Tecnologia

Pais aderem cada vez mais às redes sociais para acompanhar vida dos filhos

Gláucia Chaves
postado em 25/01/2012 08:00
Flávia (D) entrou no perfil da filha, Ana Isabel (E), sem avisar: a jovem, chateadíssima, correu e mudou a senha
Antes da internet, lugares como praças, lanchonetes e shoppings eram ambientes eleitos pelos adolescentes como ;hábitat natural;. Era nesses locais que os jovens se reuniam para conversar, interagir e socializar. Graças às redes sociais, o encontro cara a cara ganhou uma versão virtual ; mas com uma pequena diferença: agora, os pais podem participar das rodas de conversa. Um recente levantamento feito por pesquisadores de mercado da empresa Lab 42 nos Estados Unidos descobriu que os pais já fazem parte da vida virtual dos filhos. Dos 500 entrevistados, 92% são ;amigos; dos filhos no Facebook. E eles não se acanham em apontar o motivo para a inserção digital: garantir que as crias estão seguras na internet foi o que levou 40% deles a criar um perfil no site, enquanto 15% afirmaram ter curiosidade sobre os assuntos que os filhos conversam na rede.

Os pais se justificam: de acordo com a pesquisa, eles não estão interessados em bisbilhotar a vida dos filhos, pura e simplesmente. Cerca de 41% disseram que se preocupam com a exposição das crianças ou adolescentes a estranhos mal-intencionados, 17% temem que seus filhos pratiquem bullying e 16% têm medo de que os adolescentes sejam vítimas de bullying. Em alguns casos, a peneira para detectar comportamentos inadequados conta com outra arma: 72% dos pais confessaram que sabem a senha do perfil dos filhos. Essa foi justamente a condição imposta por Juliana Gusmão, 37 anos, para que Giovana, 11, tivesse permissão para fazer parte de redes sociais. ;Ela queria muito, então o pai dela fez o perfil e nós estipulamos essa regra;, conta a gerente comercial.

Há cerca de um ano, Juliana usa a senha da filha duas vezes por mês para saber o teor das mensagens que a menina troca na internet. Em geral, os comentários limitam-se a conversas inocentes com colegas de escola, mas a mãe é alerta. ;Quando vejo que ela recebeu recados de pessoas que eu não conheço, sempre entro no perfil dessa pessoa e pergunto quem é;, detalha. O comportamento pode até parecer injusto para Giovana, mas a mãe garante que, tudo o que faz, é pensando no bem da filha. ;Faço por segurança. Informo sempre que ela não pode aceitar amigos desconhecidos, mesmo que a pessoa seja amiga minha;, conta. ;Tento evitar que ela publique muitas fotos, diga onde está ou identifique os pais.;

Utopia
Os tempos podem até ter ficado mais modernos e tecnológicos, mas os adolescentes ainda seguem o mote ;tudo o que é proibido é mais gostoso;. De acordo com dados da Parent-Teen ; Internet Safety Report 2011, pesquisa feita pela GFI Software, 34% dos 535 adolescentes entrevistados afirmaram ter perfis paralelos ao ;oficial; para publicar coisas que não querem que os pais saibam. Quase 24% deles admitiram visitar sites direcionados para adultos ; e 53% confirmaram ter mentido sobre a própria idade para poder entrar em páginas proibidas para menores de 18 anos. E, se não dá para ter liberdade em casa, dá-se um jeito: 72% dos adolescentes usam os computadores da escola para visitar sites proibidos pelos pais. Isso sem contar os celulares com internet, usados por 79% dos entrevistados como alternativa ao computador de casa.

Por essas e outras, Luciana Ruffo, psicóloga do Núcleo de Pesquisa de Psicologia em Informática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), confirma que a ideia de tentar limar o acesso dos adolescentes à rede é utópica. Para proteger os filhos sem ser acusado de invasor de privacidade, usar o bom senso, assim como em muitos outros dilemas da vida, é a solução ideal. ;Alguns pais entram na internet para dar palpite no que o filho faz ou diz. Isso limita o adolescente, que vê na internet um espaço para experimentar, ser diferente dos pais;, justifica Luciana. Ela sustenta que outra coisa capaz de tirar os adolescentes do sério são pais que se comportam como se fossem, literalmente, amigos. ;O filho tende a não gostar quando o pai quer ser amigo e interagir com os colegas dele, por exemplo, porque pai é pai, não é amigo;, justifica.

