado em 01/01/2012 06:00
Em 2011, as mulheres tiveram um papel fundamental ao tomarem decisões que mudaram o rumo da história no Brasil e no mundo. Alcançaram o poder, mas também mostraram que ainda têm muito a conquistarEm 19 de março de 2011, o mundo vivia um dilema: invadir ou não a Líbia. A população do país se manifestava contra o presidente Muammar Kadafi. Há 20 anos no poder, ele era acusado de corrupção, torturas e anos de abuso político. O governo estava ameaçado desde as manifestações na primavera árabe, mas a situação piorou quando Kadafi fez, dias antes, ameaças de genocídio, chamando os manifestantes de ratos. O assunto vinha sendo discutido na ONU depois que a Liga Árabe pediu intervenção. Mas a decisão do ataque estava na mão de três mulheres: a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, a embaixadora Susan Rice, representante permanente dos EUA nas Nações Unidas, e a assessora especial da Presidência, Samantha Power. Elas formavam a comitiva dos Estados Unidos ; Barack Obama estava em visita oficial ao Brasil.

Coube ao trio convencer os membros do conselho de segurança a ajudar os manifestantes da Líbia. E ainda deixar claro que era o primeiro-ministro inglês, David Cameron, e o presidente francês, Nicolas Sarkozy, quem comandavam a ação. Os Estados Unidos deveriam ser apenas um aliado. As três haviam criado uma nova ordem mundial: uma possível guerra estava prestes a estourar no Oriente Médio e ;; teoricamente ; não era comandada pelos norte-americanos. A decisão também marcou por outra razão: um grupo composto exclusivamente por mulheres teve um papel decisivo no comando de uma invasão militar. Mulheres comandando uma guerra era, até então, um fato inimaginável na história contemporânea.

Será que, finalmente, o mundo está mudando sob o comando das mulheres? Essa é uma pergunta que durante décadas as feministas desejaram fazer e só agora se começa a tentar responder. ;Não existem estudos que comprovem a diferença na maneira entre os sexos na hora de comandar. Isso ainda está inteiramente ligado a personalidade de cada líder;, acredita a antropóloga e professora do Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Miriam Goldenberg. Apesar da pouca representatividade feminina na política e da falta de comprovação científica sobre a forma de comandar, há, porém, diferenças sutis quando elas estão envolvidas em decisões.

Um estudo realizado pela ONU Mulheres em 130 países descobriu, por exemplo, que os parlamentos com maior representação feminina são inclinados a ratificar tratados internacionais sobre o meio ambiente. Os ministérios do Meio Ambiente, aliás, são os mais populares entre as mulheres: 6% desses órgãos no mundo são comandados por elas. No universo corporativo, essa mudança se volta para o tratamento com os funcionários. ;As mulheres no comando humanizam a relação entre o empregado e a empresa. Isso não significa que os homens não lidam com isso, mas elas se preocupam mais com essa interação. Muitas vezes, isso é visto nos resultados da empresa;, analisa Sônia Regina Heiss, presidente do Grupo de Mulheres Líderes Empresariais (LideM).

É preciso considerar, no entanto, que a amostra de mulheres que já comandaram alguma nação é insuficiente para coletar dados concretos. Dos 193 países reconhecidos pela Organização das Nações Unidas, apenas 20 já foram chefiados por mulheres. No Brasil, apesar das cotas obrigatórias aos partidos de 30% de participação feminina nas eleições, o percentual de parlamentares mulheres não ultrapassou os 10% desde a última legislatura ; a média mundial é de 19%. No mundo corporativo, esse índice é ainda menor: apenas 5% das empresas brasileiras são chefiadas por mulheres.

Mas não há como negar que 2011 foi um grande avanço para a causa feminista. ;Esse foi um passo importante para um grande processo de mudança;, afirmou Michele Bachelet, diretora executiva da ONU Mulher e ex-presidente do Chile, em discurso recente no Brasil. A primeira mulher presidente do Brasil foi eleita; tivemos o Fundo Monetário Internacional (FMI) pela primeira vez comandado por uma mulher, Christine Lagarde; Cristina Kirchner foi reeleita na Argentina; Angela Merkel cobrou resultados dos presidentes da União Europeia; um trio feminino teve papel fundamental nos protestos da primavera árabe e três mulheres ganharam o Prêmio Nobel da Paz . Como disse a presidente Dilma Rousseff na abertura da Assembleia Geral da ONU: ;Tenho certeza, senhoras e senhores, de que este será o século das mulheres;.

