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Brechó é um barato

As brasileiras demoraram um pouco a perder o preconceito com artigos de segunda mão, mas a prosperidade dessas lojas não nega: fazer "rolo" se tornou uma ótima e divertida maneira de renovar o guarda-roupa

Flávia Duarte
postado em 19/02/2012 08:00

As brasileiras demoraram um pouco a perder o preconceito com artigos de segunda mão, mas a prosperidade dessas lojas não nega: fazer São inúmeras as motivações para se desfazer de peças de roupa, acessórios e itens de decoração que algum dia a encantaram. Eles podem não servir mais, estar fora de moda, não combinar mais com o seu estilo. Você pode ter apenas enjoado do produto ou, simplesmente, ele não cabe mais em sua casa. Feita a limpa, diversas também são as motivações para encontrar um novo dono e passar adiante aquilo que descartou: solidariedade, renovar o armário, ganhar dinheiro, reciclar, despertar as pessoas para o consumo consciente, se diferenciar no meio da multidão, transformar a prática em negócio ou fazer da brincadeira um hobby.

Para comercializar os desapegos, pipocam alternativas. Há profissionais que vivem de vender coisas alheias, organizando os famosos garage sales. Outros preferem negociar com os brechós e transformar em reais aquilo que não usa mais. Até pela internet o negócio pode dar certo. É só fotografar o produto que não se quer mais, esperar alguém em qualquer canto do mundo desejá-lo e despachar pelo correio em troca de um bom preço.

A tese que move esse mercado de usados é simples. Se eu não quero mais, mas você deseja muito, vamos fazer um negócio? Cobro mais barato pela peça, você paga por ela muito mais em conta do que na loja, e nós duas saímos ganhando. Pronto. Compra fechada, todo mundo sai satisfeito. Tem dado tão certo que, a cada dia, surgem novos brechós reais ou virtuais. Não existem no país dados precisos sobre esse tipo de comércio, mas, pela observação, é patente que ficou mais fácil esbarrar em uma dessas lojas que vendem artigos de segunda mão.

Além da percepção de que é possível fazer dinheiro com aquilo que antes era encostado, o preconceito com a moda reaproveitada também diminuiu. Celebridades, pelo mundo, fazem pose para revistas, exibindo looks de brechó. Isso contribuiu, e muito, para expandir o movimento pró-reutilização de roupas. A atriz Julia Roberts, por exemplo, já recebeu um Oscar trajando um Valentino de segunda mão.

Estilista e professor de estilo do curso de Design de Moda da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), Lorenzo Merlino acredita que o sucesso dos brechós é justamente o diferencial das peças vendidas. Quem vai a esses lugares não quer saber de tendências pausterizadas, tampouco da massificação promovida pelo fast fashion. No acervo de peças antigas e usadas, é possível encontrar achados e criar produções únicas. ;Quem compra em brechós tem estilo, gosta de moda e quer ter um diferencial;, comenta o professor, frequentador assíduo de lojas do gênero. ;O mais legal é quando se garimpa até encontrar uma peça incrível, bem diferente. A busca faz parte da brincadeira;, considera.

Se o desejo de exibir um estilo diferenciado reforça o sucesso dos brechós, a moda que vai para a passarela também estimula o retorno ao passado. Professora do curso de moda da Faculdade Santa Marcelina, Walquíria Caversan aposta na retomada do conceito de vintage, resgatado por estilistas do mundo todo a partir dos anos 1990, e estimula uma espiada séria no armário da vovó. A tese é de que hoje não há novas tendências, mas uma releitura do que já foi usado em décadas anteriores. Nesse caso, mais exclusivo é usar um original, feito anos atrás. ;Antes, os brechós eram considerados um lugar de roupas velhas, hoje as pessoas sabem que podem resgatar a moda lá;, afirma a professora.

