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Soliedariedade virtual

Ser solidário não quer dizer estar no lugar ou na companhia de quem se pretende ajudar. Há uma série de ações e projetos de voluntariado possíveis de serem executadas pela internet

postado em 15/09/2013 08:00

Por Maria Júlia Lledó

Durante a primeira década deste século, as rede sociais tornaram-se ferramentas de grande potencial de comunicação. No entanto, neste ano, sobretudo, o Brasil viu que essa plataforma não estava destinada tão somente à divulgação de imagens, de vídeos, de eventos ou de informações de cunho pessoal. Muito mais que isso. E uma prova desse potencial foi o levante de mobilizações sociais que pipocaram, principalmente, desde junho. As mesmas redes mostraram a força e a ação de um ;curtir; ou ;compartilhar; e um novo perfil de internauta: jovens mais ativos e participativos em causas sociais. Os brasileiros são muito entusiastas da rede social, por isso aumentou muito nosso número de membros e, logo, o volume de e-mails. Não dá para subestimar as mídias sociais;, pontua Caroline d;Essen, de 32 anos, coordenadora de campanhas da Avaaz, referindo-se aos 5 milhões de brasileiros que formam essa comunidade no país. Envolvida em causas sociais, políticas, ambientais, entre outras, a Avaaz aposta nessa nova geração. Não só por assinarem e divulgarem petições que promoveram, por exemplo, a votação pelo fim do voto secreto no Congresso, mas também por se engajarem como voluntários. Dessa vez, pela internet.

Pioneiro no país, o portal Voluntários Online foi criado pelo Instituto Voluntários em Ação (IVA) em 2008. Devido a uma maior dificuldade de mobilidade nos centro urbanos e a imersão cada vez maior de jovens na internet, mais homens e mulheres optaram por ajudar instituições e causas sociais sem precisar sair de casa. ;Nessa leva, o perfil dos voluntários se modificou. Se antes eram apenas pessoas mais velhas, em fase de aposentadoria ou donas de casa, de repente, por meio do portal, atraímos um público jovem e muito escolarizado. Foi uma reviravolta grande no voluntariado;, destaca Ana Maria Warken do Vale Pereira, diretora do IVA. São estudantes ou graduados em direito, economia, desenho industrial, entre outros cursos, que passaram a compartilhar o conhecimento em suas áreas com uma das 700 ONGs de todo o país cadastradas no portal. Seja na elaboração de projetos, na revisão de textos ou na criação de sites, o voluntariado online amplia o leque de ações positivas e forma novos agentes de mudança na era digital.

Fique ligado!
No próximo 24 de setembro, a 2; edição do Social Good Brasil ocorre na cidade de São Paulo e em livestream (plataforma que permite assistir ; e postar ; por vídeo na internet). Evento que apresenta soluções para problemas sociais a partir de novas mídias e da tecnologia, o Social Good Brasil surgiu da parceria entre o Instituto Voluntários em Ação (IVA), que gerencia o Portal Voluntários Online (VOL), e o Instituto Comunitário Column Wrap Grande Florianópolis (ICom). Neste ano, o tema é Inovação Social em uma Sociedade Conectada e reunirá 280 formadores de opinião e tomadores de decisão do Brasil e do mundo. Entre alguns palestrantes que são destaque internacional, Kriss Deiglmeier, diretora do Centro de Inovação Social de Stanford University, confirmou presença. Confira mais informações e acompanhe as discussões pela página socialgoodbrasil.org.br.

O brilho da solidariedade

O deficiente visual Aurélio Araponga, na foto com o voluntário Luiz Mourão,voltou a

Aurélio Araponga tinha 43 anos quando fechou o livro Capitães de Areia sem concluir o último capítulo. Nessa idade, foi surpreendido por um glaucoma que o levou à perda total da visão. Dessa e de outras obras de Jorge Amado, o aposentado guarda apenas fragmentos que a memória vai apagando. Aurélio teve que reaprender a ler com as mãos e aguçar a audição para que os romances do escritor baiano não o abandonassem novamente. Como ele, 6,5 milhões de brasileiros apresentam dificuldade severa para enxergar, segundo dados do censo demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado em 2010.

Frequentador assíduo da biblioteca do Centro de Ensino Especial de Deficientes Visuais, na 612 Sul, o aposentado só foi recuperar a esperança de que voltaria a ;ler; graças a um projeto brasiliense criado neste ano pela escritora e artista Adriana Ribeiro. A página da internet Purpurinar convida leitores voluntários de todo país a gravar, em voz, poesia, ficção, romances e outros gêneros literários. ;O projeto tem esse nome, porque acredito que somos todos poeira no ar, mas, com o voluntariado, viramos purpurina, nos iluminamos ao nos ajudar;, explica Adriana. As obras são disponibilizadas no site para aqueles que, assim como Aurélio, querem saber, do começo ao fim, a história de muitos livros que ainda não foram adaptados para o braile. Para divulgar essa ação, o link de download do audiolivro ou do texto é enviado às entidades de portadores de necessidades especiais de todo o Brasil.

