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O fim do para sempre

O término de um relacionamento amoroso se assemelha muito à perda da morte, dizem os especialistas

postado em 05/02/2012 08:00

O término de um relacionamento amoroso se assemelha muito à perda da morte, dizem os especialistasPara superar a dor da morte, a sociedade não estabelece limites para o luto. A perda física, para a maioria das pessoas, deve ser vivida com todas as forças, sob risco do pesar mal resolvido não deixar que o indivíduo siga em frente. Não tão respeitada é a dor trazida pelo fim de um relacionamento. Em uma realidade em que o hedonismo é celebrado, chorar por um amor que acaba é, muitas vezes, tachado de perda de tempo. E o enlutado, além de conviver com a certeza de que o ser amado seguiu em frente, tem de encarar um preconceito que aumenta ainda mais sua reclusão.

;Numa sociedade na qual a relação com a morte é marcada por negação, muitas são as situações em que não há o reconhecimento social, que dirá a expressão do pesar. O fim de um relacionamento é uma perda que não é socialmente considerada como significativa, então vivenciar o luto nesse caso pode se tornar mais difícil;, garante Adriana Binotto, psicóloga diretora da AB ; Clínica de Psicologia e Apoio ao Luto. Os danos, no entanto, podem ir além dos psicológicos. Pesquisa da Universidade de Harvard apontou que, após a perda de um ente querido por morte, as chances de um infarto ficam 21 vezes maior. Mesmo que a pesquisa tenha sido focada em viúvos, as reações do corpo ao término de um namoro ou um casamento podem ser as mesmas.

;A dor traz sentimentos de raiva, depressão e ansiedade. Essas emoções podem aumentar a frequência cardíaca, a pressão arterial e a coagulação do sangue, o que, por sua vez, aumenta as chances de ter um ataque cardíaco;, afirma Elizabeth Mostofsky, uma das pesquisadoras responsáveis pelo estudo. Os que passam pela sensação de perder um amor ; e esses não são poucos ; garantem: ela é sim análoga à da morte. ;Eu não esperava que meu príncipe fosse virar um sapo. Sempre quis ter minha família, mas não aconteceu. No fim, batia na parede, socava portas, gritava e tomei antidepressivos por três anos;, lembra a corretora de imóveis Adriana Soares Moreira, 38 anos.

Hoje ela consegue falar sem dificuldades sobre o fim do seu casamento, mas é taxativa: uma parte sua morreu com o fim do compromisso firmado no altar. Adriana diz que sua maior tristeza foi ver o relacionamento desmoronar, pois culpava-se da situação. ;Me perguntava o que eu poderia fazer para mudar aquilo. Fui criada numa família católica, educada para acreditar no amor eterno. Só que, ao fim, vi que aquele ambiente familiar não era o ideal para o meu filho.; Ela conta que, já sentindo que o término se aproximava, começou a viver o luto ainda dentro de casa. ;Nos tornamos dois estranhos e foi quando tomei a decisão. Tive de viver o luto de uma pessoa viva, mas que morreu dentro de mim;, conta.

O psicólogo Aroldo Escudeiro, presidente da Rede Nacional de Tanatologia ; ciência interdisciplinar que estuda a relação do homem com a própria morte e com a morte do outro ;, afirma que, ao envolver amor, qualquer perda é traumática e deve ser respeitada. ;Há sempre uma morte simbólica porque há afeto. A dor é a mesma para todos. O que vai mudar é a rede social que aquela pessoa terá para ajudá-la a se recuperar.; No caso dos relacionamentos amorosos, essa dor não envolve rituais como o enterro, quando há espaços para externar a mágoa. Segundo Aroldo, as frases comuns nesse momento são

;Amor se cura com outro; ou ;A fila anda;. Só que não anda rapidamente.
;Afeto é algo que demora para se estabelecer. Por isso, esquecer também. Há um apego comum aos costumes rotineiros e esses espaços vazios vão ficar. Não se pode negar o sofrimento;, pondera o especialista. A gestora de recursos humanos O término de um relacionamento amoroso se assemelha muito à perda da morte, dizem os especialistasAndrea Custódio, 38 anos, viveu intensamente o luto duas vezes. Pela mesma pessoa. Em 2000, ela terminou a primeira vez com o ex-marido e, como diz, ;curtiu; bem o luto. ;Foi buraco total. Chorei, ouvi todas as músicas deprimentes, escrevi muito, até mesmo um livro da minha história, tentando alimentar também as coisas boas. Queria cultivar algo bom porque ainda o amava;, diz. Dois anos mais tarde, resolveu dar uma segunda chance. Ao ver que não seria mesmo aquele o amor da sua vida, sofreu tudo de novo.

