Tecnologia

Empresas de games investem em pesquisadores e especialistas em semiótica

postado em 22/11/2010 14:38

Os fãs de World of Warcraft ; um dos jogos eletrônicos de maior sucesso na última década ; coçam os dedos à espera da terceira expansão do game. A produtora Blizzard anunciou o produto para 7 de dezembro, com a renovação completa de Azeroth, o mundo onde se desenvolve a trama, e a criação de dois tipos de personagens. Para que as novidades realmente cativem os mais de 12 milhões de jogadores, contudo, é preciso que o enredo esteja bem amarrado, com avatares convincentes e uma programação bem estruturada. Missão bastante trabalhosa e que envolve o trabalho de dezenas de profissionais.

Ainda mais quando se trata de jogos comerciais. ;Grandes estúdios têm um verdadeiro exército de pessoas responsáveis pela pesquisa de mercado. São eles que apontam tendências, como a criação de um jogo de dança para a classe C, que gosta de música pop;, exemplifica o designer Daniel Gularte, autor do livro Jogos eletrônicos: 50 anos de interação e diversão (Editora Novas Ideias). E esse é só o começo do trabalho. Depois de escolher o público alvo, a empresa faz a ;encomenda; para a equipe de criação.

É quando começa a odisseia da produção do jogo. O time se divide na definição das regras, do conceito, na programação, na pesquisa de infraestrutura e na publicidade (veja arte). ;Há gente que se concentra na ludologia, na essência do game. Outros profissionais se dedicam à criação das referências semióticas, dos recursos auditivos, visuais e táteis para que o usuário interaja com a mecânica da brincadeira;, detalha Daniel Gularte.

Parece pouco? Pois só essa fase tem quatro diferentes etapas. É quando os artistas definem a aparência física do personagem, seu histórico de vida, suas habilidades, seus trejeitos. ;Nós fazemos vários desenhos, com o avatar de frente, de lado, de costas. A ideia é dar o máximo de informações para o pessoal que faz a modelagem;, explica Paulo Ítalo, um dos artistas 3D mais respeitados do país. A modelagem é a transposição dos desenhos do ilustrador para um programa de computador, como se fosse uma escultura virtual.

Em seguida, ocorre o mapeamento e a texturização do personagem, quando são colocadas as cores e as características de materiais. ;São coisa sutis, que mostram, por exemplo, a forma como a luz bate na pele e em diferentes objetos da cena;, detalha Paulo Ítalo. Depois disso, é a hora de dar movimento ao avatar: na etapa chamada de rigging, os artistas pensam em um esqueleto imaginário, que vai determinar a forma como o personagem se mexe. É a preparação para a animação propriamente dita.

Muitas vezes, o mesmo profissional faz toda essa tarefa. ;Em estúdios maiores, há diversas pessoas encarregadas dessas coisas. Eu sempre trabalhei em empresas pequenas, então recebo o briefing e me encarrego de tudo;, conta Paulo Ítalo. O artista trabalhou na produção do game Michael Jackson: The experience, lançado este ano pela Ubisoft. ;Modelei todas as versões do personagem e fiz as animações com base em videoclipes do astro;, lembra Paulo, que hoje é funcionário de uma empresa especializada em games para celulares e smartphones.

A plataforma onde o jogador está também ajuda a definir o game. Um jogo de RPG, como World of Warcraft, por exemplo, precisa de uma narrativa longa e bem elaborada, pois as pessoas passam muito tempo jogando, às vezes, anos. ;Jogos mais casuais, aqueles que são construídos especialmente para smartphones, precisam ser menos complexos, mais preocupados com a usabilidade;, destaca Daniel Gularte. Assim, não adianta inserir um comando muito elaborado que não poderá ser feito na tela do telefone.

Sincronismo

Todo esse trabalho só dará certo se houver muito diálogo com a equipe de tecnologia. Afinal, são os programadores que dizem se a ideia dos artistas é viável ou não. A coordenação dessa conversa fica a cargo do gamedesigner, alguém que, preferencialmente, deve se sentar ao lado do programador. O responsável pelas linhas de código tem que ser criativo e paciente. Também precisa se adaptar facilmente a mudanças. ;A pessoa não pode ser muito apegada ao próprio trabalho, porque, muitas vezes, é obrigada a jogar fora o que acabou de desenvolver para começar do zero;, diz Charles Barros, programados de games.

Geralmente, a versão final e integrada do jogo é feita na linguagem C , mas a prototipagem pode ser desenvolvida em qualquer formato. Charles afirma que não é fácil conseguir profissionais com o perfil adequado para trabalhar em estúdios. ;Recebemos poucos currículos de gente realmente interessada nessa área, com algum projeto pessoal no portfólio;, comenta. ;Pouco importa onde o programador trabalhou, o essencial é que ele tenha algo de autodidata;, diz.

Outra característica importante para quem pretende seguir a carreira é a comunicação. ;Você vai trabalhar com uma equipe multidisciplinar, precisa saber conversar com todas as partes;, ensina o gamedesigner Nicholas Souza, que integrou a primeira turma de design de games no Brasil, na Universidade Anhembi-Morumbi. ;Você vai ser responsável por um sistema, tem que saber um pouco de semiótica e psicologia;, diz. ;E, claro, é essencial ler e jogar bastante.;

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O gamedesigner Nicholas Souza sempre trabalhou com jogos eletrônicos. Aluno da primeira turma de design de jogos da Universidade Anhembi-Morumbi, ele falou ao Correio sobre a importância da profissão. Leia trechos da entrevista:

"Você precisa pensar qual é a plataforma onde o jogador está, cada aparelho tem sua peculiaridade. Se você está criando um game para iPhone, por exemplo, precisa ser algo mais simples, porque o usuário tem que usar apenas os dedos da mão, não dá para ter ações mais elaboradas."

"Na Ubisoft, desenvolvi jogos para o Nintendo DS. Trabalhamos com o conceito, que vem de fora, aí a gente pegou essa orientação para transformá-la em mecânicas, criar regras. Eu, particularmente, trabalho com o programador para prototipar essas ideias, para saber se elas realmente funcionam. Agora estou na Glu Mobile, desenvolvendo games para smartphones."

"Lá fora, esse tipo de trabalho é levado muito a sério, o gamedesigner está aí para guiar o projeto, fazer o jogo ficar bom. Como não há muita experiência nessa área no Brasil, a gente pega a maioria dos conceitos prontos de estúdios estrangeiros."

"Acredito que a profissão vai se consolidar nos próximos anos. Os jogos sociais devem se estabilizar, a tendencia é integrar jogos on-line e off-line, com download de conteúdo especial. Isso significa que as pessoas podem baixar novos conteúdos para o jogo, e as empresas lançarão cada vez mais expansões."

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