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Sempre cabe mais um

Na contramão da vida cada vez mais individualista, grandes famílias apostam nas vantagens de coabitar um espaço. Sob o mesmo teto, eles dividem o pão e o afeto, mas, acima de tudo, crescem enquanto seres humanos

Ailim Cabral
postado em 06/09/2015 08:00

A mãe, fazendo o almoço, percebe que precisa reduzir os copos de arroz, afinal, a casa tem menos moradores do que costumava nos últimos anos. Morando só pela primeira vez, o filho liga para a mãe só para conferir como é que se frita um ovo. A separação é sentida ; a prole cresce e constrói o próprio lar, deixando o ninho vazio. Mas, espera aí, o enredo não precisa ser esse: existem os que preferem continuar juntinhos. São avós, pais, netos, irmãos e primos que se deliciam com o convívio diário na mesma casa ou como vizinhos de porta, numa grande comunidade.

Nos últimos anos, percebeu-se no Brasil uma tendência de os filhos demorarem a sair de casa. Antes de zarpar, fazem faculdade, pós-graduações, mestrados e doutorados. O apoio financeiro e emocional se estende

para além dos 20 anos. As famílias desta matéria vão além: não cogitam cortar o cordão umbilical. É claro que, nesses casos, o tamanho da casa precisa acompanhar a pujança da árvore genealógica. A analogia se mostra adequada, uma vez que, a partir do tronco principal, os galhos vão se espalhando. Essas famílias são assim: frondosas e firmemente enraizadas.

Os Rodrigues ; um eterno Fla x Flu

Reunida na varanda da casa do patriarca, o analista de sistemas aposentado Francisco José Rodrigues, 66 anos, a família recebe a repórter enquanto assiste ao jogo do Fluminense contra o Paysandu. Os tricolores, incluindo Francisco, comemoram os lances enquanto os flamenguistas torcem contra e se preparam para o jogo do rubro-negro, que começa um pouco mais tarde.

Essa parece uma das únicas discordâncias da família. Tirando a rivalidade dos times cariocas, tudo flui em uma mesma direção. A família toda se divide em três condomínios no Grande Colorado. A casa mais distante fica a menos de 10 minutos a pé da casa de Francisco.

Há cerca de oito anos, Francisco e a mulher, a aposentada Lúcia Vânia Veiga Rodrigues, 62, se mudaram para a região. Um dos filhos do casal, o analista de sistemas Fabiano Veiga Rodrigues, 40, veio com os pais e saiu de casa logo depois de se casar com a também analista de sistemas Juliana Mara da Silva, 35 anos. "Eu me casei e saí de casa, mas é difícil para o homem largar a barra da saia da mãe e não aguentei ficar longe", brinca Fabiano. Não deu outra, tempos depois, migrou para o mesmo condomínio com seu próprio núcleo familiar: a mulher e os quatro filhos, Beatriz Mara, 12 anos; Fabrício, 7; Iara Mara, 4; e Igor Veiga da Silva Rodrigues, 1.

Já o irmão mais novo de Fabiano, Felipe Veiga, 38, mais um analista de sistemas, passou a morar num condomínio vizinho ao dos pais. "A família passa mais tempo junta e isso é saudável, os netos têm uma convivência quase diária com os avós e podemos contar uns com os outros nas emergências", afirma Felipe. Para ele, é gratificante ver os filhos André, 12 anos; Bruna, 9; Caio, 5; e Felipe Teixeira Rodrigues, 3, convivendo com os primos. "Eles são como oito irmãos, têm idades semelhantes, brincam e crescem juntos, além de estudarem na mesma escola, o que facilita as caronas."

O clã parecia estar completo com os dois filhos de Francisco e Vânia morando ao lado, mas a união não parou por aí. A irmã de Vânia, a dona de casa Vera Lúcia Veiga da Silva, 64 anos, e o marido dela, o analista de sistemas Gilberto Martins da Silva, 70, passavam todas as datas comemorativas na casa dos parentes e, naturalmente, se encantaram com o estilo de vida coletivo. "Há três anos, uma vizinha comentou que tinha uma casa à venda. O Gilberto adorou e nos mudamos logo", conta Vera. Para o casal, ter uma casa grande com espaço para os netos e para dividir o posto de anfitriões era essencial.