;Os motivos foram diferentes, o tempo para me recuperar também. Mas a dor foi a mesma. Hoje sei que acredito no amor. Mas acho que sou relutante, mesmo que de forma inconsciente, de encontrá-lo de novo.; O relacionamento acabou, definitivamente, em 2007. Andrea hoje não sofre mais e os especialistas garantem que cada um tem seu tempo. Afinal, esse é o tipo de acontecimento que muda completamente a vida, trazendo consequências que demandam um prazo para serem assimiladas. ;Uma vez que cada um tem os seus próprios recursos para enfrentar e reagir ao luto, não é possível determinar quanto tempo o processo irá durar. O tempo ameniza a dor, mas também é capaz de gerar um luto crônico. Para cada pessoa, há fatores facilitadores e complicadores;, explica Adriana Binotto.

Reações diferentes
O término de um relacionamento amoroso se assemelha muito à perda da morte, dizem os especialistasA escritora Stella Florence resolveu com humor as dores trazidas pelo fim de uma relação. Em seu livro O diabo que te carregue! ; um romance sobre separação em forma de crônicas curtas e grossas (Editora Rocco), ela se valeu de histórias da própria vida para contar a trama de uma mulher que trabalha, é mãe de dois filhos e acabou de se separar do marido. Na obra, ela diz que ;é inevitável sentir raiva do ex. Por mais que ele seja uma pessoa boa e blablablá, agora ele é um ex-marido e ex-maridos são feitos para ser, no máximo, tolerados. Por isso, quando seu ex te ligar para saber das crianças, ceife o sorrisinho de boa moça da sua cara, pare de mentir para si mesma e, ao desligar o telefone, grite alto o bastante para que você possa ouvir o que só a você interessa: ;Que o diabo te carregue, seu cretino!’;.

Stella acredita que considerar balada como remédio para fim de amor é maquiar o sofrimento. ;Eles escondem seu luto atrás da alegria esfuziante, da bebida, do sexo. Os que se enganam assim sofrem por mais tempo e demoram mais a se recuperar.; A escritora afirma que o humor usado no livro foi involuntário, já que essa é a forma com que ela lida com grande parte dos seus problemas do dia a dia. ;Talvez o segredo esteja em diminuir o orgulho: todos nós somos ridículos;, brinca. Para Stella, o importante é descobrir de que forma você pode expurgar essas sensações, sem deixar de vivê-las, algo que ela conseguiu com a literatura. ;Se separar é como arrancar a pele: fica-se em carne viva por um tempo. Apenas um dia após o outro reconstrói a nossa pele. O importante é que as feridas cicatrizam, cada uma a seu tempo, mas sempre cicatrizam.;

O luto feminino é o mais romanceado. Aroldo Escudeiro chega a dizer que ele é o luto teórico estudado na academia, tamanha quantidade de relatos. São elas que demonstram os sentimentos e não se furtam em encarar a dor como uma forma de aprendizado. Os homens ainda têm dificuldade de mostrar seu sofrimento e, muitas vezes, o próprio grupo de amigos é quem hostiliza essa situação. O empresário Bruno Danotti, 28 anos, lembra bem o quanto foi difícil falar com os colegas sobre o fim de seu relacionamento.

Ele diz ter ouvido muitas brincadeiras e poucos foram capazes de enxergar o real estado em que ele se encontrava. ;O homem não fala com o amigo porque acha feio, até ridículo. Parece uma fraqueza expor o sentimento: o amigo te julga, te chama de corno. Eu escutei isso.; O fim do namoro o deixou prostrado. Bruno lembra que não tinha forças para comer, para estudar, para trabalhar. Sentia-se incapaz de sair daquela situação e surpreendeu-se com o apoio da família. ;Minha mãe até voltou de viagem para saber o que tinha acontecido.; Ele, que se diz relutante com tratamentos psicológicos, assegura que também encontrou muito conforto em livros que tratam do assunto.