Sem um grão de poeira
As brasileiras demoraram um pouco a perder o preconceito com artigos de segunda mão, mas a prosperidade dessas lojas não nega: fazer A mudança de mentalidade se traduz no número de brechós. Eles ainda não são tão populares como no exterior ; onde muitos viraram verdadeiras paradas obrigatórias de turistas fashion, interessados em consumir marcas internacionais a preços mais acessíveis ;, mas já atraem mais clientes, com menos medo de se deparar com mofo e cheiro de naftalina.
O primeiro brechó do Brasil abriu as portas na década de 1970. Era de propriedade da cantora Maysa Monjardim, que trouxe a ideia da Europa. Conta-se que ela vendia roupas, sapatos, bolsas e acessórios dela e dos amigos. Apesar da ousadia, no entanto, a moda só pegou por aqui bem mais tarde. Hoje eles são corriqueiros e têm perfis diferenciados. Existem, por exemplo, aqueles de desova do armário, que vendem roupas atuais, fornecidas por consumidoras mais consumistas, que desgostam rápido do produto. São bons para quem quer renovar o visual e gastar pouco.

Tem os que são um verdadeiro museu da moda, com roupas de várias décadas e estilos. Nesses, dá para se divertir e abusar da criatividade, mesclando peças e criando looks personalizados. O recém-inaugurado Lolla Lab., no Conic, lembra mais um camarim de peça teatral. Nas araras, destaca-se um acervo de peças antigas, literalmente da vovó. Ali, tem roupas assinadas por gente importante da moda, como Clodovil e Issey Miyake. Para reforçar o glamour, há peças exclusivas de desfiles e o vintage assinado por Prada e Ferragamo, por exemplo. Para os sócios Raoni Viera, 27, e Felipe Schuman, 25, o mais difícil é abrir mão das preciosidades. Eles eram amantes de brechós muito antes de abrirem o negócio. Durante anos, guardaram os achados em casa.

Raoni é produtor de moda e stylist, Felipe é cabeleireiro. A paixão pela moda está associada à profissão de ambos, que adoram criar estilos ousados. Por isso mesmo, muita coisa eles não vendem, preferem alugar para produções. Não deixa de ser uma forma de transformar em dinheiro o armário vintage que já tinham. Agora, investem em peças para a vender. Tudo sempre com a cara dos anos idos. ;São peças exclusivas, com um valor histórico. Você pode ficar caricato ao usá-las, mas também supercontemporâneo ao combiná-las com modelos atuais;, aposta Raoni.

Outra categoria de brechós é a dos que vendem de tudo um pouco, das peças de roupa simples a vasilhas de cozinha. Esse é o usadão propriamente dito. Em Brasília, o mais antigo leva o nome de Usadão Antônios. Há 30 anos, a proprietária Saida Antônios decidiu vender aquilo que outras pessoas queriam descartar. Sempre ofereceu de tudo um pouco. Desde roupas e sapatos a livros e utensílios de cozinha. Por lá, você acha brinquedos e patins, por exemplo. ;Aqui é um brechó à moda antiga, onde você encontra coisas variadas e de todos os preços;, comenta ela. ;Você pode até encontrar etiquetas famosas no meio de tantas outras;, acrescenta.

No usadão dela, a ideia é vasculhar mesmo. Olhar, descartar, experimentar, torcer o nariz; Se garimpar bem e tiver paciência, encontrará alguma coisa interessante. Os preços são baixos. Sobem quando a etiqueta carrega o nome de grife. Para quem não pode, tem uma banca de itens a R$ 1. E eles são disputados. ;Há quem venha aqui toda semana;, diz Saida.
Com tal perfil, nasceu um dos primeiros brechós da cidade, frequentado por quem não podia comprar roupa nova e desprezado por aqueles que não entendiam a proposta. Com a mudança de mentalidade, muitos outros foram criados na cidade e a clientela do Usadão Antônios se diversificou. Hoje, frequenta o estabelecimento um povo descolado, atores de teatro, fashionistas, saudosistas ; todos dispostos a garimpar.

