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Melancolia que ronda o berço

Semelhante à depressão pós-parto, o baby blues acomete mulheres que acabaram de dar à luz. O apoio familiar é fundamental para superar essa fase difícil

postado em 24/02/2013 08:00
Semelhante à depressão pós-parto, o baby blues acomete mulheres que acabaram de dar à luz. O apoio familiar é fundamental para superar essa fase difícilA chegada de um filho é um momento de alegria para muitas famílias. O quartinho do bebê está pronto; o enxoval, arrumado no armário, e os presentes, organizados para receber a criança. Até que uma tristeza profunda e sem qualquer motivo bate à porta. Mães de primeira viagem, principalmente, costumam chorar a toda hora nas primeiras semanas pós-parto. Grande parte delas não compreende aquele sentimento de melancolia que em nada combina com a felicidade de ter o primogênito nos braços. O diagnóstico de blues puerperal (nome científico) ou baby blues, como é popularmente conhecido esse estado passageiro de depressão, pronuncia-se entre 50% e 80% das mulheres. No entanto, ainda falta informação e preparo para que elas ; além do marido e de familiares ; entendam o que está acontecendo.

"Meu marido e meus pais não entendiam por que eu chorava tanto. Já sabia o que poderia ser, tanto que, quando comecei a sentir aquela tristeza, procurei algumas amigas que também são mães para saber mais a respeito", relata a bancária Raquel Garcês, 35 anos. A melancolia pós-parto se mostrou logo nas primeiras semanas depois que havia chegado em casa com a filha. Apesar de ter lido sobre o assunto, Raquel não conseguia evitar o sentimento de desamparo e impotência ao ver a filha, tão pequena, indefesa e dependente dela. "Muitos julgam mal esse comportamento e perguntam: ;Por que você está chorando se sua filha é saudável e linda?; Eu também não entendia. Além de chorar, perdi o apetite. Tudo muda de uma hora para outra e ninguém lhe conta que isso pode acontecer. Contam apenas o lado bonito de ser mãe", desabafa.

De fato, mesmo que a mulher se informe sobre a possibilidade de apresentar sintomas de depressão nas primeiras semanas após o parto, o sentimento não responde à compreensão racional. Um dos fatores para que essa tristeza ganhe forma é a alteração hormonal característica do período. "Há uma diminuição abrupta da progesterona. E mesmo que alguns estudos falem que uma suplementação desse hormônio ajudaria, isso não está comprovado", esclarece a obstetra Raquel Armond, da Clínica Gestar do Hospital Anchieta. Além desse gatilho interno, somam-se razões externas.

A obstetra Ana Célia Bomfim, coordenadora do serviço de ginecologia e obstetrícia do Hospital Santa Luzia, explica que, apesar da interferência hormonal, a mudança da rotina se encarrega de montar o quadro de blues puerperal. "As mães podem até planejar a cor do quarto, a decoração, as roupinhas, mas não conseguem planejar o dia a dia com a chegada do bebê. A amamentação, as cólicas e as horas sem dormir. Tudo passa a ser diferente", descreve a médica. Para que essa mudança não pegue a mãe de surpresa, a obstetra aposta numa rede emocional fortalecida. Ou seja, marido e familiares mais próximos devem se preparar para os desafios que surgirão com a chegada da criança. "As mães também não devem se culpar. Não tem problema chorar. Afinal de contas, é normal o cansaço", acrescenta Ana Célia Bomfim.

Raquel confessa que o obstetra não a alertou com muitas informações a respeito. Ela tampouco sentiu segurança em compartilhar com o médico esse momento "punk", como definiu. Já a servidora pública Priscila (nome fictício), 28 anos, teve outra resposta do médico. Como o choro não cessava, ela procurou o obstetra e compreendeu que outras mulheres também passavam por aquela situação. "Achava que o desânimo era coisa minha. Porque eu queria estar com meu filho, amamentar, fazer carinho. Quer dizer, minha relação com ele não estava estranha. Acho que, por isso, demorei para me preocupar", conta.

Diferentemente da depressão pós-parto, que delineia os primeiros traços durante a gestação e que é diagnosticada e acompanhada pelo obstetra, o baby blues é um estado depressivo passageiro, mas sem tratamento. "Agora, se a mãe começa a conversar com outras a respeito para saber como vai ser a nova rotina, se ela tiver o apoio do marido, pais, sogros e irmãos, ou seja, um bom suporte para cuidar do filho, aí sim teremos um índice menor de baby blues", enfatiza a obstetra Raquel Armond.

Hoje, Priscila e Raquel estão tranquilas ; elas viram que aquela melancolia não era para sempre. A servidora pública faz um acompanhamento com um psiquiatra e foi medicada. Ainda no período de licença-maternidade, ela se acostuma com a ideia de que terá que conciliar, com equilíbrio, a criação do filho com os dois empregos. "Meu próximo passo é fazer uma terapia, mas ainda não fiz porque falta tempo", conta. Com a filha de 5 meses no colo, Raquel também aprendeu a ter paciência para esperar o baby blues passar. "É tudo uma questão de tempo. Não tem outro jeito. Daqui a pouco, o corpo se estabiliza e a gente melhora", assegura.

Leia na edição impressa uma entrevista com Anna Mehoudar, psicanalista e autora do livro Da gravidez aos cuidados com o bebê

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