Assim como a permissão para sair à rua sem adultos por perto, Luciana diz que o acesso não supervisionado às redes sociais deve ser galgado, conquistado aos poucos pelos adolescentes. ;Você não solta seu filho na rua de uma vez. Primeiro, ele vai à padaria acompanhado, depois sozinho;, argumenta. ;O pai ensina o filho sobre como falar com estranhos na rua, mas não tem o hábito de ensiná-lo como se comportar na internet.; Para pais que têm a senha dos filhos, a psicóloga recomenda transparência para evitar conflitos. ;Sempre que a pessoa for acessar o perfil do filho, deve avisar;, reforça. ;Nunca entre e depois diga que acessou. Ninguém gosta de se sentir invadido.;

Flávia da Silva Marques, 36 anos, fez isso ; e se arrependeu. A comerciária acessou o perfil do Facebook da filha, Ana Isabel, 17, sem avisar. A atitude, claro, não agradou. ;Ela ficou bastante chateada comigo, achou um absurdo, mas expliquei que os pais têm que saber quem são os amigos dos filhos;, justifica. A explicação não convenceu: Ana Isabel mudou a senha, e a mãe ficou restrita ao acesso apenas como visitante. O episódio, contudo, não estremeceu a amizade virtual (e real) das duas. Com 56 amigos em comum no site, a adolescente diz que a interação com a mãe é pacífica. ;Eu não me incomodo de ter a minha mãe no Facebook, porque tudo o que eu faço, ela sabe;, resume. ;O que posto é o que gostaria que as pessoas vissem.;

Perigos
Mesmo que os adolescentes torçam o nariz para o monitoramento, a presença dos progenitores na rotina virtual dos filhos tem razão de ser. Ainda de acordo com o Parent-Teen ; Internet Safety Report 2011, 29% dos adolescentes entrevistados afirmaram que já receberam mensagens de pessoas desconhecidas ; 62% deles foram contatados mais de uma vez. Para as meninas, o conteúdo tende a ser mais incômodo que para os garotos: 15% delas receberam mensagens ofensivas ou desrespeitosas, contra apenas 7% dos meninos. Por conta desses e outros perigos, Antônio José Pereira, 53 anos, tenta proteger as filhas Mariana e Lara Camelo Pereira, 14 e 20, respectivamente, aconselhando sobre o que as duas devem compartilhar em sites de relacionamento. ;Digo para elas não se exporem, não usarem a rede para se depreciar;, detalha. ;O adolescente tem o hábito de se aborrecer e colocar na internet, mas acho desnecessário.;

A dinâmica da internet não é novidade para o analista de sistemas. Ele conta que está inserido na realidade dos amigos virtuais ;desde a época do Orkut;. O perfil no Facebook já tem dois anos e, desde então, ele procura interagir discretamente. ;Raramente comento coisas no perfil delas, mas temos uma relação de respeito;, completa Pereira. Mara Farias Vieira, psicóloga clínica, diz que os pais não devem se sentir acanhados em manter contato com os filhos na internet ; uma vez que a prática é apenas uma extensão do que os pais sempre fizeram desde sempre, que é cuidar dos próprios filhos.
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Assim como os pais orientavam com relação à televisão, devem conversar com as crianças ou adolescentes sobre a internet. Não adianta, entretanto, querer ;forçar amizade;, como dizem os próprios adolescentes: comentar em todas as fotos ou mensagens que o filho coloca pode ser o estopim para brigas intermináveis. ;Os pais devem conversar para que eles se sintam à vontade de procurá-los;, ensina. ;Jovens são seres de informação, precisam de quem os oriente.;

Ainda que a preocupação tire o sono, Mara diz que é preciso respeitar a privacidade dos adolescentes. ;É como se os pais estivessem nas praças de antigamente, ouvindo a conversa dos jovens.; Ivonete Garcia, psicóloga clínica, hospitalar e neurológica, reforça: sem diálogo, é impossível estabelecer regras. ;Se o pai apenas reproduz regras que recebeu, não terá como saber até onde pode ir com relação ao respeito à intimidade do filho;, argumenta. Ivonete frisa que os pais devem manter a postura de educadores ; mesmo que, para isso, precisem ser mais diretos que o de costume. ;Se a criança é mais agressiva ou tem um temperamento mais forte, os pais têm tendência a não ;enfrentar;, ficam com medo de ela se sentir incomodada;, completa a psicóloga. ;Isso não funciona, porque ele (o pai) tem que saber que está formando o caráter do jovem.;

A pesquisa
Mesmo que não saibam, a maioria dos adolescentes está sendo vigiada pelos pais na internet. Veja outros dados descobertos pela pesquisa feita pela GFI Software, Parent-Teen ; Internet Safety Report 2011:

; 36% dos pais usam algum software de monitoramento da internet ou um filtro para bloquear conteúdo impróprio.

; Entre os adolescentes que afirmaram que os pais não usam softwares desse tipo, 10% estavam sendo monitorados.

; 49% dos adolescentes que disseram que tinham certeza ou não saber se havia programas de monitoramento em seus computadores, 66% estavam sendo monitorados.

; 42% dos adolescentes apagam o histórico de navegação.

; A maioria dos adolescentes (83%) sabe usar configurações de privacidade em redes sociais (e esse conhecimento serve para esconder conteúdos dos pais).

; 33% dos entrevistados que não aceitaram os pais como ;amigos; no Facebook confessaram que o fizeram porque não querem que seus pais saibam o que postam.

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