Se, no entra e sai de coisas de segunda mão, acontecer de alguma mercadoria encalhar, Saida faz um limpa e doa para uma instituição de sua preferência. Ali, cada peça tem um destino certo. ;Tudo se aproveita;, garante. O ciclo de vida dos objetos garante à empresária o seu sustento e ainda gera empregos, recicla guarda-roupas e presta solidariedade.

Bom, barato e lucrativo
E os brechós dão dinheiro. Muitos trabalham com consignação. Ganha quem é dono da peça, ganha o dono da loja que vende a mercadoria sem precisar investir em estoque. Alguns lojistas preferem comprar as roupas e os acessórios que vão vender. Compram barato, vendem barato e ainda têm lucro. Mas o parâmetro do barato depende da marca. O ideal é que o produto custe menos da metade do que seria um exemplar novo. Nesse caso, ele sai muito mais em conta, independentemente do quanto vale.

Para quem deseja abrir um negócio, a opção por vender esse tipo de mercadoria pode ser interessante. Gerente da Unidade de Atendimento Coletivo;Comércio do Sebrae-DF, Maria Auxiliadora França comenta que muita gente trabalha com a venda de usados na informalidade, em casa mesmo, com a ideia de garantir um reforço na renda. Para esses, o conselho dela é: legalize a situação e se torne um empreendedor. Assim, transforma-se a venda despretensiosa em forma de ganhar a vida.

Para Maria Auxiliadora, o sucesso de um loja de usados depende muito da apresentação dos produtos. Nada de locais sujos, empoeirados e desorganizados. Os clientes querem peças boas e baratas, mas sem precisar se jogar em um amontoado de quinquilharia. Separar as peças por modelos ou cores ajuda bastante.

Uma das dicas mais valiosas é justamente a seleção das peças. Afinal, só são vendidas peças em bom estado, sem manchas ou defeitos graves. Caso contrário, corre-se o risco de ficar com o investimento entulhado. Por último, invista na propaganda e, se optar pela consignação, vá atrás de bons fornecedores, gente de bom gosto e cheia de desapego para se desfazer de roupas e acessórios seminovos.

Eles também merecem
As brasileiras demoraram um pouco a perder o preconceito com artigos de segunda mão, mas a prosperidade dessas lojas não nega: fazer A empresária Bruna Vasconi, 31 anos, inovou o mercado brasiliense, quando, há 5 anos, abriu o primeiro brechó infantil da cidade. O capricho com a decoração e o cuidado na escolha dos produtos vendidos fizeram sucesso e, aos poucos, a resistência de quem nunca tinha comprado uma roupa usada para o filhos foi vencida.

A ideia fez sucesso. Depois dela, outros brechós com o mesmo foco surgiram na cidade. Bruna não fala em rendimentos, mas não dá para negar que o empreendimento está dando certo. Ela tem duas lojas enormes do Peça Rara, no Plano Piloto, e agora inaugura, no fim do mês, a terceira. Essa é só para o público masculino.

;Pelas minhas pesquisas, nunca encontrei um brechó só para homens em lugar nenhum do Brasil;, comenta Bruna. A proposta surgiu por causa da demanda. Volta e meia aparecia algum moço querendo aproveitar a pechinchas. As esposas, namoradas e mães que consomem no brechó feminino também perguntavam quando encontrariam peças para os seus e quando poderiam vender as roupas dos homens por lá.

O novo Peça Rara manterá o padrão de vender peças da moda, atuais, de marcas legais e em excelente estado. A empresária ainda não tem certeza de como os homens reagirão, mas o otimismo é grande. ;A diferença é que as roupas dos homens ficam mais comprometidas do que as das mulheres, por isso, vamos ser mais criteriosos na seleção;, diz a empresária, que avisa logo: ;Não vamos encher a loja de ternos antigos;.