Foi aí que a rivalidade entre flamenguistas e tricolores se acirrou. Enquanto Francisco é Flu, Gilberto é Fla. Cada clássico carioca virou quase uma final de Copa. "O dono da casa é fluminense, mas aqui é o ninho do urubu", brinca Juliana. O sogro retruca: "Não é dividido, para ser dividido precisava ser metade de cada, e a maioria é Fluminense."

Juliana mora a menos de dois minutos da sogra e afirma: "Eles são como minha família, nos damos muito bem", diz. Quanto aos conflitos, eles praticamente não existem, pois todos têm muito respeito pela privacidade. "Por exemplo, se um dos filhos coloca os netos de castigo, a gente não se intromete", afirma Vânia, ao que Francisco completa baixinho: "Posso até tirar escondido, mas não me meto", ri.

Felipe e Fabiano concordam que os pais conciliam muito bem as individualidades. "Apesar de toda essa convivência, eles não se intrometem nas nossas decisões. Até conversam e orientam, mas, nas nossas casas, damos a palavra final", garante Fabiano. O irmão concorda: "Toda família tem seus problemas e existe um pouco de intromissão, mas é mínimo. Isso é fundamental para nos darmos bem", diz.

Francisco e Vânia, os pioneiros do condomínio, também só têm coisas boas a dizer da "alta densidade familiar por metro quadrado". "Qualquer problema, mesmo que seja no meio da madrugada, temos a quem recorrer", pondera Francisco. É uma via de mão dupla: Vânia sempre ajuda a tomar conta das crianças. Um dos momentos mais marcantes desse convívio foi quando Juliana foi dar à luz o filho mais novo, Igor. "O Fabiano me ligou no meio da madrugada desesperado, dizendo que ela estava em trabalho de parto e eu corri para a casa deles para ficar com os outros filhos", conta Vânia.

Além das quatro casas, existem mais três famílias vizinhas que são ramificações indiretas dos Rodrigues. O irmão de Gilberto, Luis Carlos Conceição, 55 anos, mora com a esposa no mesmo triângulo de condomínios (e também é analista de sistemas). O filho de Luis, Anderson Oliveira da Conceição, 35, (advinha a profissão) mudou-se para a área. Completando os 22 membros da grande família, a sogra de Felipe, Olívia Pinheiro, 64, professora de ioga (ufa), tem uma casa na mesma localidade.


Os Zapallás ; casa cheia na hora de comer e estudar

Essa família gosta tanto de se juntar e é tão unida que, em meio a tanta conversa, riso e entra e sai, fica difícil identificar quem é morador oficial do apartamento na Asa Norte e quem está apenas de passagem ou acampado. Existem também os que já viveram por lá em algumas temporadas e não querem abrir mão do título de moradores. Enfim, todos têm direito a um pedacinho da casa da avó.

Atualmente, porém, os residentes oficiais são oito. A matriarca da família, a pensionista Cleusa Pimentel Zapallá, 79 anos, morava com o marido no apartamento de cinco quartos. Há 19, Cleusa ficou viúva, e uma das filhas, a médica Ângela Beatriz Pimentel Zappalá, 52, tinha acabado de se separar e resolveu voltar para a casa da mãe com os três filhos. "Dizem que as pessoas saem de casa quando crescem e, depois de uma certa idade, tendem a voltar. Foi isso que aconteceu comigo", relata, bem-humorada.

Os filhos da médica, o chef de cozinha Fernando, 28 anos, a médica Andréa, 26, e o publicitário Lucas, 23, curtiram a ideia e não pretendem deixar a casa da avó tão cedo. "Eles cresceram e agora vieram os agregados", explica Ângela. Além dos cinco, moram na casa as mulheres de Fernando e Lucas, a advogada Taynara Zapallá Abdalla, 26, e a estudante de direito Gabriela Mayro, 20, respectivamente. O namorado de Andréa, o estudante de direito Luiz Henrique Pimentel, 23, também passa longas temporadas na "pensão da vó".

Engana-se quem pensa que acaba por aí. A família afirma que é praticamente impossível um dia em que estejam na casa somente os oito. Sempre tem pelo menos mais um elemento. As irmãs de Ângela, as médicas Ana Christina Zappalá Pera, 56 anos, e Martha Helena Pimentel Zappalá Borges, 54 anos, também se demoram por ali. "Fomos todas criadas em um ambiente familiar, de tradição e união, e acabamos levando isso para nossas vidas. Nós nos vemos praticamente todos os dias", conta Ana Christina.

