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Mudança de humor

Comentários sarcásticos na internet e perfis de personagens ranzinzas são populares entre os brasileiros. É o mau humor que faz as pessoas rirem. Afinal, estamos achando graça do quê?

Juliana Contaifer
postado em 04/11/2012 08:00

Comentários sarcásticos na internet e perfis de personagens ranzinzas são populares entre os brasileiros. É o mau humor que faz as pessoas rirem. Afinal, estamos achando graça do quê?

As piadas com os argentinos já não são tão engraçadas quanto antes. São poucos os que ainda riem, às gargalhadas, de anedotas que ridicularizam as louras. A graça agora está no mau humor. Para constatar que o gosto do brasileiro tem mudado, basta prestar atenção ao que faz sucesso ultimamente. A última moda, por exemplo, é uma página no Facebook chamada Gina Indelicada, na qual os leitores enviam perguntas variadas a uma mulher virtual (que tem a aparência daquela mocinha que estampa, há anos, a caixa de palitos de dentes) e esperam, ansiosos, por suas respostas ácidas e irônicas. Mesmo com toda a polêmica que cerca o perfil ; dizem que o dono da ideia ficou famoso ao usar as piadas prontas de outros autores ;, mais de 2 milhões de pessoas já curtiram a página.

Na rede social não faltam exemplos de perfis mal-humorados, considerados engraçados. Procure por Seu Lunga, um caboclo conhecido pela falta de paciência; pela Coruja da depressão; pela Medicina da depressão ; aliás, quase todas as profissões estão representadas em páginas que elencam suas piores características ;, e tem até Clarice (a Lispector) de TPM. No Twitter, o perfil mais famoso do gênero é o @bomdiaporque. Acha pouco? Na televisão, o doutor House é o expoente máximo do mau humor, mas a maioria dos seriados americanos também aposta na ironia como piada. Family Guy, American Dad e outros tantos seguem a mesma receita.

Segundo o cartunista Arnaldo Branco, criador da ácida tirinha Mundinho animal, essa espécie de humor nasceu de ;uma milenar tradição de ódio sublimado através do alívio cômico;, ou seja, sempre existiu a necessidade de externar as coisas ruins do dia a dia e a forma mais fácil, ou saudável, de fazer isso foi transformá-las em piada. E como o humor não tem alvos específicos, essas brincadeiras não trazem grandes consequências para quem as faz ; ainda que sejam de humor negro. ;A gente sempre acha que a piada é com outro;, afirma o cartunista.

Rir por quê?

O estudante Yuri Alencar, 23 anos, por exemplo, sempre preferiu o humor mais irônico. ;Gosto porque foge daquele velho estereótipo do politicamente correto, que jamais mexe nas feridas da sociedade;, explica. Ele acrescenta que passou a se interessar ainda mais pelo assunto com a explosão do YouTube e a febre de páginas de conteúdo ranzinza no Facebook.

Para Yuri, o humor americano tem influência forte nessa mudança do perfil brasileiro, uma vez que considera que o stand-up comedy, criado nos Estados Unidos, é a principal referência do estilo. ;Exemplo disso é o Rafinha Bastos, que, mesmo abusando de suas piadas mal humoradas, é uma das personalidades mais influentes no Twitter. Alguns grupos de teatro, como G7 e Melhores do Mundo, também usam esse tipo de humor com temas adaptados à realidade brasileira;, opina o estudante. Fã de seriados como Family Guy, Simpsons e South Park, Yuri acredita que os humoristas da atualidade se formaram assistindo aos programas e foi aí que a ironia tomou conta do humor brasileiro.

;Acho que estamos passando por um período do politicamente correto e esquecendo que a sociedade é repleta de preconceitos enrustidos. O crescimento desse tipo de humor é uma saída nessa bolha do supercorreto, que só fala daquilo que a maioria da sociedade está acostumada a escutar. Nosso humor continua o mesmo, só mudaram os alvos dos comediantes;, considera Yuri.

Leia a matéria na íntegra, na edição impressa da Revista n; 390.

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