Quase um closet
As brasileiras demoraram um pouco a perder o preconceito com artigos de segunda mão, mas a prosperidade dessas lojas não nega: fazer Imagine ter um brechó só seu, onde pudesse escolher qualquer peça, usar, abafar em uma festa e depois devolvê-la, vender se enjoasse, ganhar uma grana e comprar mais peças. É mais ou menos isso que Sheila Medeiros, 52 anos, faz com o seu brechó Boca a Boca, que fica no Guará. Ela transforma aquele lugar abarrotado de roupas extravagantes, com muito brilho e plumas, em um quase armário. ;É uma forma de unir o útil ao agradável. Amo isso aqui. E o melhor de tudo é que quase todas as roupas me servem;, brinca.

Ela sempre se vestiu com peças de brechós. Inúmeras vezes, quando ainda era bancária, ia para São Paulo fazer compras nessas lojas. Anos atrás, a oferta de brechós em Brasília era reduzida, então o jeito era garimpar fora daqui. ;Sempre gostei de comprar peças diferentes, antigas. Adoro o cheiro de mofo dos brechós;, comenta. Mas o Boca a Boca não tem mofo. Pelo contrário. Na casa de Sheila tem três máquinas de lavar para limpar as mercadorias.

Há três anos, ela se aposentou e decidiu transformar o hobby em dinheiro. Não poderia ser outra coisa que não um brechó. Fez um limpa no armário, no das filhas, pediu a prima que mora em Nova York para comprar peças usadas e estilosas por lá (e ela mandou uma caixa de geladeira e uma de fogão lotadas de roupas) e arrematou araras inteiras de vestidos em brechós paulistas. Assim começou o Boca a Boca, com peças que são a cara da dona.

Vez ou outra, Sheila leva peças de seu próprio guarda-roupa. Se arrepende com frequência. Briga com o gerente que foi rápido demais em despachar as malas que ela levou. Mas, depois, se desapega. Ela gosta mesmo é de fazer as compras. Adora vasculhar outros garimpos em busca de tesouros ; para a sua loja ou para o seu armário, que, no fundo, são a mesma coisa.

Quer meu vestido? Basta um clique
As brasileiras demoraram um pouco a perder o preconceito com artigos de segunda mão, mas a prosperidade dessas lojas não nega: fazer As irmãs Patrícia e Ludmila e a analista de mídias sociais Fran acabaram encontrando na rede um jeito de conseguir uma verba extra se livrando de coisas que não tinham função alguma a não ser ocupar espaço no guarda-roupas. Vender na internet não é nenhuma novidade. A publicidade é fácil, o custo de manutenção é próximo de zero, o público que se consegue atingir é enorme.

A maioria dos brechós virtuais nada mais é do que um blog de plataforma gratuita, como o Blogger e o Wordpress, com as fotos das peças das quais as meninas querem se desfazer, a preço justo ; quase nunca na casa dos três dígitos ; e um e-mail para encomenda. O frete é por conta do comprador. Já a atualização da página, a cargo da dona do blog. ;Não adianta ter um blog e não atualizar. Quanto menos você atualiza, menos visitas recebe. Mesmo que você não tenha novidades para colocar à venda, vale fazer um post de estilo ou tendência;, ensina Patrícia Mills, 35 anos, formada em relações internacionais.

E nem é preciso ficar restrito ao próprio guarda-roupa. Assim como Patrícia e Ludmila, que foram buscar suprimentos em outros brechós, Fran passou a se aproveitar da sua popularidade ; ela tem quase mil seguidores no Twitter ; para vender peças de outras meninas na sua página. As interessadas mandam as fotos, ela analisa a qualidade da roupa, anuncia no blog e, caso a peça seja vendida, abocanha uma parte do valor da venda. Coleciona fornecedoras de várias partes do país e ganha com o negócio o equivalente a 30% da sua renda total.

Sem a vantagem da negociação cara a cara das lojas físicas, existem alguns mandamentos para a sobrevivência dos brechós virtuais. O pagamento é quase sempre por depósito antecipado em conta corrente. A responsabilidade de que a encomenda chegue ao destinatário é do vendedor. ;Já aconteceu de, por um problema nos Correios, encomendas se perderem. Se você tem estoque, tem que repor. Se não, precisa de outros meios de reparar o dano;, avisa Ludmila, 29, graduada em jornalista.