A evolução feminina
A chegada delas ao poder é consequência de mudanças sociais progressivas ao longo das décadas. Considerando que a mulher só entrou com força no mercado de trabalho brasileiro na década de 1970, o número de líderes, apesar de ainda ser pequeno, já é significativo. Nunca teve tanta mulher participando da vida política e econômica do Brasil e do mundo. ;A evolução é lenta. É preciso mais transformações sociais para que as mulheres conquistem a vida pública;, analisa Natália Mori, integrante do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea). No comando dos países, estão as filhas da revolução feminista. Nas ruas, as meninas crescem em uma sociedade em que a questão da desigualdade de gênero é exaustivamente debatida. Mas por que as mulheres ainda não conseguiram conquistar um espaço maior?

Não é uma questão de preparo. As mulheres representam 55% dos alunos matriculados no ensino superior e 60% dos que conseguem concluir o curso. A principal razão é o modelo patriarcal de sociedade em que vivemos. O problema é antigo, mas até hoje elas ainda são responsáveis pelas tarefas domésticas e pelos cuidados dos filhos. As mulheres dedicam 27 horas semanais ao trabalho doméstico, enquanto os homens usam apenas 10,5 horas por semana com essas tarefas, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), de 2009, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Isso é uma barreira para muitas.

;A maioria dos líderes comunitários, por exemplo, são mulheres. Mas dentro dos partidos elas dificilmente conseguem somar os 30% das cotas;, considera Natália Mori. O fato é que as mulheres não acompanham mais ativamente a vida política porque não conseguem ficar tanto tempo fora de casa. ;Essa realidade só vai mudar quando a rotina de casa for dividida entre marido e mulher, em conjunto com a construção de mais creches;, conclui Natália. Durante a 3; Conferência Nacional de Políticas para Mulheres, realizada em Brasília no mês passado, a presidente Dilma Rousseff anunciou que seu governo construiu 1.500 creches este ano e que, até 2014, serão mais 6 mil.

Além disso, a própria maneira como a política é feita afasta as pessoas. Ainda mais considerando que os homens brancos de classe alta são maioria no poder. As mulheres no Brasil representam mais da metade do eleitorado e não ocupam nem 10% das vagas do Congresso Nacional . ;Uma casa que deve representar o povo, na verdade representa 10% da população. Esse padrão é histórico, quebrar esse ciclo vicioso não é fácil. Essa divisão de poder vai demorar para acontecer;, avalia Natália. A barreira foi de certa forma quebrada ao se criar as cotas para mulheres dentro dos partidos políticos, mas ainda são os homens que dificultam a vida delas ; eles decidem as verbas de campanha e acabam abocanhando uma porcentagem maior. Só com mais representações femininas no poder, que lutam pelo direito das mulheres, é que a história da condição da mulher da vai mudar. ;Em minha trajetória como ministra e ex-presidente percebi que políticas neutras não chegam às mulheres. É preciso fazer leis só para elas;, discursou Michelle Bachelet na 3; Conferência Nacional de Políticas para Mulheres.

A pioneira
Em 2011, as mulheres tiveram um papel fundamental ao tomarem decisões que mudaram o rumo da história no Brasil e no mundo. Alcançaram o poder, mas também mostraram que ainda têm muito a conquistarO ano era 1979 quando Margaret Thatcher assumiu o posto de primeira-ministra do Reino Unido. Na época, não dava para imaginar que uma mulher chegasse a cargo tão alto na política ocidental. Tanto é que, durante os 11 anos em que ficou no poder, ela era a única mulher nas principais reuniões de cúpula do seu país, da Europa e do mundo. A inédita trajetória de Thatcher virou filme. Dama de Ferro chega às telas no Brasil em fevereiro de 2012. Coube a Meryl Streep representá-la ; sua atuação já rendeu a indicação ao Globo de Ouro como melhor atriz dramática e seu nome deverá figurar na lista dos concorrentes ao Oscar.

A Dama de Ferro virou referência na maneira como as líderes contemporâneas lidam com os desafios da vida pública ; tanto em manejos políticos quanto de comportamento e de moda. A única diferença é que as mulheres nos gabinetes hoje em dia têm mais preocupação em incluir outras mulheres em cargos públicos. Em entrevista em 1982, Margaret Thatcher justificou tal decisão: ;Eu não devo nada à causa das mulheres;. Ela teve apenas uma ministra, que ficou pouco tempo no posto.

