Revista

Bateria de exames

A profusão de testes laboratorias para grávidas mostra que a medicina avançou. A oferta, porém, não implica um bom uso deles

postado em 15/01/2012 08:00

A profusão de testes laboratorias para grávidas mostra que a medicina avançou. A oferta, porém, não implica um bom uso delesDurante as 38 semanas em que carrega o filho no ventre, as mulheres devem se submeter, de acordo com recomendações do Sistema Único de Saúde (SUS), a três tipos de exames pré-natais. Um exame de sangue, para triar doenças como anemia, diabetes e sífilis; exames de urina; e o preventivo de câncer de colo de útero, conhecido como Papanicolau. Já dentro de uma clínica obstétrica particular, esse número é, pelo menos, cinco vezes maior. A bateria inclui ultrassonografias periódicas e testes laboratoriais. No caso de mulheres acima de 35 anos, ou com gravidez de risco, o número sobe para mais de 30 procedimentos. Essa espécie de maratona não necessariamente aumenta as possibilidades de uma vida saudável para o feto ; mas traz, sim, uma tensão extra à gravidez.

Autora do livro Parto com amor (editora Panda Books), a jornalista Luciana Benatti administra um site homônimo por meio do qual mantém contato com centenas de mães de todo o país. Ela acredita que é necessário rever a quantidade exagerada de exames indicados para as grávidas. ;Acho que o principal problema desse excesso são os diagnósticos superestimados. Por exemplo, o ultrassom mostra o cordão enrolado na nuca. Esse é um achado de exame e não uma contraindicação de parto normal. Mas, em muitos casos, essa constatação vira um problema, e acaba induzindo a mãe a optar por uma cesárea.

Também tem o caso clássico da ultrassonografia que estima um bebê muito grande, de 4kg. A mãe desiste do parto normal e opta pela cesárea. Na hora do parto, o bebê nasce com o peso normal. Os exames viraram argumento para a cesárea eletiva, o que é lamentável;, analisa.

O percentual de bebês com baixo peso nascidos de cesárea saltou de 7,7% para 8,6%, entre 2000 e 2007. Em partos normais, a porcentagem não passou de 7,8%. Os dados são do Ministério da Saúde. ;Em muitos desses casos, o que acontece é que o bebê não estava com as 38 semanas completas. Pesquisas comparatórias de bebês que nasceram de parto normal com 38 semanas e bebês de cesárea eletiva com as mesmas 38 semanas apontam que os riscos para doenças respiratórios são muito maiores para os que nasceram pela cirurgia;, explica a pesquisadora Silvana Granado.

Uma antecipação desnecessária
Iniciativa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o estudo Nascer no Brasil: inquérito nacional sobre parto e nascimento) revela o aumento da taxa de nascimentos prematuros (pré-termo intermediário e tardio), bem como um maior número de cesarianas e de recém-nascidos que necessitam de ventilação mecânica. São sinais negativos, que merecem atenção dos profissionais de saúde. Segundo a pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, Silvana Granado, o excesso de confiança nos dados apontados pelas ultrassonografias em exames feitos no terceiro trimestre leva médicos a realizar cirurgias cesarianas antes que o corpo do bebê esteja perfeitamente maduro para a vida extrauterina.

Tais erros induzem nascimentos precoces: bebês muito mais magros do que o esperado, ou com o sistema respiratório imaturo, o que gera a necessidade de internação na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). ;Para datar uma gestação é necessário avaliar os dados do ultrassom realizado no primeiro trimestre, que é quando a margem de erro é de, no máximo, cinco dias. Mas existem muitos profissionais despreparados. A ultrassonografia do terceiro trimestre tem uma margem de erro muitíssimo maior com relação à idade gestacional;, avalia o médico obstetra Victor Bunduki, especialista em medicina fetal e ultrassonografia do CDB Premium.

De acordo com Silvana Granado, a ideia de que o bebê está totalmente pronto para nascer com as 38 semanas de gestação completas também é um erro. ;Tem bebês que vão alcançar o desenvolvimento total apenas com 40 semanas. E como o pulmão é o último órgão a amadurecer, os problemas respiratórios são uma constante em casos de prematuros. O fato é que só quem pode dizer o momento certo para um bebê nascer é o corpo da mulher, quando entra em trabalho de parto;, indica. ;É preciso repensar todo o sistema. De exames e de obstetrícia. Tudo. É uma agressão um bebê nascer e ter que ir direto para a UTI, quando deveria estar amadurecendo no útero da mãe. Fora os riscos de infecção que a UTI oferece;, opina a especialista.

