Tecnologia

Redes sociais viram plataformas de duelos verbais contra minorias sociais

postado em 27/06/2011 09:25

Brasileiro adora novidade. Com as redes sociais não é diferente. Basta aparecer uma nova maneira de entrar em contato com os amigos da vida real e interagir on-line com eles e estará aberto o caminho para criar perfis. As redes que estão em alta no Brasil no momento, Facebook e Twitter, registram aumentos cada vez maiores do número de usuários brasileiros, principalmente após o lançamento das versões em português. Segundo dados do próprio Twitter, o Brasil está entre os quatro polos de maior envio de tuítes do mundo, ao lado dos Estados Unidos, da Indonésia e do Japão. No Facebook, que está prestes a ter 700 milhões de usuários em todo o mundo, são quase 20 milhões de brasileiros, dos quais 1,949 milhão se cadastrou apenas no mês passado.


Essa popularização, entretanto, não é bem-vista por parte dos usuários que frequentam há mais tempo essas redes sociais. Há poucas semanas, quando entrou no ar uma versão em português do Twitter, foi grande o volume de mensagens que não economizaram nas reclamações. Segundo os incomodados, a tradução atrairia um público diferente para o Twitter: as classes de baixa renda.

Utilizando expressões como ;invasão da pobraiada; e ;migração da favela;, esses usuários se manifestaram contrários à presença das classes C e D no Twitter e no Facebook. Sobrou para o Orkut, que virou sinônimo de tudo o que é ruim nas redes sociais: o termo ;orkutização; foi cunhado para designar a entrada de pessoas das camadas pobres da sociedade no Twitter e no Facebook.


Patinho feio

Fundada em 2004 pelo turco Orkut Büyükk;kten, a primeira rede social a se popularizar no Brasil nem sempre foi assim. No começo, a maioria dos perfis, comunidades e fóruns era em inglês, ocupados por usuários americanos. Mas isso apenas nos primeiros cinco meses. A situação mudou rapidamente quando e o sucesso foi tanto que o crescimento de perfis brazucas assustou os americanos. Um deles, Gary Dikarev, chegou a criar uma comunidade sobre o assunto, incomodado com a invasão do Brasil no Orkut. Boa parte do incômodo vinha das postagens ofensivas: palavrões e xingamentos em português apareciam com frequência nas comunidades em inglês. No fim, os brasileiros venceram a disputa pela nacionalidade da maioria no Orkut. Em contrapartida, ficamos com a fama de vândalos virtuais.


Enquanto os americanos migravam para o Facebook, o Orkut se consagrou no Brasil entre todas as classes sociais. Para o consultor de estratégias de mídias sociais Luciano Palma, o sucesso era a novidade. ;Era uma ferramenta nova, muito atraente e sua ascensão coincidiu com a popularização do acesso das classes C e D ao computador e à internet, graças à inclusão digital que ocorreu no Brasil nos últimos anos.; Como nada é novidade para sempre, o Orkut foi perdendo fôlego, ao passo que o Facebook do polêmico Mark Zuckerberg aparecia cada vez mais na mídia.


Ao mesmo tempo, publicidade indesejável, o famoso spam, joguinhos bobos e correntes de mensagens se espalharam pelo Orkut, aproveitando a popularidade da rede. Para o blogueiro Marcel Dias, dono do Byte Que Eu Gosto, o Orkut ter virado patinho feio e bode expiatório de tudo que é ruim na internet não é culpa das classes menos favorecidas. ;O Orkut acabou pagando o pato porque gente com instrução se aproveita de pessoas mais humildes pra disseminar vírus e outras ameaças.;


Culpadas ou não, a entrada das classes C e D na internet e no Orkut foi execrada por algumas pessoas que já tinham acesso há mais tempo e a orkutização virou sinônimo de baixaria, pobreza ou falta de educação na internet. Para a estudante de comunicação Tatiana Tenuto, a diferença de comportamento e linguagem é o que incomoda as elites da web. ;Vieram as fotografias de garotas de biquíni na laje, as perguntas sem pé nem cabeça nas comunidades, a demora no carregamento das páginas por causa do alto número de acessos etc;.


Viciada em internet e usuária assídua de redes sociais, Tatiana condena o uso do termo. ;Acho que é o mesmo preconceito que ocorre com pobre no mundo off-line.; Marcel Dias também não concorda com a discriminação e já escreveu sobre o assunto nos blogs que possui. ;A internet é livre e todos têm direito de usá-la. É um direito básico fundamental do ser humano. Se todos têm o mesmo direito de votar, de ir e vir, de consumir produtos pagando por eles, por que um bando de elitistas se acha no direito de gritar em redes sociais que a inclusão digital é uma coisa maldita?; (veja arte)

Exclusividade

Para Marcello Barra, professor de sociologia da Universidade de Brasília (UnB), o que acontece na internet é uma reprodução do comportamento que emana da sociedade fora da web. Barra acredita que a não aceitação de classes menos abastadas na web é semelhante à polêmica recente em Higienópolis, bairro de São Paulo. Os moradores quiseram vetar a construção de uma estação de metrô no local por temer ;um aumento de ocorrências indesejáveis; e tráfego de pessoas ;diferenciadas;. ;Os dois casos mostram como a sociedade brasileira ainda é muito autoritária. As pessoas não querem se misturar.; Para o sociólogo, os indivíduos querem se fechar em suas castas no espaço virtual da mesma maneira que no espaço físico. ;Grupos na rede que não aceitam determinados indivíduos nada mais são do que condomínios fechados, onde as pessoas só convivem com quem querem.;
Episódio semelhante ocorreu na semana passada, quando uma rede social que se diz exclusiva para gente bonita, o BeautifulPeople.com declarou ter expulsado 30 mil pessoas que se cadastraram irregularmente no site por culpa de um vírus apelidado de Shrek. O cadastro no site é desejado porque existe uma seleção dos usuários e quem entra se sente parte de uma elite. Quem deseja se cadastrar no BeautifulPeople precisa se submeter à votação dos usuários existentes, que decidem se o candidato é bonito ou não.

Segundo Luciano Palma, esse tipo de estratégia funciona como uma ação de marketing da rede. ;As pessoas têm o desejo de se sentirem especiais, bonitas. É o glamour de fazer parte de um clubinho fechado que as atrai.; No início, Orkut e Facebook também chamaram atenção pela maneira de entrar: apenas por convites. ]
A necessidade de pertencer a algo exclusivo, selecionado e elitizado atrai as pessoas e provoca reações xenofóbicas. Além das pessoas de baixa renda, o Twitter já foi palco de discriminação contra negros, homossexuais e nordestinos. Para o funcionário público Rodrigo Amaral, que fechou contas do Facebook e do Orkut por causa do excesso de exposição, esse tipo de comportamento ;é pura ignorância;. No Twitter, por exemplo, ninguém convive com quem não quer, basta apenas respeitar a presença do outro. ;As pessoas confundem as ferramentas. Apesar de se chamarem redes sociais, são muito distintas e têm finalidades muito diferentes. A origem de cada uma é diferenciada e o foco é distinto.; Especialistas concordam que o preconceito não é criado por causa de uma ferramenta em si, mas pelo público.

Nordestinos

Irritados com a vitória de Dilma Rousseff nas urnas presidenciais de 2010, alguns usuários do Twitter postaram xingamentos contra o Nordeste pela boa votação da presidente na região. A estudante de direito Mayara Petruso ficou conhecida pela autoria de um deles, que dizia: ;Nordestino não é gente. Faça um favor a SP, mate um nordestino afogado!”

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