Tecnologia

Burocracia dos carimbos está com dias contados no controle de mercadorias no Brasil

Projeto-piloto de fiscalização por meio de radiofrequência começa a ser posto em prática em junho, num corredor de estradas que vai da Região Sul ao Amazonas. Ideia é que mercadorias tenham chips e caminhões não precisem parar em postos fiscais

postado em 26/04/2010 10:00
A burocracia dos carimbos está com os dias contados. Pelo menos, quando o assunto é o controle tributário de mercadorias que circulam pelo Brasil. Dentro de dois meses, o governo colocará em prática um projeto-piloto para testar a fiscalização por radiofrequência em todas as regiões do país. A iniciativa, batizada de Brasil ID, envolve a Receita Federal, o Ministério da Ciência e Tecnologia, as secretarias estaduais de Fazenda e empresas. A ideia é que, até agosto do ano que vem, o uso de antenas e chips na fiscalização seja validado para que o governo padronize e regulamente o assunto.

O Brasil, país de dimensões continentais, controla o fluxo das mercadorias que passam pelo território por meio da conferência de notas fiscais e da vistoria das cargas ; tanto nas estradas quanto nos portos e aeroportos. O procedimento tradicional, no entanto, é falho e muitas vezes causa prejuízos para as empresas, que precisam ficar horas no posto fiscal. ;As coisas melhoraram bastante com a nota fiscal eletrônica, mas a questão operacional ainda é bem pesada. Como precisamos fazer o registro de passagem de todas as cargas, todas têm de parar no posto e aguardar a vistoria. Com isso, bons e maus contribuintes caem na mesma vala;, detalha o gerente de Informações Econômico-Fiscais da Secretaria de Fazenda de Goiás, Eugênio César da Silva.

O estado recebeu um anteprojeto-piloto do novo sistema. Em outubro passado, o posto fiscal Juscelino Kubitschek, na cidade de Itumbiara ; a cerca de 425km de Brasília ; funcionou com uma antena de radiofrequência para auxiliar na fiscalização. Três empresas participaram do teste: a fabricante de cigarros Souza Cruz, a distribuidora Panarello e o laboratório de medicamentos Teuto. ;A ideia é boa, traz uma série de ganhos se for realmente implementada, principalmente quanto à segurança das cargas e à redução do tempo de transporte até o destino final;, afirma o coordenador de Logística do Teuto, Cláudio José da Silva. A empresa calcula que o prazo de entrega dos produtos seria reduzido em cerca de 30%.

A chegada das mercadorias de forma mais rápida ocorre porque os caminhões das empresas não precisam parar no posto para que os fiscais chequem se a declaração da carga está correta. O ;trabalho; todo é feito por uma antena de rádio, que se comunica com chips instalados nos produtos. O dispositivo pode ser colocado em qualquer parte da mercadoria ; na embalagem ou em circuitos internos, por exemplo ; sem alterar sua funcionalidade.

O diretor do Centro de Pesquisas Avançadas Werner von Braun, Dario Thober, explica que o chip carrega todo o ;histórico de vida; do produto. ;Ao passar pelas antenas, o dispositivo enviará as informações a uma central e poderá confirmar se a mercadoria passou por todos os estágios de fabricação corretamente, se a nota fiscal foi gerada, se chegou à transportadora e, até mesmo, ao cliente final;, diz Dario. O diretor esclarece que, apesar de circularem livremente pelo ar, os dados são criptografados(1) para garantir a segurança das empresas e mercadorias. O chip também não precisa de baterias ou eletricidade. O dispositivo se recarrega ao cruzar com as antenas, espalhadas ao longo do trecho. O centro Werner von Braun, uma entidade privada sem fins lucrativos, idealizou a implantação do novo sistema no país.

Padronização
Conhecida como RFID, a nova tecnologia já é aplicada em outros setores. A rede de supermercados Wal Mart, por exemplo, utiliza a radiofrequência para controle de estoque em suas lojas dos Estados Unidos. ;O diferencial é que aqui nós queremos um sistema integrado e padronizado funcionando em todas as regiões. Com isso, podemos reduzir os custos da implantação;, comenta Eugênio César da Silva, da Secretaria de Fazenda de Goiás. A expectativa é que o projeto-piloto comece no fim de junho e dure cerca de um ano. Nesse período, serão testadas antenas em postos espalhados por um corredor que irá da Região Sul até Manaus, no Amazonas. Equipamentos também serão colocados em portos e aeroportos.

Além de melhorar o controle tributário das mercadorias, o RFID também ajudará a coibir roubos nas estradas, fraudes, contrabando e pirataria. ;Com o chip programado, será possível verificar se houve qualquer desvio, tanto no processo de fabricação quanto durante o transporte;, ressalta o diretor do Centro de Pesquisas Werner von Braun. ;O roubo de cargas é uma preocupação grande da indústra farmacêutica. Se o projeto for realmente implementado, nos ajudará a rastrear de maneira mais precisa onde estão os produtos, uma vez que há um chip para cada caixa de medicamentos;, completa Cláudio José, do Laboratório Teuto.

Cláudio, no entanto, afirma que empresas e governo ainda precisam discutir como será o investimento. Para os testes iniciais, o Centro Werner von Braun disponibilizou a infraestrutura necessária. Já o projeto-piloto será financiado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). ;Colocar um chip em toda a mercadoria vai gerar um custo adicional. Ainda temos que debater esse assunto com o MCT;, pondera Cláudio.

1 - Dados a salvo
A criptografia é, na origem da palavra, a arte de escrever de forma oculta. Povos da antiguidade, como os gregos e os romanos, utilizavam essa técnica para salvar informações reveladoras. Nos dias de hoje, a criptografia é uma área da ciência da computação que se dedica a dar mais segurança às informações trocadas nos meios eletrônicos. Com chaves de códigos determinadas por bits, os criptógrafos conseguem codificar dados para que eles fiquem acessíveis somente ao emissor e ao receptor.

Leia entrevista com o gerente de Informações Econômico-Fiscais da Secretaria de Fazenda de Goiás, Eugênio César da Silva


Palavra de especialista

O propósito desse tipo de iniciativa é melhorar o controle para reduzir a sonegação e ampliar a justiça fiscal. Temos várias ações nesse sentido. A principal delas foi a implantação da nota fiscal eletrônica, que teve fase de testes em setembro de 2006 e passou a ser obrigatória para alguns setores da economia em 2008. Em outubro, queremos que todas as operações sejam feitas dessa forma, inclusive as interestaduais. Temos também o conhecimento de transporte eletrônico, que é um sistema que controla todas as operações de transporte de produtos no país. Já o uso do RFID está entre os projetos que ajudariam a melhorar o fluxo das mercadorias. Tem o objetivo de facilitar o controle fiscal e também de estoque das empresas. A ideia é favorecer, além do erário público, a logística das indústrias.
Eudaldo Almeida de Jesus, coordenador-geral do Encontro Nacional de Coordenadores e Administradores Tributários Estaduais

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