Mas, assim como as líderes modernas, Thatcher também foi criticada pela maneira como se vestia. Para concorrer ao cargo de primeira-ministra, teve que passar por uma transformação, comandada pelo produtor de TV Gordon Reece. Ele mudou o guarda-roupa da líder, a obrigou a parar de usar chapéus e trabalhou o seu tom de voz para ficar menos agudo. Além disso, Thatcher alinhou o discurso para agradar as donas de casa inglesas, dizendo que quem sabia comandar o lar sabia comandar o país.

No quesito moda, sua marca-registrada foram as bolsas que desfilava pelo mundo. Elas eram quadradas, caras, geralmente da grife Ferragamo, e ficavam penduradas no braço. Em um evento de caridade em 2000, ela vendeu um exemplar por US$ 150 mil.

As poderosas de 2011
Angela Merkel

Em 2011, as mulheres tiveram um papel fundamental ao tomarem decisões que mudaram o rumo da história no Brasil e no mundo. Alcançaram o poder, mas também mostraram que ainda têm muito a conquistar A crise mundial este ano foi uma das piores da história e pegou de jeito os países da União Europeia. A economia portuguesa, italiana, irlandesa, espanhola e grega entraram em forte declínio. O desemprego bateu recordes, os países têm recebido selos de maus pagadores e protestos surgem a todo momento. O único país que se safou foi a Alemanha. Os alemães são os maiores credores da Europa e o única esperança de empréstimo dos países vizinhos. A situação deu aos alemães o status de liderança. Coube a eles decidir quais comportamentos financeiros eram aceitáveis e quais não eram. E começou a discussão interna: devemos salvar ou não os países cheios de problema? À frente de todas essas difíceis decisões está a presidente Angela Merkel. A população da Alemanha está relutante em ajudar os vizinhos. Afinal, quando eles aceitaram a troca de moeda para o euro, a condição era que o dinheiro do país nunca seria usado para salvar outros. Merkel tem apoiado a opinião de seu povo e cobrado mudanças estruturais do bloco europeu.

Christine Lagarde

Em 2011, as mulheres tiveram um papel fundamental ao tomarem decisões que mudaram o rumo da história no Brasil e no mundo. Alcançaram o poder, mas também mostraram que ainda têm muito a conquistarDesde 2007, o francês Dominique Strauss-Kahn era diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI). Ele estava cotado, inclusive, para participar das eleições na França e substituir Nicolas Sarkozy na Presidência. Até que, em maio deste ano, foi preso em Nova York acusado de estuprar a camareira do hotel em que estava hospedado. O assunto foi escândalo em todo mundo, Strauss-Kahn perdeu o emprego e foi substituído pela advogada Christine Lagarde. Na época, ela era ministra da Fazenda da França. Lagarde foi a primeira mulher a presidir o FMI e agora está cotada para ser uma forte candidata à eleição na França. Foi também a única das líderes mundiais considerada pela Vanity Fair como uma das mais estilosas do mundo.

Oprah Winfrey

Em 2011, as mulheres tiveram um papel fundamental ao tomarem decisões que mudaram o rumo da história no Brasil e no mundo. Alcançaram o poder, mas também mostraram que ainda têm muito a conquistarPor 25 anos a apresentadora norte-americana comandou um programa de entrevistas e reportagens que lhe rendeu, inúmeras vezes, o título de personalidade mais influente dos Estados Unidos. Ela fez as entrevistas que jornalistas de todo o mundo mais desejavam, mobilizou milhares de pessoas e empresas a fazerem doações para projetos sociais que apoia e teve até um papel decisivo na eleição do presidente Barack Obama. Em maio deste ano, no auge da carreira e com um salário invejável, Oprah jogou tudo para o alto. Saiu do canal que há anos transmitia o seu programa e abriu uma empresa de comunicação totalmente nova. O canal OWN estreou há poucos meses e tem se especializado em fazer programas voltados para as mulheres. São documentários, reality shows e programas de auditório que discutem o bem-estar feminino.