Margem de erro sob controle
As polêmicas em torno dos exames morfológicos são muitas. Se por um lado eles podem prever doenças sérias, por outro, podem gerar, para uma minoria de 5% das gestantes, aflições desnecessárias. De acordo com o médico obstetra e diretor do ambulatório de obstetrícia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, Daniel Holnik, é normal a preocupação e a ansiedade pré-ultrassons morfológicos, porque é nesse momento que se detecta a maioria dos problemas do feto. A questão é que 5% das translucências nucais (nome do exame que aponta os risco de o bebê ter uma alteração cromossômica, malformações ou alguma síndrome genética) apontam falsos positivos. ;Todo exame tem sua margem de erro, podendo tanto detectar algo que não existe, como não detectar um problema existente. Esses 5% de erro são considerados normais. Um pequeno grupo de mulheres acabará sendo prejudicado pelo estresse desse falso positivo. Mas outro enorme grupo será beneficiado;, opina Daniel.

Quando o exame detecta a probabilidade de alguma alteração, muitas mulheres optam por exames mais específicos, que além de invasivos (a agulha chega até a placenta), oferecem um risco de aborto de até 1%. ;Já vi grávida fazer o invasivo, acabar sofrendo um aborto e, no fim das contas, o bebê era perfeitamente normal. É um risco que existe e são casos que, mesmo raros, acontecem;, resume o médico. Daniel explica que a importância de tais triagens é descobrir alguma alteração que possa ser tratada ainda na vida intrauterina, ou que aponte para cuidados especiais na hora do parto. ;Não são exames motivados apenas pela curiosidade, como muitos pensam. Se o bebê apresentar um problema cardíaco, a equipe vai se preparar para um procedimento mais complicado, com possibilidade de uma cirurgia de emergência no pós-parto. São exames que salvam muitas vidas;, finaliza. O mesmo vale para os exames laboratoriais. ;Detectar um HIV por meio de um exame de sangue pode prevenir que a criança nasça com o vírus;, explica a consultora médica da assessoria científica do laboratório Sabin, Silvana Fabel.

Movidas pela curiosidade
A profusão de testes laboratorias para grávidas mostra que a medicina avançou. A oferta, porém, não implica um bom uso delesNo Brasil, o exame de sexagem fetal, que aponta o sexo do bebê já na oitava semana de gestação, custa em torno de R$ 400. ;Nenhum plano cobre esse exame, porque ele é motivado puramente pela curiosidade. São raros os casos que elas chegam com indicação médica (quando se preveem patologias ligadas ao sexo, como a hemofilia). Mesmo assim, ele já é um dos exames particulares mais procurados nos laboratórios. A superintendente técnica do laboratório Sabin, Lidia Freire, conta que, em 2004, foram realizados 20 exames de sexagem fetal pelo laboratório. Em 2011, o número cresceu para 1.200 exames por ano no país. A gestante Flávia Batista (foto), 31 anos, é uma das curiosas. ;Quando você faz o primeiro exame, fica numa ansiedade. Mas, depois de ouvir o coração batendo a mil com saúde, não para mais. Pra mim, quanto mais exames melhor, porque eu não me canso de ter informações e ver o bebê na tela do ultrassom. A sexagem foi uma curiosidade apenas, mas valeu a pena. Antecipamos o enxoval;, justifica. A mania de informação não é exclusiva de Flávia. Tem grávida que faz o ultrassom todo mês, por ;desencargo de consciência;. ;A cantora Ivete Sangalo comprou um ultrassom para ter em casa quando estava grávida. Depois que o filho nasceu, doou o aparelho. É um exagero, mas depois do primeiro trimestre, a verdade é que não existem contraindicações que freiem essa curiosidade;, conta um dos médicos entrevistados.

Ferramentas da ciência
Entre tantos exames, você sabe por que fazê-los?