A própria rede já dispõe de ferramentas para que clientes e vendedores entrem em acordo. O Sindicato dos Brechós (www.sindicato-brechos.blogspot.com.br), com o slogan engraçadinho de ;A união faz a força;, é um blog por meio do qual compradoras denunciam ou recomendam vendedoras e vice-versa. Cada loja citada no blog ganha uma contagem de recomendações e denúncias. Brechós que não entregam as roupas no prazo ou em boas condições acabam escrachados por quem compra. ;Por isso é importante deixar claro o prazo de entrega e se organizar muito nas encomendas;, avisa Fran Monteiro, 25.

Até o início do ano passado, Fran era apenas uma menina que comprava demais. A analista era das antenadas que não passam um dia sequer que não seja on-line, vasculhando blogs e sites de moda. O resultado transbordava pelo guarda-roupa, em peças etiquetadas que jamais saíam do cabide. Conectada 24 horas por dia, sete dias por semana, Fran só podia mesmo encontrar uma solução na rede. O Bazar da Chica (www.bazardachica.blogspot.com) nasceu com 30 peças que, não fosse a criatividade empreendedora de Fran, acabariam encalhadas em um canto da casa ou doadas, sem que ela recuperasse sequer R$ 1 do investimento feito. ;Eram roupas novas e eu ficava com dó com de dar fim. Fiz uma pilha para doação e decidi por dar outro destino a essas;, conta a vendedora. Em quatro meses, Fran não tinha nem mais rastro das peças. Um ano depois, vende na rede peças de pessoas do Brasil inteiro a um custo de 15% do total da venda.

Patrícia Mills também sempre se ligou em moda. Há cerca de dois anos, abriu o Flor Brechó (www.florbrecho.blogspot.com) on-line em uma plataforma gratuita. Enquanto isso, exercitava o desapego ao lado da irmã em encontros de brechós na cidade. Primeiro, de seis em seis meses, depois, a cada mês, logo, de duas em duas semanas e, por fim, todos os fins de semana. As roupas próprias acabaram e as caçadoras de relíquias começaram a revender os achados. Em um único domingo de bonança, fizeram, cada uma, R$ 2 mil com os descartes do guarda-roupa. ;Nunca foi só negócio. Eu adoro moda. Isso para mim também uma forma de fazer trocas legais e encontrar por aí bons achados com outras pessoas;, conta Patrícia. O passatempo rendeu e, agora, as duas estão à toda com a inauguração de um brechó físico na 413 Norte, o Shanmbala.

Na base da solidariedade
Se desfazer de roupas em brechós também pode ter objetivos nobres. Muitos preferem transformar o que não usa mais em ajuda a quem pouco tem. Desde o ano passado, a bancária Ana Luiza Marinho e a professora de Arquitetura da Universidade de Brasília Raquel Blumenschein fazem parte de um grupo de 15 amigas que se reúnem esporadicamente em encontros de brechós a fim de angariar dinheiro para a caridade. O movimento virou o Brechó Muito Chic (www.brechomuitochic.com.br) e nada do que é arrecadado nas vendas vai para o bolso delas: tudo vira cesta básica, cobertor e colchonetes para pessoas carentes que buscam ajuda na Sociedade São Francisco de Assis, em Brasilinha.

Por mês, a Sociedade ajuda cerca de 400 famílias. Dessas, entre 50 e 60 recebem suas cestas básicas graças ao empenho do grupo. ;A instituição precisa de ajuda e o número de cestas que eles conseguiam comprar todo mês com as doações começou a cair muito. Foi aí que a gente começou a se mobilizar;, conta Raquel. Em geral, elas arrecadam entre R$ 2,5 mil e R$ 3,5 mil por evento. Os gastos com aluguel de araras, biombos e pufes para o evento sai do bolso delas. E mesmo o que encalha nas araras ganha destino próspero. ;A gente entrega a uma pessoa superenvolvida com a Sociedade que promove bazares beneficentes em Brasilinha. Ela revende as peças a R$ 1 ou R$ 2 na própria Sociedade e destina a verba à caridade;, conta Ana Luiza.