O funcionário público aposentado, Luiz Mourão, de 63 anos, abraçou a ideia e se tornou um voluntário online. Acostumado ao formato presencial há 15 anos, desde que saiu do mercado de trabalho para atuar no terceiro setor, Luiz viu na nova ferramenta a possibilidade de ajudar. ;Há flexibilidade em termos de tempo e de mobilidade para os voluntários;, destaca. Por enquanto, o aposentado já gravou poesias e orações. ;O importante é ajudar de alguma forma e isso me traz felicidade. Pretendo continuar gravando audiolivros e adianto: o benefício é recíproco.;

O músico Daniel Sarkis, de 43 anos, também é voluntário do Purpurinar. Editor das gravações que vão para a página, Daniel nunca havia trabalhado antes como voluntário. A vantagem de poder fazer algo em qualquer horário e lugar do mundo foi o pontapé necessário para que ele compartilhasse o conhecimento como músico nesse projeto. ;Esse momento apareceu na minha vida, agora, para que eu visse que nunca é tarde para ser voluntário.;

Para o vice-diretor do Centro de Ensino Especial de Deficientes Visuais, Airton Dutra de Farias, a iniciativa de Adriana e dos outros voluntários do Purpurinar é um convite para que mais pessoas possam aumentar o acesso de deficientes visuais à literatura. Na audioteca do centro, por exemplo, o acervo é pequeno: aproximadamente 700 audiolivros. Aurélio e outros alunos acham pouco. ;Há quem escute o mesmo livro quatro vezes por falta de novas opções;, conta.

Saiba mais:

www.purpurinar.com.br


Para evitar fraudes e criar livros
Toda vez que fazemos o download de um filme, série, fotos ou livros na internet, nos deparamos com uma pequena caixa com letras e números distorcidos. A esse recurso usado pelo rograma para saber se você é humano ou um robô, dá-se o nome de captcha. Acreditava-se que essa ferramenta só tinha uma utilidade: evitar fraudes e vírus na rede. Até que um dos inventores dessa ferramenta, Luis von Ahn, notou outro potencial a partir dessa ferramenta. Que tal transformar esses 10 segundos de atenção dos usuários da internet para promover ma boa ação? A partir desse ano, sempre que o captcha usado no site for do projeto Recaptcha, ao digitar as letras da caixa, você estará ajudando a digitalizar livros. Como? Há um processo automático que digitaliza obras literárias, mas o computador tem dificuldades em ler algumas palavras de livros mais antigos. Assim, essas palavras que o sistema não compreende ão jogadas no captcha. Nós as reconhecemos e ajudamos o mundo a ter mais livros digitais. Todos os dias, 200 milhões de aptchas são resolvidos por internautas em todo mundo, o que corresponde a, aproximadamente, 5 milhões de livros por ano.

Saiba mais na página: www.google.com/recaptcha

Um por todos e todos pela causa

Gabriel, André, Guilherme e Rodrigo: juntos no projeto decrowdfunding para financiar ações sociais

Outra ação que impulsiona projetos sociais e o voluntariado ela internet é o crowdfunding (financiamento coletivo). Por enquanto, o crowdfunding engatinha no país e ainda não há dados que mostrem a parcela de participação dos internautas brasileiros ou se os projetos sociais compartilhados recebem mais ou menos investimento que propostas na área de cultura, por exemplo. Mas novas iniciativas pululam na internet. Em Brasília, o Instituto Fight 4 The Poor (Lute pelos pobres) é um desses canais para financiamento de projetos de cunho social.

Criado por André Luiz Figueiredo Collier, de 25 anos, estudante de administração, e por Guilherme Basso, de 27 anos, consultor administrativo, em fevereiro de 2012, o instituto busca um aior envolvimento dos jovens na sociedade. ;Em 2010, quando teve o terremoto no Haiti, fui para lá três vezes para ajudar uma ONG a construir casas. Fiquei muito tocado com aquela realidade e, quando voltei, queria fazer algo no Brasil. Foi aí ue chamei o André para criarmos uma página de crowfunding em prol de ações sociais;, lembra. O nome que traz o Fight Lute), em inglês, não só faz alusão à emergência de uma ação, as também aos lutadores de MMA que, como Wanderley Silva, abraçaram a causa e cederam o direito de imagem para divulgar o projeto.