A Primavera Árabe

Em 2011, as mulheres tiveram um papel fundamental ao tomarem decisões que mudaram o rumo da história no Brasil e no mundo. Alcançaram o poder, mas também mostraram que ainda têm muito a conquistarA Primavera Árabe surgiu como um movimento popular para acabar com as ditaduras no Oriente Médio e no norte da África. Líbios, egípcios e tunísios foram às ruas protestar contra governos que estavam no poder há décadas. Além de mudar a ordem política da região, o movimento trouxe uma série de mudanças sociais a esses países. Uma das principais foi a participação das mulheres nos protestos. Há tempos, a importância delas no movimento seria inimaginável, já que as crenças muçulmanas ainda são muito restritivas ao envolvimento feminino na vida política e econômica. Os exércitos não perdoaram a participação delas e foram especialmente duros ao reeprendê-las. Tiveram registros de estupros, violência e prisões.

Nobel da Paz

Em 2011, as mulheres tiveram um papel fundamental ao tomarem decisões que mudaram o rumo da história no Brasil e no mundo. Alcançaram o poder, mas também mostraram que ainda têm muito a conquistarEste ano, o prêmio Nobel da Paz foi entregue a três mulheres que desempenharam papéis essenciais no processo de negociação de paz em países em situação de conflito. Leymah Gbowee, ativista da Libéria; Ellen Johnson Sirleaf, presidente da Libéria; e Tawakkol Karman, jornalista e ativista do Iêmen, trabalharam arduamente para a conquista e a ampliação de espaços de atuação política em ambientes hostis. Elas dividiram o prêmio de 2011, pois tinham uma causa comum: a emancipação de mulheres e meninas em seus respectivos países árabes. Elas lutam para dar perspectivas para as mulheres que são recriminadas dentro dos próprios países. A instituição foi criticada pelo fato de dividir o prêmio entre as três em vez de dar para apenas uma, como normalmente ocorre.

Primeiro ano de Dilma

Em 2011, as mulheres tiveram um papel fundamental ao tomarem decisões que mudaram o rumo da história no Brasil e no mundo. Alcançaram o poder, mas também mostraram que ainda têm muito a conquistarHoje faz 365 dias que Dilma Roussef tomou posse, em uma cerimônia histórica, como a primeira mulher presidente do Brasil. Foi um ano de duras decisões. Ela teve batalhas importantes dentro do próprio governo, perdeu sete ministros por conta de acusações de corrupção. Também teve que administrar a crise econômica mundial para que a recessão não chegasse pesada ao Brasil. Em visitas ao exterior, cobrou dos governantes de países desenvolvidos e instituições internacionais maior participação das nações em desenvolvimento em decisões importantes ; como o gerenciamento de crises econômicas. Nesse meio tempo, colocou um número recorde de 10 mulheres comandando ministérios. Foi a primeira mulher a fazer o discurso de abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). Mas, ao mesmo tempo, foi criticada pelo movimento feminista por fazer pouco para a causa da mulher. Fato é que Dilma terminou o primeiro ano de mandato com 72% de aprovação individual em pesquisa realizada pela CNI/Ibope.

A empresária
Em 2011, as mulheres tiveram um papel fundamental ao tomarem decisões que mudaram o rumo da história no Brasil e no mundo. Alcançaram o poder, mas também mostraram que ainda têm muito a conquistarDanielle Fonteles viveu a realidade que qualquer menina de classe média. Ela é da geração de mulheres que teve o privilégio de crescer sabendo que estudar e trabalhar é uma obrigação da vida, não uma opção para poucas. Depois de se formar na faculdade, seguiu o curso natural e partiu em busca de um emprego. Mas, em vez de ir para uma empresa privada ou tentar um concurso público, Danielle optou por empreender. Durante quatro anos, foi sócia de uma empresa de mídia digital ; que fez a campanha do segundo mandato de Lula, em 2006. Em 2007, resolveu abrir um negócio próprio: a Pepper Interativa.

A empresa faz marketing na internet, desenvolve sites e é responsável por mantê-los. Cuida de mídias sociais, planeja distribuição e cria banners para mídias digitais, entre outra ações. Da sociedade antiga, Danielle levou apenas uma conta, mas, em pouco tempo, conquistou trabalhos importantes. O mais significativo foi a campanha da presidente Dilma Rousseff. Na área internacional, fez a campanha do presidente de El Salvador. É ela também quem representa a empresa que fez a mídia digital da campanha do Barack Obama nos Estados Unidos. Tantos trabalhos criou uma demanda em São Paulo e a levou a abrir uma filial por lá em 2010.