Os filhos das duas também são presenças constantes. A prole de Martha, o médico Paulo Sérgio, 28 anos, o matemático Marco Antônio, 25, e a estudante de arquitetura Martha Carolina, 22, costuma usar a casa de Dona Cleusa como uma parada ao longo do dia. Não ficam mais de uma semana sem se reunir e aproveitam os almoços cheios para matar a saudade de todos. A namorada de Paulo, a médica Letícia Olivier Subbrack, 25, já entrou pro time. Na hora da foto da família, tentou fugir, mas a sogra não deixou. "Começou a namorar, agora faz parte, vai ter que aguentar", brinca. O marido de Martha também não fica de fora das reuniões, o médico Sérgio Zerbine Borges, 55 anos, também é frequentador assíduo da enorme mesa de almoço da família.

Assim como as irmãs, Ana Christina tem três filhos, dois meninos e uma menina. A fisioterapeuta Pollyana, 27 anos, o estudante de medicina Ricardo, 20, e o estudante de biomedicina Bruno, 19, completam o time de netos de dona Cleusa. O ramo da família tem um galho novinho, que é um enorme mobilizador: o filho de Pollyana, Rafael Marques Zappalá, 1 ano e 9 meses. Como primeiro bisneto e única criança pequena do clã, ele tem o dom de juntar todo mundo. Às segundas, quartas e sextas-feiras, o pequeno almoça no apartamento e todos aproveitam a oportunidade para fazer um afago.

Bruno é um dos mais frequentes no apê, com idade próxima à de Lucas, os primos se encontram várias vezes por semana. O estudante costuma, inclusive, dormir na casa. "Sempre tem alguém que acaba ficando, por ser mais perto do trabalho, ou de alguma festa, ou só para estar junto mesmo", conta Andréa. A moradora oficial ri ao contar que até um irmão por parte de pai, que não tem laços de sangue com os Zappalás, pernoita lá de vez em quando. "É uma bagunça, todo mundo próximo, quando minha mãe era casada com nosso pai, eles eram próximos e, por isso, ele também tem liberdade aqui", completa.

Os amigos, é logico, fazem do apartamento um quartel-general. De acordo com Andréa e Bruno, os dias são divididos: existem os de estudo (muito importantes para o clã), os de videogame e os dias de festa. Enquanto o grupo de estudos está saindo, costuma cruzar com o time do videogame e por aí vai.

A privacidade fica mais difícil, é verdade. "Mas a gente não tem vergonha um do outro; troca de roupa na frente da prima; entra para usar o banheiro enquanto alguém está no banho", conta Pollyana, rindo. "Mas é tudo muito suave, muito nartural", completa Andréa. Os jovens brincam ao dizer que não existe privacidade, mas depois de rir um pouco acabam concordando com os mais velhos, que afirmam que todos se respeitam bastante, e que as regras do minicondomínio são seguidas por todos.

Na hora de definir a regra número um da família, Ana Christina se adianta e dispara: "Ser feliz". Os outros concordam e completam com palavras como respeito, admiração, amor. "A gente se ama muito, então tudo vai se encaixando", diz Ana. Ângela concorda e acrescenta: "Respeitamos muito as diferenças de cada um e o jeito que a pessoa é", completa.

O apartamento é o ponto de referência de toda a família e todos parecem muito satisfeitos com a rotina, que permite uma interação tão intensa. As reuniões agora têm até um objetivo, organizar a comemoração de 80 anos de dona Cleusa. A ideia é reunir as três filhas, os nove netos e o bisneto, além dos agregados, em uma viagem para o Caribe. Festa ou viagem, sem dúvida, estarão reunidos em peso.


Os Parcas ; um condomínio só deles

Três irmãos que resolveram resgatar a união da infância e optaram por morar juntos, transformando as três famílias em uma só. Em três casas em um grande lote no Park Way, promovem a união entre os primos e sonham em preencher o terreno com cada vez mais casas, ou seja, o filho pode até sair da residência dos pais, mas não do condomínio Parca.

Tudo começou com a empresária Luciana Parca Guaritá, 46 anos. Quando se casou, há 25 anos, ela se mudou para a casa de fim de semana dos pais, os servidores públicos aposentados Lúcio Parca, 79 anos, e Janete de Miranda Parca, 78, construída em um terreno no Park Way, muito vazio na época. Luciana e o marido, o aeroportuário Carlos Henrique Guaritá, 44 anos, viveram durante muitos anos sozinhos nas redondezas. Um ano após o casamento, tiveram a primeira filha, a mestranda Camila Parca Guaritá, 24. Os estudantes Lucas, 20, e Paula Parca Guaritá, 15, vieram logo depois para completar a família. Lúcio tinha o costume de visitar a casa todos os dias, e o mantém até hoje, Janete não perde um fim de semana sequer.