A casa do Muito Chic é, geralmente, o Deck do Lago Sul, no BSB Brechó, um encontro que de quando e quando reúne brechós da cidade. Há pouco tempo, no entanto, o evento foi parar também na UnB. ;Mobilizei as pessoas que trabalham comigo no Laboratório de Sustentabilidade e Inclusão e a gente conseguiu com a reitoria um espaço na universidade;, conta Raquel. ;Um monta, outro desmonta, outro cuida do caixa. Nós dividimos a responsabilidade de fazer a coisa funcionar e vamos nos ajudando;, resume a professora. A empreitada deve ganhar uma segunda edição em breve. No Deck, o próximo encontro está previsto para o mês que vem.

Mas há outras formas de fazer com que a bolsa Chanel vire doação. A dona do Peça Rara, Bruna, conta que muita gente deixa as peças lá e usa o crédito das vendas para ajudar a quem precisa. Ou a pessoa doa o dinheiro arrecadado nas vendas ou cede o crédito de compras no próprio brechó para as empregadas e babás que trabalham na casa delas. Um círculo de trocas em que o saldo é positivo para todos os envolvidos.

No tapete vermelho
As brasileiras demoraram um pouco a perder o preconceito com artigos de segunda mão, mas a prosperidade dessas lojas não nega: fazer Apresentar Alexa Chung aos fashionistas e moderninhos mais antenados talvez seja desnecessário. Mas, a quem ainda não tenha ouvido falar da moça, eis a ficha: britânica, 28 anos, ex-modelo, ex-VJ da MTV, musa de Karl Lagerfeld, estilista da Chanel. Ela não se cansa de ser fotografada nas primeiras filas mais disputadas das semanas de moda e, pelas revistas e blogs de estilo, leva o título de it girl ; por sinal, sempre contestado pela própria. Alexa é um tanto alternativa, com um pé no indie rock e outro no romantismo e, em pouco tempo, virou queridinha de estilo dos mais descolados. Vive pelos tapetes vermelhos vestida de grifes, mas já disse algumas vezes em entrevistas que a maioria das peças caras que desfila são emprestadas e que os preferidos do seu guarda-roupa foram quase todos garimpados em brechós confusos pelo mundo ; as thrift shops, como são conhecidos lá fora. Tanto que, entre o fim de 2010 e o início de 2011, Alexa esteve às voltas com as gravações do programa Thrift America, em que, como apresentadora, desenterrava tesouros de lojas de usados pelos Estados Unidos. Com status de especialista, Alexa vive distribuindo dicas de compras em brechós em entrevistas. Algumas delas:
# Invista em casacos escolares tipo high school norte-americana. São clássicos.
# Cheire a peça antes de comprar.
# Não use nada antes de lavar com cuidado.
# Não tenha medo de explorar a seção masculina. O andrógino pode ser chique.

Encontro de brechós
As brasileiras demoraram um pouco a perder o preconceito com artigos de segunda mão, mas a prosperidade dessas lojas não nega: fazer Se você quer se desfazer de itens pessoais, mas não sabe como, ou não quer investir em uma loja, ainda que virtual, uma das opções é se juntar às feiras de brechós que rolam na cidade. Um dos encontros pioneiros de gente querendo fazer dinheiro com o que andava encostado é o Galpão Brechó. A dona da iniciativa, Sâmia Falcão, começou a fazer pequenos encontros há mais de cinco anos, em um dos prédios comerciais do Sudoeste. As meninas descoladas se encontravam para a divertida desova. Começou com 4 pessoas e, no fim, não tinha espaço para quem queria participar.