A ideia de André e Guilherme é de que mais ONGs incluam seus projetos sociais na página para que sejam financiados e tirados do papel, ou melhor, da tela. Como uma plataforma de divulgação, o Fight 4 the poor faz desde a pré-seleção, em que é nalisada a viabilidade técnica e financeira do projeto, até o acompanhamento e a execução. ;A divulgação maior do nosso rabalho ainda se dá pelas redes sociais. E os seguidores da nossa fanpage no Facebook não curtem por curtir. Eles querem se informar, ajudar, trabalhar como voluntários;, observa André.

Além de servir como ferramenta para o financiamento coletivo, o instituto atua em ações sociais nas cidades do DF com outros voluntários que participam presencialmente. O grupo também conta com voluntários que trabalham virtualmente na própria Fight 4 The Poor. Caso do estudante de direito Gabriel Abreu Ramos, de 22 anos, responsável pela arte das campanhas, da fanpage e do Instagram. Atividades que ele faz no tempo livre e com seriedade. O engenheiro agrônomo Rodrigo Ferraz, de 24 anos, dedica tempo e compromisso a projetos voluntários. No instituto, Rodrigo cuida da gestão de projetos. Não tem preço ver que podemos ajudar creches e escolas que não teriam condições de ter um parquinho ou uma sala de aula, por exemplo.;

Sarados, baladeiros e plugados na rede, André, Guilherme, Rodrigo e Gabriel derrubam quaisquer estereótipos. O papo entre eles é um só: fazer o bem em pequenas e grandes causas. Otimistas, eles acreditam que mais e mais amigos se unirão a eles como voluntários, principalmente porque o voluntariado on-line ganha mais adeptos em bits e bytes todos os dias. ;Esse é o poder de um clique. Você pode ajudar da maneira que puder or meio dessa conectividade e ser um agente de mudança;,
aposta Guilherme.

Sites de crowdfunding

Juntos com você: www.juntos.com.vc

Ulule: br.ulule.com

Impulso: www.impulso.org.br/pt

Bem feitoria: benfeitoria.com

Indiegogo: www.indiegogo.com

Fight 4 the Poor: www.f4tp.com.br

O bem que vai e volta
Thalita Gomes usou seus conhecimentos em administração para elaborar projetos para ONGs
Em 1998, o Instituto Voluntários em Ação (IVA) foi criado para difundir a cultura do voluntariado em Santa Catarina. Até então, uma realidade que não tinha qualquer impacto em Brasília. No entanto, 10 anos depois, com a criação do portal Voluntários Online, pioneiro em trabalho voluntário pela internet, a distância Santa Catarina e a capital do país encurtou consideravelmente. O portal abriu as portas para que organizações não-governamentais de todo o Brasil aderissem à proposta.

A partir daí, o instituto viu o potencial da internet para difundir voluntariado. Em 10 anos de trabalho com voluntários que atuavam de forma presencial, o IVA reuniu 5 mil cadastrados. Em volume bem menor ao que o portal arrebatou: 55 mil cadastrados em cinco anos de atuação na rede. Bastava a conexão da internet em casa, no trabalho ou em qualquer espaço com rede wi-fi para que mais voluntários navegassem na web a fim de ajudar como diagramadores, pesquisadores, advogados u webdesigners. A empresária Thalita Gomes de Oliveira, de 23 anos, faz parte desse grupo.

Ela ainda era estudante de administração da Universidade Católica Brasília (UCB) quando soube que era possível trabalhar como voluntária na área em que estudava. Ou seja, ajudaria outras pessoas e colocaria em prática as teorias vistas em sala de aula. Durante seis meses em 2011, e outro seis, no ano passado, Thalita elaborou projetos e atuou como pesquisadora em duas ONGs: uma de Santa Catarina e outra de São Paulo. No começo, ela lembra, não foi fácil. ;Boa vontade não é suficiente. Você tem que organizar seu tempo e também se qualificar. O bom do portal é que eles não só conectam você com outros voluntários, como também fornecem cursos gratuitos de capacitação. Tudo para incentivar.; Disciplina foi outra coisa que Thalita aprendeu como voluntária na internet. Qualquer meia hora que tinha ao longo do dia, entre trabalhar pela manhã e à tarde na Asa Norte, estudar pela noite em Taguatinga, voltar para a casa onde mora, na Ceilândia Norte, ela dedicava aos projetos com que havia se comprometido.

Hoje, ela dá créditos a essa experiência que a ajudou, inclusive, no fim do curso. O trabalho de conclusão de curso na área de políticas públicas estava diretamente relacionado aos assuntos com que lidava à distância, como voluntária, pela internet. Sem nunca ter trabalhado com voluntariado antes, Thalita acredita que se comprometeu ainda mais com problemas sociais. ;Montei uma empresa de webdesign que no escopo do plano de negócios inseri a responsabilidade social. Por exemplo, para organizações e projetos sociais, a gente cobra 50% do valor do contrato normal. Também estou fazendo uma pós-graduação em políticas públicas;, reforça.

Leia a íntegra da matéria na edição impressa da Revista do Correio

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