Mas somente 11 anos depois, eles ganharam companhia constante: a irmã mais nova de Luciana, a servidora pública Renata Miranda Parca, 34, resolveu se mudar também. "Já tinha o terreno do meu pai, eu me casei e veio essa oportunidade", conta. As duas passaram cerca de 10 anos morando separadas e afirmam que a distância de tantos anos não as desuniu, mas ao se tornarem vizinhas, intensificaram a amizade. "Antes saíamos, íamos jantar, nunca deixamos de nos ver, mas morando perto, a gente se faz companhia, quando temos medo de noite, ficamos juntas", diz Renata, rindo. Renata e o marido, o servidor público André Miranda Barros, 36, moram na segunda casa do condomínio familiar com os dois filhos, Helena, 7, e Lúcio Sá Parca Barros, 3. "É ótimo para as crianças crescer perto dos primos e com um contato tão íntimo com a família, aqui eles também têm muito espaço para brincar", afirma Renata.

As irmãs acabaram inspirando a cunhada, a médica Lúcia Elmara Martins Parca, 47 anos, casada com o também médico Jaime Miranda Parca, 50 anos. "Meu marido sempre quis vir para cá, eu era um pouco mais resistente por causa da distância, mas sempre quis uma casa e sabia que seria bom ter a família toda reunida, foi a melhor coisa que fizemos", conta. A chegada do quarto filho foi decisiva, o apartamento não era mais o ideal para a grande família. Há seis anos, o último irmão e sua família se juntaram ao condomínio Parca.

O casal tem quatro filhos, os trigêmeos Attílio, Leonardo e Eduardo Martins Parca, 16 anos, e o caçula Fábio Henrique Martins Parca, 4, e Lúcia acredita que a mudança e proximidade com a família foi benéfica para todos. "As crianças têm um contato mais íntimo, não iriam se ver tanto se nós não morássemos todos juntos. Os mais velhos não conviveram tanto com os primos quanto o Fabinho convive", conta Lúcia.

Para Lúcio e Janete, ter os filhos morando todos no terreno é a realização de um sonho. "Meu pai sempre quis que todos morassem aqui, ele ficou muito feliz quando todos finalmente se mudaram e agora quer construir mais casas para que os netos também continuem aqui", conta Luciana. Janete afirma que ela e o marido pretendem se mudar para o terreno em breve. "Sabemos que vai chegar uma hora em que nossos filhos vão cuidar da gente e todos são maravilhosos. Ter todos aqui, juntos, é a coisa mais maravilhosa do mundo", diz, sorrindo.

Lucas está pronto para atender as expectativas dos avós. Apesar de se chatear quando quer dormir até tarde e os primos mais novos começam a fazer algazarra, gosta de morar perto da família e principalmente da proximidade com a natureza que o Park Way proporciona. "Amo esse lugar e, por mim, não saio nunca", afirma.

Apesar da reivindicação de Lucas por menos bagunça nos fins de semana, a família afirma que não tem problemas de privacidade. Lucas, Attílio, Leonardo e Eduardo se entreolham quando perguntamos sobre a privacidade e riem. "É difícil manter segredo aqui, muitos acabam vazando, mas também temos os que ficam só entre os primos", fala Lucas.

Os trigêmeos afirmam também que não tem como esconder as namoradas da mãe e das tias. "Se um namora, os outros acabam contando e aí tem que trazer para conhecer a família toda", conta Eduardo.

A alegre família não vê muitas desvantagens na proximidade. Lúcia acha que o fato de serem três casas, é fundamental. "Se fosse todo mundo em uma casa só, aí sim seria difícil", ri. Renata é cautelosa ao dizer que quando acontece alguma briga, o que é "muito, muito raro", destaca, a desvantagem é não poder ficar muito longe. "Cada um vai para sua casa, mas não tem como não encontrar, né? O bom é que, uns dois dias depois, já está tudo ótimo", completa.

Na hora de falar sobre a regra número um da família, todos começam a falar ao mesmo tempo sobre a união, mas a voz da avó se sobrepõe e ela afirma:

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