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Forças unidas contra o câncer

O oncologista Fernando Cotait Maluf pretende reunir em um único centro, em Brasília, todas as especialidades necessárias para a prevenção e o controle da doença

postado em 24/03/2013 08:00

O médico oncologista Fernando Cotait Maluf é modesto diante do seu trabalho. Apesar de ser considerado um dos melhores brasileiros na área, não deixa que isso mude em nada sua relação com os pacientes: a todos, dedica total esforço na tentativa de curá-los. Com formação médica pela Santa Casa de São Paulo, fez residência no Hospital das Clínicas de São Paulo, mas foram os quatro anos de Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, em Nova York, que o tornaram um especialista em oncologia. De volta ao Brasil, foi membro titular do Hospital Sírio-Libanês e, atualmente, chefia a oncologia clínica do Hospital São José ; Beneficência Portuguesa de São Paulo, além de fazer parte da equipe da OncoVida, em Brasília. Em entrevista à Revista, o especialista detalha seu projeto Perspectivas de Cura de Câncer, que montará um centro integrado de tratamento ao câncer na capital do país, ao lado de colegas de várias especialidades voltadas ao combate da doença.


O oncologista Fernando Cotait Maluf pretende reunir em um único centro, em Brasília, todas as especialidades necessárias para a prevenção e o controle da doença

O senhor lançou o projeto Perspectivas de Cura de Câncer aqui em Brasília. O que ele pretende?
Tenho vindo a Brasília sistematicamente, toda semana, na perspectiva de tentar, com outros colegas da área oncológica ; clínicos, radioterapeutas, cirurgiões, radiologistas ;, atender os pacientes da cidade e das regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste, dentro de um projeto no qual várias pessoas, não só eu, consigamos, cada vez mais, melhorar a prevenção, o diagnóstico, o tratamento e a pesquisa do câncer. Esse projeto, que começou há mais de um ano, envolve, no futuro, a organização de um centro integrado de oncologia em Brasília. Não apenas uma clínica de oncologia, mas um lugar onde cirurgiões, clínicos, radioterapeutas, patologistas, radiologistas, enfermeiras e fisioterapeutas tenham um trabalho multidisciplinar e que esse trabalho seja integrado, reunindo vários especialistas na tentativa de montar um centro de excelência máxima para o tratamento do câncer. Não só para Brasília, mas para o país.

Nós já temos, em Brasília, uma equipe multidisciplinar que possa fazer parte desse centro integrado de tratamento do câncer?
Sem dúvida. A minha impressão é que o nível médico de Brasília é excepcionalmente bom. Falo dos médicos oncologistas clínicos, dos cirurgiões, fisioterapeutas, patologistas e radiologistas. O que ocorre, talvez, é que esses profissionais trabalham de modo separado. Não há uma mesma estrutura, na qual eles possam ficar em uma sala de reuniões discutindo, debatendo e pensando os casos de forma conjunta. Talvez ainda não exista uma multidisciplinaridade tão perfeita quanto a que há em outros locais. Minha percepção é que os médicos da cidade são excepcionalmente bons, bem formados, mas que ainda existe um espaço para se desenvolver esse conceito multidisciplinar. É muito importante, quando o paciente vem procurar o médico, que ele entenda que existem várias pessoas importantes no seu cuidado, que ele conhece, vê durante a consulta, no centro cirúrgico, e outras que trabalham sem que ele veja. Então, pode ser que ele não conheça o radiologista que deu o laudo da sua tomografia. Só que, se esse profissional não faz esse laudo corretamente, isso pode comprometer todo o cuidado do paciente. Do mesmo modo, se o clínico não for tão preparado, pode comprometer completamente uma cirurgia muito boa. Por isso, o conceito que queremos reproduzir aqui é juntar todos os especialistas que fazem parte do tratamento do paciente e fazer com que eles trabalhem como num time de futebol altamente entrosado, em prol do bem comum, que é a detecção precoce, o diagnóstico impecável e o tratamento de alto padrão.

Já há uma previsão de quando o centro começará a funcionar?
A primeira percepção que tenho é que os médicos da cidade têm uma vontade grande de fazer parte de um centro como esse. Existe uma necessidade não só minha, mas de vários colegas, de trabalhar dessa forma. A segunda percepção é que, além da vontade, existe provavelmente uma necessidade. Isso é muito fácil de ver quando organizamos reuniões para discutir casos complexos, das quais vários especialistas de várias clínicas e hospitais participam. Caminhamos, nesse sentido, para um projeto com um padrão muito parecido ao de outros grandes centros.

De que forma os pacientes podem ser beneficiados?
A incidência de alguns tipos de câncer no país vem aumentando; o diagnóstico vem melhorando; a população vive mais e está mais sujeita a desenvolver um tumor. Talvez, fatores dietéticos, relacionados ao nosso dia a dia, como o cigarro e a ingestão de álcool, estejam contribuindo para o aumento do câncer em vários locais. O Distrito Federal não é uma exceção. Existe uma necessidade premente de grandes centros de câncer para o atendimento da população. O motivo que me faz estar aqui, na cidade, é melhorar o nível de atendimento e tratamento dos pacientes, não só os do DF, mas de toda a região e de toda essa malha aérea que, eventualmente, passa por Brasília. A cidade está em um ponto estratégico, é capital do país e tem projeção em vários ramos ; precisa de um centro como esse.