Primeiro trimestre
- Hemograma completo: Feito pela coleta de sangue da mãe, o exame avalia as células sanguíneas, conta as plaquetas e detecta infecções e problemas como anemias
- Tipagem sanguínea: Revela o Rh sanguíneo da mãe. Se pai e mãe tiverem Rhs diferentes (ele positivo, ela negativo, ou vice versa), a gestante precisará fazer um tratamento simples para evitar sensibilizações.
Sorologia para HIV: Detecta a presença do vírus HIV no sangue da mãe. A detecção pode prevenir que a criança nasça com o vírus.
- Sorologia para hepatite B e C: verifica a presença desses vírus no sangue da mãe, evitando que o filho os contraia e apresente problemas graves de fígado ao longo da vida.
- Sorologia para toxoplasmose: Busca a presença do protozoário causador da toxoplasmose no sangue da mãe, podendo causar aborto ou problemas graves no feto, como hidrocefalia e cegueira.
- Sorologia para rubéola: A doença que, em geral é de baixa gravidade para o adulto, pode trazer transtornos sérios para uma mulher grávida, expondo o feto a malformações e até a morte.
- Sorologia para sífilis: Detecta se a mãe é portadora da doença, que pode causar malformações graves e aborto.
- Sorologia para citomegalovírus: Detecta a presença do citomegalovírus na corrente sanguínea. O vírus é o principal causador de surdez congênita no bebê, além de estar relacionado a baixo peso e quadros de icterícia.
- Urina 1 e urocultura: O exame busca infecções no aparelho urinário feminino, que podem causar parto prematuros.
- Papanicolau: O exame ginecológico busca infecçõe svaginais que podem trazer complicações diversas para a gravidez.
- Ultrassom básico obstétrico endovaginal ou transvaginal: O exame é feito com um sonda introduzida na vagina da gestante. Além de confirmar a presença de um ou mais fetos, vai definir a idade gestacional, medir os batimentos cardíacos e analisar o útero.
- Translucência nucal (11; a 14; semana): Feita por meio de um ultrassom transabdominal, verifica o acúmulo de líquido na região da nuca do feto, avaliando assim os riscos de o bebê apresentar alguma síndrome genética, malformações e alterações cromossômicas. É conhecido por ser o exame que indica o risco da síndrome de Down.
- Teste oral de tolerância à glicose: Para o diagnóstico de diabetes. A grávida faz um primeiro exame de sangue, depois ingere uma mistura de glicose. Duas horas depois faz outro exame de sangue.

Recomendados para casos específicos: TSH, T3, T4 e T4 livre, ecocardiografia fetal, coombs indireto, perfil bioquímico fetal, protoparasitológico de fezes, cariótipo, biópsia de vilo corial, dosagem de ureia, ácido úrico e creatinina, teste de enzimas hepáticas, ecocardiograma e eletrocardiograma, sexagem fetal.

Segundo trimestre
- Ultrassom morfológico: O ultrassom abdominal vai analisar e medir toda a morfologia do feto.

Recomendação para casos específicos: Amniocentese, ecocardiograma fetal, cordocentese, beta gonadotrofina coriônica humana, teste de proteína plasmática associada à gravidez, dosagem de ureia, ácido úrico e creatinina, teste de enzimas hepáticas, ecocardiograma e eletrocardiograma.

Terceiro trimestre
- Ultrassom obstétrico: Verifica a quantidade de líquido amniótico, a morfologia do bebê, o crescimento, o peso e a maturação da placenta.
- Ultrassom obstétrico com dopplervelocimetria colorida: Busca uma valiação mais específica, por meio de ultrassom mais moderno, do fluxo sanguíneo no corpo do bebê e a resistência vascular, avaliando se há sofrimento fetal.
- Cardiotocografia: Feito durante o trabalho de parto, consiste na monitoração elétrica dos batimentos cardíacos do bebê e das contrações uterinas. Busca indicar sinais de sofrimento fetal.

Recomendados: Pesquisa da bactéria estreptococo B na cultura de secreção vaginal, perfil biofísico fetal, ultrassom 3D ou 4D, dosagem de ureia, ácido úrico e creatinina, teste de enzimas hepáticas, ecocardiograma e eletrocardiograma.

Fonte: Lidia Freire e Silvana Fabel

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