Com as contas conquistadas, Danielle conseguiu entrar na cúpula de dois universos tradicionalmente comandados por homens: a política e a publicidade. Mas, garante, nunca percebeu qualquer preconceito dentro do mercado de trabalho por ser mulher. ;Não vejo mais esses dois universos exclusivamente como masculino;, analisa. Paradoxalmente, porém, ainda é, muitas vezes, a única mulher em reuniões com clientes importantes. Assim como há poucas colegas mulheres que são presidentes de empresas de publicidade como ela. ;O número é pequeno, mas percebo que dentro das agências as mulheres são maioria. Ainda estamos chegando lá.;

Dentro da empresa que comanda, por exemplo, tem mais funcionárias. A proporção chega a ser 60% para elas contra 40% para eles. Por serem maioria, consequentemente são elas que ganham os salários mais altos. ;Isso não é uma questão de preferir contratar mais mulheres do que homens, eu contrato por competência. Por acaso, tenho encontrado mais mulheres no mercado;, defende. Nas reuniões das campanhas políticas, percebeu uma grande mudança no mandato de Dilma em comparação com a campanha de Lula. ;Acho que as mulheres gostam de ter mulheres por perto. Isso é natural. Não é uma questão de competência. Está ligado ao indivíduo e não ao sexo;, argumenta.

Tantas conquistas só foram conseguidas com muito trabalho. Danielle fica no escritório cerca de 10 horas por dia, está 24 horas conectada e viaja pelo menos uma vez por semana. A rotina do trabalho acaba comprometendo ; em sua visão ; o seu papel dentro de casa. Ela é mãe de três filhos. ;O problema da mulher que trabalha muito é a culpa. Estou sempre achando que não faço o suficiente.; Há dilemas da vida moderna que nunca mudam

A líder comunitária
Em 2011, as mulheres tiveram um papel fundamental ao tomarem decisões que mudaram o rumo da história no Brasil e no mundo. Alcançaram o poder, mas também mostraram que ainda têm muito a conquistarSandra Tomé nasceu em um lar em confronto. O pai bebia muito e batia na mãe quase todos os dias. Dos seis irmãos, ela foi a única que teve coragem de enfrentar o patriarca. Por isso, muitas vezes sobrava também para ela. Para fugir das brigas e da violência dentro de casa, chegou a morar na rua. ;A minha história é a mesma de dezenas de mulheres e crianças ao redor do Brasil. Só quem viveu isso sabe como pode ser traumatizante para cada membro da família;, conta.

Já adulta, começou a se envolver em projetos sociais para que outras crianças não crescessem no mesmo ambiente prejudicial que o dela. Mas foi só em 2009, quando descobriu um curso para promotoras legais populares na Universidade de Brasília (UnB), que ela entendeu a sua vocação. As aulas, que duram um ano, ensinam leigos sobre os direitos das mulheres e a sua aplicação ; quais delegacias procurar, como entrar em contatos com defensores público, que tipo de atitudes podem qualificar como abuso. Assim, mulheres de comunidades carentes são capazes de orientar vizinhas e amigas que sofrem violência física, moral ou psicológica.

Sandra fez o curso. Quando se formou, percebeu que as pessoas que se graduaram com ela não conseguiam aplicar o que aprenderam. Em março deste ano, decidiu criar a Associação de Mulheres Promotoras Legais Populares do Distrito Federal. Dentro da entidade, iniciou o projeto Casa Verde Esperança da Mulher (CVEM). A ideia é reunir as pessoas que acabaram o curso, incentivar líderes comunitárias a fazerem as aulas e, assim, ensinar as mulheres de comunidades carentes que sofrem violência a conhecerem os seus direitos. Com isso, Sandra conseguiu criar três núcleos de trabalho no DF: dois em Ceilândia e um em Samambaia.

Cada núcleo tem uma promotora legal popular que orienta cerca de 30 mulheres. Normalmente, elas são vizinhas ou convivem na comunidade. As promotoras abrem suas casas semanalmente para que elas formem grupos de discussão. Vira um espaço em que todas compartilham suas experiências de violência. É nesse momento que as promotoras orientam as vítimas. ;A ideia não é incentivá-las a se separar dos maridos. Queremos orientá-las para que elas entendam que existem outras perspectivas de vida.;

Para tanto, é preciso elevar a autoestima dessas mulheres, conquistada com emprego e estudo. ;Quando elas começam a pagar pela comida que dão para os filhos, sentem que a posição delas na sociedade muda;, explica Sandra. O problema é que essa transformação modifica a estrutura familiar. Elas precisam mudar a rotina doméstica. Ou seja: arrumar creche para deixar os filhos e convencer os maridos a participar nas tarefas de casa. Na maioria das vezes, essas barreiras impedem que muitas saiam para trabalhar e estudar.

