As piadas com os argentinos já não são tão engraçadas quanto antes. São poucos os que ainda riem, às gargalhadas, de anedotas que ridicularizam as louras. A graça agora está no mau humor. Para constatar que o gosto do brasileiro tem mudado, basta prestar atenção ao que faz sucesso ultimamente. A última moda, por exemplo, é uma página no Facebook chamada Gina Indelicada, na qual os leitores enviam perguntas variadas a uma mulher virtual (que tem a aparência daquela mocinha que estampa, há anos, a caixa de palitos de dentes) e esperam, ansiosos, por suas respostas ácidas e irônicas. Mesmo com toda a polêmica que cerca o perfil ; dizem que o dono da ideia ficou famoso ao usar as piadas prontas de outros autores ;, mais de 2 milhões de pessoas já curtiram a página.
Na rede social não faltam exemplos de perfis mal-humorados, considerados engraçados. Procure por Seu Lunga, um caboclo conhecido pela falta de paciência; pela Coruja da depressão; pela Medicina da depressão ; aliás, quase todas as profissões estão representadas em páginas que elencam suas piores características ;, e tem até Clarice (a Lispector) de TPM. No Twitter, o perfil mais famoso do gênero é o @bomdiaporque. Acha pouco? Na televisão, o doutor House é o expoente máximo do mau humor, mas a maioria dos seriados americanos também aposta na ironia como piada. Family Guy, American Dad e outros tantos seguem a mesma receita.
Segundo o cartunista Arnaldo Branco, criador da ácida tirinha Mundinho animal, essa espécie de humor nasceu de ;uma milenar tradição de ódio sublimado através do alívio cômico;, ou seja, sempre existiu a necessidade de externar as coisas ruins do dia a dia e a forma mais fácil, ou saudável, de fazer isso foi transformá-las em piada. E como o humor não tem alvos específicos, essas brincadeiras não trazem grandes consequências para quem as faz ; ainda que sejam de humor negro. ;A gente sempre acha que a piada é com outro;, afirma o cartunista.
Rir por quê?
O estudante Yuri Alencar, 23 anos, por exemplo, sempre preferiu o humor mais irônico. ;Gosto porque foge daquele velho estereótipo do politicamente correto, que jamais mexe nas feridas da sociedade;, explica. Ele acrescenta que passou a se interessar ainda mais pelo assunto com a explosão do YouTube e a febre de páginas de conteúdo ranzinza no Facebook.
Para Yuri, o humor americano tem influência forte nessa mudança do perfil brasileiro, uma vez que considera que o stand-up comedy, criado nos Estados Unidos, é a principal referência do estilo. ;Exemplo disso é o Rafinha Bastos, que, mesmo abusando de suas piadas mal humoradas, é uma das personalidades mais influentes no Twitter. Alguns grupos de teatro, como G7 e Melhores do Mundo, também usam esse tipo de humor com temas adaptados à realidade brasileira;, opina o estudante. Fã de seriados como Family Guy, Simpsons e South Park, Yuri acredita que os humoristas da atualidade se formaram assistindo aos programas e foi aí que a ironia tomou conta do humor brasileiro.
;Acho que estamos passando por um período do politicamente correto e esquecendo que a sociedade é repleta de preconceitos enrustidos. O crescimento desse tipo de humor é uma saída nessa bolha do supercorreto, que só fala daquilo que a maioria da sociedade está acostumada a escutar. Nosso humor continua o mesmo, só mudaram os alvos dos comediantes;, considera Yuri.
Leia a matéria na íntegra, na edição impressa da Revista n; 390.