A síndica do prédio se irritou com a movimentação de fashionistas e proibiu a feirinha. Sâmia decidiu então criar um evento maior. Assim surgiu o Galpão, que acontece no Gilberto Salomão. Já são quatro edições, a próxima agendada para abril. São mais de 35 pessoa que alugam um espaço por R$ 800 para se desfazer de roupas, calçados e acessórios em três dias. O negócio é bem lucrativo. ;É uma oportunidade de os brechós divulgarem o trabalho e garantirem clientela. Também é uma forma de reunir as amigas e renovar as peças do armário. Já vi gente aqui vender tudo no primeiro dia e gente que ganhou mais de R$ 15 mil;, comenta Sâmia.

Em Brasília ainda tem o encontro Fora de Rede, um espaço físico onde brechós virtuais da cidade se encontram. Na última edição, a quarta, foram 30 lojas reunidas na 202 Norte, a quadra dos descolados. A próxima edição, ela espera, deve ser na Praça do Relógio, em Taguatinga, em abril. Quem quiser participar, deve desembolsar a quantia de R$ 50 para um dia de feira.

ENTREVISTA //Chiara Gadaleta
As brasileiras demoraram um pouco a perder o preconceito com artigos de segunda mão, mas a prosperidade dessas lojas não nega: fazer Conhecida pela beleza e pelo estilo marcante, a consultora de moda Chiara Gadaleta defende no mundo fashion o consumo consciente e a moda sustentável. Ela é dona do projeto Ser sustentável com estilo, cuja missão é ;usar a moda e a beleza como agentes de transformação;, permitindo o upclycling, ou seja, ;o processo de transformar resíduos ou produtos inúteis em novos materiais ou produtos de maior valor, uso ou qualidade;. E nessa quase reciclagem fashion, os brechós podem ser um fonte preciosa de matéria-prima, como ela diz nesta entevista.

Você já falou mais de uma vez do conceito de ;luxo do lixo;. O que isso significa na prática?
Significa transformar tudo que acabaria sendo descartado em novas peças e sempre lindas! Usar estoques de tecidos antigos que não estão sendo utilizados em coleções novas, usar a customização, o reaproveitamento , a reciclagem e o upcycling.

Você sempre diz que compra roupas em brechós? Pra você, o que significa consumir nesse tipo de loja?
Usar peças vintage de qualidade é uma forma de prolongar a vida útil dessas peças e, principalmente, ajudar seu estilo pessoal. Peças de brechó são exclusivas e cheias de personalidade, e, muitas vezes, têm mais qualidade e estilo do que as peças fast fashion. Mas cuidado: o barato pode sair caro. Nada de comprar por impulso. Mesmo uma roupa mais barata pode acabar sendo descartada. Consumir de forma consciente é a melhor saída.

Fala-se muito da moda descartável e de consumismo desenfreado. O brechó seria uma alternativa para fazer com que uma roupa sobreviva às estações, às coleções e seja usada por mais de uma pessoa?
Sim, as peças de brechó que sobrevivem ao tempo podem ser usadas para sempre e não são encaixadas facilmente em tendências. Muitas vezes, uma peça feita nos anos 1980 é de melhor acabamento do que uma de hoje. Naquela época, a qualidade valia mais. E as margens de lucros eram menores. Voltando à questão do estilo, hoje as consumidoras de moda já entenderam que peças de brechós se sobressaem mais no look e, como todas querem ser diferentes, esse consumo tem se tornado cada vez mais popular.

Qual é a diferença entre o mercado de brechós no Brasil e no exterior?
No exterior existem mais opções e a cultura do brechó existe há muito mais tempo.

Percebe-se um aumento do número de lojas que vendem peças usadas por aqui. Você acha que os brasileiros estão deixando o preconceito de lado e consumindo mais roupas usadas, fazendo trocas entre amigos, vendendo na internet o que não usam mais?
Sem dúvida. Esse é o sinal dos novos tempos. Tempos de maior consciência da parte de toda a cadeia da moda.

Quem você acha que é o público que consome em brechós no Brasil?
Jovens que têm informação de moda e que estão preocupados em valorizar o slow fashion, e não incentivar o fast fashion.

O que você acha que torna um brechó interessante?
Ter peças de qualidade e representativas de cada época.

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