Por isso, o marido é o próximo passo do projeto. Nesses nove meses de programa, Sandra e as promotoras perceberam que os homens dessas comunidades ainda não entenderam o papel do pai na equação da família. A ideia é ensinar para os filhos, na escola, como o pai deve agir dentro de casa. E o filho dizer ao pai qual é o comportamento aceitável. ;Quando eu era criança, tudo o que queria era que alguém entrasse na minha casa e falasse para o meu pai que aquela violência era inaceitável.; Sandra está na torcida para que essa cartilha consiga ser implementada nas escolas do Distrito Federal.

Dificuldades a serem vencidas
Existem duas linhas de discussão sobre a imagem criada pela mídia ao relatar a chegada das mulheres ao poder. A primeira é incentivar meninas a aspirarem a galgarem à liderança. Mas uma forte corrente acredita que a maneira machista como a mídia trata as mulheres só tende a desanimar as jovens a buscarem posições de comando. Essa é a linha que segue o documentário Miss Representation ; lançado no Festival de Sundance em 2011 e dirigido por Jennifer Siebel Newsom. Ela entrevistou mulheres influente como Condoleezza Rice, Nancy Pelosi e Geena Davis.

A conclusão foi que o fato de as mulheres aparecerem em propagandas, filmes e programas de televisão mais como objetos de desejo do que como membros influentes da sociedade cria uma falsa ilusão nas mulheres ; além de depreciar a posição feminina dentro da sociedade na visão tanto de homens quanto de mulheres. ;As mulheres no poder são o tempo todo criticadas sobre como se vestem ou como está o cabelo. Pouco se discute sobre quais foram as medidas que ela fez enquanto estava naquela posição;, argumenta a diretora durante a narração do filme.

Ela acredita até que os reality shows são a principal fonte de distorção do real ao representar mulheres. ;Os programas juram retratar a realidade, mas eles só mostram mulheres loucas, de biquíni e brigando com outras mulheres;, analisa uma das entrevistadas. O filme sugere que esse tipo de representação terminou por fazer com que mulheres jovens, criadas assistindo esse estilo de programa sejam obcecadas em estarem bonitas e, consequentemente, fujam de cargos de liderança.
Para Newson, a única solução é criar uma geração de novas mulheres com uma visão mais crítica em relação a como a mídia as representa. ;Incentivar as meninas a fazer filmes e escrever histórias sobre mulheres fortes;, sugere no fim do documentário. Assim, as representações femininas vão se tornando menos machistas e, aos poucos, mudando a cabeça de quem ainda tem uma ideia errada sobre o papel da mulher.

ENTREVISTA// Iriny Lopes
A sociedade precisa de um debate mais franco
Em 2011, as mulheres tiveram um papel fundamental ao tomarem decisões que mudaram o rumo da história no Brasil e no mundo. Alcançaram o poder, mas também mostraram que ainda têm muito a conquistarA Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM) foi criada em 2003 com o objetivo de incrementar políticas públicas que contribuem para a melhoria da vida das mulheres brasileiras. Apesar de ter contribuído com projetos importantes para o país, como a Lei Maria da Penha, recentemente o órgão ; que tem status de ministério ; se envolveu em polêmicas. E o alvo dos ataques foi a ministra Iriny Lopes. No primeiro episódio, ela pediu ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) a suspensão da peça publicitária estrelada por Gisele Bundchen para a marca de lingerie Hope. Depois, Iriny fez um pedido à Rede Globo para que a personagem Celeste, interpretada por Dira Paes na novela Fina estampa, denunciasse Baltazar, o marido violento vivido por Alexandre Neto, quando fosse agredida por ele, procurando o serviço da Rede de Atendimento à Mulher e a Central de Atendimento à Mulher-Ligue 180. As polêmicas ofuscaram o trabalho da secretaria e a Revista procurou a ministra para saber: afinal, o que pensa a pessoa que representa as mulheres no governo?