;Sempre fui meio autodidata e li muito para tentar entender o que eu senti. O sentimento precisa ser controlado pela mente, para que você o entenda. Consegui racionalizar e isso trouxe conforto. Mas esse fim mudou muito a forma que enxergo o amor. Tanto que, até hoje, não consegui me relacionar de novo.; Bruno conta que a forma com que lidou com o término é comum entre os homens. O empresário acredita que eles, ao guardarem o turbilhão de sentimentos advindos da perda, tendem a pensar pouco no que fazem. ;Nunca vi uma mulher matando um homem porque o namoro acabou. Mas homens são capazes de fazer isso. O importante é saber que ninguém morre de amor. Basta esperar que a dor passa;, frisa.

Entender que o amor acaba é mesmo tarefa penosa. A corretora Adriana Soares Moreira lembra com tristeza quando seu filho de seis anos a confrontou sobre a separação. ;Ele me disse que eu não havia amado o pai dele porque amor não acaba. Fiquei sem saber o que dizer.; Adriana Binotto diz que é preciso deixar espaço para falar sobre perdas e mortes na vida de qualquer pessoa. ;Se o amor acabou, é importante saber que um dia ele existiu e esse filho foi gerado em função disso. Muitas vezes, não é uma escolha tranquila, mas talvez seja a única possível.;

Os passos do luto
O psicólogo Aroldo Escudeiro, presidente da Rede Nacional de Tanatologia, cita quais são as taferas que devem ser vencidas na recuperação da perda de um amor.
Tarefa 1: Aceite a realidade da perda: aceitar a perda leva tempo. Porém, é preciso aceitar que ela existe e que essa realidade vai se impor para que você siga em frente.
Tarefa 2: Elabore a dor da perda: xingue, resmungue, grite, chore, bata a cabeça na parede, fale sobre sua perda. Procure se deixar doer.
Tarefa 3: Mudanças geográficas não vão curar a dor. É preciso saber que sua vida tem de seguir.
Tarefa 4: Recomece a viver para amar no sentido amplo: o importante é sair da relação melhor do que entrou. Afinal, luto não é doença, é um processo com fim.

Maduros sofrem menos?
Pesquisa da Universidade Estadual de Michigan, nos EUA, mostrou que a separação afeta mais a saúde dos jovens. De acordo com a equipe, ao relacionar o estado de mais de mil americanos que estavam em processo de divórcio, foi percebido que aqueles entre os 35 e 41 anos relatavam mais problemas de saúde que os da faixa etária entre 44 e 50 anos. A explicação é que as gerações mais velhas sofrem mais pressão para manter um casamento. Assim, quando se separam, entendem aquilo como uma libertação tardia. Em vez de sofrimento, os mais velhos sentem alívio por terem se livrado de algo que mantinham por imposição social.

Dor de cotovelo musical
Adele, a maior vendedora de discos de 2011, conseguiu sucesso mundial por falar, justamente, do quanto sofreu para superar um ex-namorado. Na música brasileira, há uma infinidade de canções que tocam nos corações quebrados. A Revista fez uma lista daquelas que podem, quem sabe, até ajudar quem precisa elaborar a perda. Ou para quem gosta de uma ótima música triste.

Vento no litoral
; Legião Urbana
;Dos nossos planos é que tenho mais saudade
Quando olhávamos juntos
Na mesma direção;

Volta ; Lupicínio Rodrigues
;Volta!
Vem viver outra vez ao meu lado!
Não consigo dormir sem teu braço,
Pois meu corpo está acostumado...;

Ronda ; Paulo Vanzolini
;Volto pra casa abatida
Desencantada da vida
O sonho alegria me dá
Nele você está;

Ninguém me ama
; Antônio Maria
;Ninguém me ama, ninguém me quer
Ninguém me chama de meu amor
A vida passa, e eu sem ninguém
E quem me abraça não me quer bem;

A flor e o espinho ; Nelson Cavaquinho
;Tire o seu sorriso do caminho
Que eu quero passar com a minha dor
Hoje pra você eu sou espinho
Espinho não machuca flor;

Eu quero voltar pra você
; Roberto Carlos
;Pra ser sincero eu já tentei me enganar
Pensando um dia encontrar outro alguém
E hoje pra ser mais sincero ainda
Como você não há ninguém;

Balada da Arrasada
; Ângela Rô Rô
;Arrasada, acabada, maltratada, torturada
Desprezada, liquidada, sem estrada pra fugir
Tenho pena da pequena que no amor foi se iludir
Tadinha dela...
Tadinha dela...;

Ouça ; Maysa
;Ouça, vá viver
Sua vida com outro bem
Hoje eu já cansei
De pra você não ser ninguém;

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