O Brasil é, atualmente, considerado um dos polos de pesquisa em tratamentos contra o câncer. Como o centro contribuiria para esse cenário?
A filosofia do centro integrado da Beneficência Portuguesa, em São Paulo, é excelência em pesquisa, ensino e assistência médica. Queremos introduzir esse tripé em Brasília. A capital já tem pesquisa, bom ensino e boa assistência médica, mas há sempre campo para melhorar. A ideia desse centro integrado de tratamento do câncer é garantir que, no futuro, não tenhamos apenas uma excelente assistência, mas que seja possível termos uma residência médica formando oncologistas, para que eles trabalhem conosco, como fazemos em São Paulo, e que sejam, então, profissionais. É o que chamamos de capilarização de excelência. Outro ponto importante é a pesquisa. Nós e outros centros executamos pesquisas e queremos que elas prosperem aqui no DF.

Podemos dizer que vivemos uma epidemia de câncer ou o aumento no número de casos está relacionado ao fato de estarmos vivendo mais?
A preocupação com o câncer é muito importante. Existem métodos de prevenção primários, como melhorar a dieta, diminuir a ingestão de álcool, zerar o tabagismo, praticar esportes e perder peso. Mas houve uma melhora também no rastreamento: exames que detectam doenças pré-malignas ou malignas em estágios precoces, tornando o tratamento mais simples e mais barato, menos custoso em termos de efeitos colaterais e muito mais eficaz. Existem avanços imensos para quem já teve o diagnóstico de câncer no que tange à melhora dos tratamentos oncológicos, à inteligência das drogas que atacam pontos específicos do tumor, às radioterapias, às técnicas cirúrgicas menos invasivas etc. A medicina oncológica avançou tanto que, hoje, os pacientes começam a ser vistos por subespecialistas, médicos que entendem de modo mais profundo de alguns tipos específicos de tumores. Um conceito muito importante para um paciente com câncer é que ele deve procurar um centro de referência. Nada mais importante do que o primeiro tratamento. Ele é o divisor de águas na evolução de um caso.

O oncologista Fernando Cotait Maluf pretende reunir em um único centro, em Brasília, todas as especialidades necessárias para a prevenção e o controle da doença


O quanto ainda há de desinformação entre as população sobre os fatores de risco do câncer, como o cigarro?
Nós, médicos, temos uma preocupação assistencial, de pesquisa e de ensino. Mas existe também o compromisso de informar a população. Nesse momento, eu, o Dr. Dráuzio Varela e o Dr. Antônio Carlos Buzaid estamos finalizando um livro sobre câncer para não médicos ; pacientes e familiares. E também trabalhamos num site sobre o mesmo assunto, porque ainda existe uma carência muito grande de informação. Esse projeto, que está em fase de finalização nos próximos dois meses, vai ser importante no sentido de permear o país, como num efeito de diapasão, permitindo que as pessoas, não necessariamente as que vemos no consultório, se informem para desmitificar a doença. Assim, o médico faz um trabalho social, e não só assistencial.

De que forma podemos obter um diagnóstico precoce de câncer?
Na verdade, temos duas posições para se evitar o câncer. A primeira é a que chamamos de prevenção primária, tendo uma vida mais saudável. Dietas ricas em vegetais, como frutas e legumes, pobre em gordura animal, condimentos, evitar o cigarro, moderar na bebida e praticar exercício físico. Essas são medidas preventivas ; elas evitam que algo de ruim aconteça em nosso corpo. Aí vem o rastreamento, que nada mais é que condutas periódicas de avaliação médica. Então, se identifica algo que ainda não é, mas poderia se desenvolver no futuro. Por exemplo: de acordo com a Sociedade Brasileira de Urologia, os homens devem fazer o exame do PSA e o toque retal anualmente a partir dos 50 anos de idade. Para aqueles com histórico familiar, a partir dos 40 ou 45 anos. Em relação à mama, nós recomendamos ultrassom e mamografia a partir dos 35 anos. Com o câncer de intestino, a indicação é a colonoscopia a partir dos 50 anos. Avaliação ginecológica e de papanicolau em jovens, no início da vida sexual. Fumantes pesados precisam de tomografia. Esses são exames de rastreamento, que detectam o pré-maligno e o maligno, mas com taxas de cura maiores.

Quais são os avanços mais importantes em relação aos tratamentos?
São os painéis moleculares. Em alguns tipos de tumores, nos quais, eventualmente, o paciente receberia algum tratamento quimioterápico e cirurgia para câncer de mama, isso pode ser evitado baseado em testes com a análise do patologista ao microscópio. São testes mais apurados que conseguem poupar algumas dessas mulheres da quimio. Isso já existe para o câncer de mama e, talvez, comece a ser usado para câncer de intestino e de pulmão. Outro grande avanço é o desenvolvimento de drogas-alvo inteligentes, que tentam atacar pontos específicos geradores de metástases. Outra novidade são as medicações que contrapõem os efeitos colaterais dos tratamentos, preservando, na medida do possível, o paciente. Há também os testes nos quais você sabe se o paciente vai se adaptar a determinado medicamento ; são baseados na sensibilidade ou na resistência do tumor em contato com cada droga. Você fica sabendo o que vai ou não funcionar. A radioterapia tem avançado sobremaneira: mais específica, com menos efeitos colaterais, mais efetiva. O cenário é muito positivo. Obviamente, precisamos de profissionais altamente qualificados para trabalhar com tanta tecnologia.

A oncologia vem evoluindo a passos rápidos? Há um quadro de sobrevida cada vez maior?
A melhora é progressiva e gradual para situações de maior cura ou de maior controle e menos efeitos colaterais, como se fosse o tratamento de uma doença crônica. Sempre falo para os meus pacientes que a diabetes não é curável, mas se controla com medicação. Do mesmo modo que a pressão alta. No futuro, para os casos de câncer que não têm cura, nós queremos permitir que esses remédios executem a missão de manter o tumor sob controle, dando uma perspectiva de vida muito boa a curto, médio e longo prazos, como se fosse um tratamento de diabetes, por exemplo.



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