A senhora acredita que 2011 foi o ano das mulheres?
O primeiro ano do governo da presidente Dilma marca uma diferença na questão das mulheres no Brasil. Isso não significa dizer que nos últimos oito anos essa questão não tivesse ocupado um espaço importante. Foi o ex-presidente Lula quem criou a Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM), por exemplo. Mas é muito simbólico em um país como o Brasil a eleição de uma mulher. Em primeiro lugar, pelo fato de ela ser mulher. Em segundo, ser uma mulher com o perfil da presidenta Dilma. Ela tem um perfil muito executivo, uma pessoa muito antenada com as questões internacionais, com um olhar perspicaz na conjuntura econômica mundial. Nesse ano de 2011, a questão da pauta feminina assumiu um papel ascendente e protagonista na agenda brasileira. Nunca se discutiu tanto a participação das mulheres no estado de poder, seja público ou privado.

O efeito seria o mesmo se tivéssemos um presidente homem?
Depende do presidente homem, do seu programa de governo e da sua estratégia de governo. De qualquer forma, teríamos debate, porque os movimentos sociais crescem cada vez mais na sua cobrança, na sua presença, na sua proposição. O fato de a ONU ter constituído a ONU Mulheres, o fato da Michele Bachelet ser a diretora-executiva, repercute mais ainda. Não temos uma técnica, mas uma ex-presidente de um país importante da América do Sul. Haveria um nível de debate, mas eu não acredito que seria na intensidade que foi se não fosse a eleição de uma mulher e, principalmente, com o perfil da presidenta Dilma. Desde a transição, o tema gênero perpassou todo o debate. O discurso de posse foi permeado por essa questão. Não há uma solenidade que a presidenta faça ; seja de qualquer tema ; que ela não faça esse recorte de gênero. Ela foi a primeira mulher a abrir a Assembleia Geral da Onu, onde começou e terminou o seu discurso falando sobre as mulheres.


A geração da Dilma, Bachelet, Merkel pode ser considerada a das filhas da revolução feminista?
Não sei se foi uma primeira geração, mas foi uma geração muito importante, pois brigou pela liberdade e igualdade. Foi uma geração marcada por uma rebeldia construtiva, de mudança, não uma rebeldia por si só. Foi uma geração libertária, que teve coragem de colocar temas em debate na sociedade que outras gerações não puderam. Não foram as filhas da geração, mas foi a primeira que deu musculatura ao debate feminista. Foram mulheres que cresceram na luta política, que dedicaram a sua vida para a construção de liberdade em seus países. E, no interior da liberdade, está a superação das desigualdades. Como as mulheres sempre tiveram um tratamento desigual, certamente a questão de gênero teve um grande peso nisso.

Houve uma mudança de postura dos homens que fazem política no Brasil em relação às mulheres desde que Dilma assumiu?
No mínimo há uma indagação. Acho que teve uma postura de mudança proativa porque, além de ser mulher, o perfil da presidente Dilma é de muita firmeza, que não deixa margem de dúvidas sobre as suas opiniões, os critérios que orientam as suas decisões e as grandes questões da condução da vida brasileira. Acho que há, no mínimo, a indagação do tipo: "Não terei eu que mudar a minha opinião sobre as mulheres depois da minha experiência?" Eu acho que é um momento ímpar para as mulheres a presidente Dilma estar à frente do governo. Mas é claro que os políticos poderiam ter demonstrado isso com mais rigor se tivessem pensado mais efetivamente no Brasil e feito a reforma política, que teria alterado substancialmente as condições das mulheres para terem ascendido na política. O fato de isso não ocorrer é uma dívida que o Congresso brasileiro tem com o país.

Além da reforma política, quais as outras frentes da secretaria?
A SPM está presente no debate da ascensão das mulheres no mundo da política desde que ela foi constituída em 2003. Participamos de palestras, conferências, debates a respeito dessa questão da mulher. Aprofundamos um trabalho existente, mas o alargamos ao mesmo tempo que tornamos mais profundas a busca da superação da violência praticada contra as mulheres. As estatísticas nos envergonham, precisam ser superadas, demonstram ainda um país muito violento e machista. Procuramos alargar as nossas relações com o Ministério Público, tanto os estaduais quanto o federal. Buscamos um alargamento do diálogo junto ao Judiciário para implementação mais rápida e eficaz da Lei Maria da Penha no país. Não adianta pensar na ampliação da participação das mulheres na política ou superação da violência se as mulheres não estão dotadas de condições de dignidade, igualdade de tratamento e possibilidades de trabalho. Então essas são as três frentes que estão a nossa prioridade: autonomomia, enfrentamento da violência e ampliação da presença da mulher na política.

Há a resistência em admitir que ainda existe machismo. Mas os números mostram que as mulheres ainda são minoria na política e nos comandos de emprego. De onde vem essa falsa percepção?
É igual dizer que no Brasil, pela miscigenação de raça, não tem racismo. É um ledo engano, porque as pessoas não conseguem enxergar o coletivo. O fato de ter uma mulher bem sucedida não significa dizer que o conjunto dos problemas das mulheres está resolvido. Quando nós olhamos a questão do machismo e da desigualdade, devemos aplaudir as mulheres que conseguiram, mas não devemos achar que o fato de uma ou outra mulher ter conseguido não significa que o problema está resolvido. O problema é coletivo, cultural e está profundamente enraizado na sociedade. Não será o êxito de um pequeno conjunto que terá força política necessária para alterar essa cultura. Vai ser necessário medidas e políticas públicas de curto, médio e longo prazos para alterar essa realidade. Nós temos que ter campanhas, debates, livres manifestações de opinião para garantir que uma nova cultura substitua uma velha cultura. Isso não se faz da noite para o dia.

Muito se critica sobre como a mídia trata as mulheres que estão no poder. A senhora mesmo já sofreu com esse tipo de reação no caso Hope/Gisele Bundchen. Como essa representação pode afetar a aspiração de outras mulheres ao poder?
Não quero satanizar a mídia. Não vou dizer: "Todos os problemas são da mídia". Tem uma questão milenar, enraizada no mundo todo, que vê a mulher como papel secundário na sociedade. Não se pode achar que os problemas das mulheres são originários na forma de tratamento que a mídia dá. Vamos contextualizar, portanto, a história da humanidade que o Brasil está. Não podemos fazer transferência de responsabilidade. O Estado tem a sua. Primeiro, em reconhecer que existe desigualdade e, com isso, fazer políticas e instrumentos legais e orçamentários para a superação dessa desigualdade. Onde entra o papel da mídia? No cuidado, na atenção e na responsabilidade social de não perpetuar essas desigualdades. "Corpo bonito", "feias e bonitas", "mulheres bonitas não são inteligentes", "mulheres bem sucedidas são masculinizadas". A mídia tem um papel de contribuir com o crescimento da sociedade. Isso é um tipo de responsabilidade social à qual ela não pode se furtar. Todo santo dia da nossa vida, nós lemos as reportagens que dão conta de homicídio de mulheres por causa de violência. Acabou virando uma rotina. Espontaneamente a mídia pode informar as pessoas onde estão os serviços de prevenção e acompanhamento a caso de violência. Não dá para manter o status quo. Não quero atribuir exclusivamente a culpa à mídia, mas não posso deixar de afirmar que a mídia de maneira geral tem um papel a cumprir e pode contribuir substancialmente pela mudança. Antigamente, as pessoas estavam submersas nas lógicas das famílias, hoje a comunicação de massa é uma possibilidade de alteração. Enquanto eu faço uma campanha de superação das desigualdades, tem mil outros instrumentos que podem se somar a essa campanha e que chegam muito mais rapidamente às pessoas. Estou na linha proativa: "Mídia venha junto porque vocês podem cumprir um papel, independentemente se a presidente é a Dilma ou um homem".

E a publicidade?
Essa é um pouco mais complexa. O fato de ser complexa não significa que não deva ser discutida. Eu escolho o programa que quero assistir, mas não tenho o direito de escolha sobre a publicidade que intercala a programação. A propaganda é quase uma imposição. Isso tem que ser levado em consideração. Que tipo de pessoas, objetos e mensagens estão contidas explicita ou implicitamente nessa publicidade e que repercussão ela causa? É inegável que o crescimento socioeconômico do país pressupõe um debate franco, responsável e apartado dos exageros. E de passionalidade. Eu vi o que é passionalidade no debate não de fulana ou beltrana, mas de uma determinada empresa. Para mim, não interessa Maria, Chiquinha ou Gisele, interessa qual era a mensagem ; que naquele caso nem era subliminar. Nós temos respeito e tratamos com respeito a Conar e qualquer outro órgão. Mas está na hora de ter um debate mais franco na sociedade sobre isso, com a participação do Estado, das empresas. A responsabilidade é conjunta.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação