Tecnologia

Novo chip neural consome até 95% menos energia que os atuais

Segundo pesquisadores dos EUA, a solução otimizada poderá ser rodada diretamente em smartphones

Victor Correia*
postado em 12/03/2018 06:00

Desenho de smartphone com asas e a imagem de um cérebro na telaGrande parte das funcionalidades mais importantes da tecnologia usa as redes neurais profundas, algoritmos que simulam a forma como o cérebro processa informações. Eles são capazes de realizar tarefas complexas, como reconhecer um objeto presente em uma foto e até vencer jogadores profissionais de pôquer. Para funcionar corretamente, porém, precisam ser treinados com uma quantidade enorme de dados. No caso da identificação de rostos, por exemplo, um algoritmo recebe milhões de fotos e aprende, por tentativa e erro, como reconhecê-las. O processo costuma levar dias, gasta muita energia e requer computadores poderosos, que normalmente existem só em grandes empresas e grupos de pesquisa.

Pesquisadores do Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, trabalham em uma solução para simplificar essas etapas. Eles criaram um chip que consegue reduzir em até 95% o consumo de energia das redes neurais, amentando entre três e sete vezes o seu desempenho. Diferentemente dos processadores comuns, que armazenam dados em um circuito distinto de onde ocorrem as operações, o chip realiza o processamento na própria memória, eliminando a necessidade de mover constantemente informações pelo sistema.

Segundo os criadores, o dispositivo pode abrir caminho para o treinamento desses algoritmos em dispositivos móveis, como celulares, e até em eletrodomésticos. ;As redes neurais requerem uma quantidade enorme de computação e energia, o que não é possível em dispositivos móveis;, diz Avishek Biswas, principal autor do projeto, apresentado na Conferência Internacional de Circuitos de Estado Sólido, realizada, no mês passado, em São Francisco, nos Estados Unidos. Os celulares se beneficiam das redes neurais: é comum, inclusive, que os aplicativos as utilizem. Porém, eles usam redes já treinadas, e os cálculos mais pesados são feitos previamente por servidores.

O modelo comum de processadores usa circuitos diferentes para armazenar os dados e realizar cálculos. Dessa forma, precisa transferir informações entre dois locais sempre que realizar uma operação. No caso das redes neurais, que trabalham com grandes quantidades de dados, esse processo é o grande consumidor de energia. O chip criado pelos pesquisadores americanos simplifica o processo ao fazer os cálculos no mesmo circuito de memória. Ele transforma as informações em voltagens elétricas, realiza o cálculo dessa maneira e armazena apenas os resultados em formato digital.

Assim, pode realizar operações para ; as unidades básicas de processamento das redes ; em um único passo. ;Hoje em dia, o que atrapalha é o consumo de energia. Se você tentar rodar uma rede neural desse tipo no seu celular, mesmo que ele tenha um desempenho ótimo, ele não vai dar conta;, afirma Flávio de Barros Vidal, professor do Departamento de Ciência da Computação da Universidade de Brasília (UnB).

Alguns smartphones usam chips com até oito núcleos de processamento. Segundo Flávio Vidal, eles utilizam placas com 3.200 núcleos no trabalho com redes neurais. Por isso, algoritmos desse tipo costumam ser treinados em grandes servidores, como os da Google ou do Facebook. ;Eles oferecem os seus superprocessadores. Você pode usá-los para treinar algoritmos e baixar depois que foram treinados;, diz o professor. ;Esse processo dura dias e tem um consumo absurdo, poucas pessoas podem fazer isso.;

Com chips como o do MIT, esse treinamento poderá ser feito de forma mais rápida e fácil, no próprio celular. A solução poderá, ainda, tornar os algoritmos existentes mais rápidos, pois não haverá a necessidade de se comunicar constantemente com servidores externos, o que diminuirá a dependência das redes comercializadas. ;Por exemplo, muitos reconhecimentos de rosto não funcionam bem para brasileiros porque são treinados para o padrão europeu ou o padrão asiático;, exemplifica Flávio Vidal. ;(Com a nova tecnologia), você poderia baixar esse algoritmo e retreiná-lo para reconhecer melhor os brasileiros. Você poderia treinar uma rede no seu celular. Eu não sei se isso vai acontecer, mas torna-se possível.;

Eletrodomésticos

Outra possibilidade é aumentar as funções de dispositivos como eletrodomésticos. Com aparelhos cada vez mais inteligentes, conectados entre si, será possível ter uma casa que se adapte automaticamente às preferências do dono ou reconheça as pessoas por perto. ;O João pode estar com o cabelo comprido ou curto, mas continua sendo o João. As redes neurais não vão se confundir;, ilustra Keiji Yamanaka, professor da Faculdade de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais. ;Elas permitem incorporar essa capacidade em dispositivos eletroeletrônicos. Em breve, sua geladeira estará te reconhecendo e dizendo ;Olá, a sua cerveja já está no ponto!’;, complementa.

O chip, que ainda é um protótipo, é menos preciso que os processadores comuns. De acordo com Flávio Vidal, o artigo divulgado pelos pesquisadores do MIT não traz muitos detalhes sobre o funcionamento do aparelho, e a equipe utilizou uma base de dados pequena como teste. ;Nós queremos demonstrar redes neurais maiores no futuro;, adianta Avishek Biswas. Para Keiji Yamanaka, a solução ;engenhosa; é promissora. ;Ela tem aplicabilidade onde se fizer necessária a utilização de todo potencial que as redes neurais podem oferecer, desde que se tolere uma perda de 2% a 3% na precisão, como diz o artigo;, ressalta o professor.

Funcionamento complexo

As redes neurais simulam o funcionamento do cérebro, no qual cada neurônio está conectado a vários outros pelas sinapses. Em um algoritmo, cada neurônio é a unidade básica de processamento, que recebe um valor, realiza uma operação e envia os resultados para outros neurônios. A importância de cada sequência de neurônios utilizada para resolver um problema é definida durante o treinamento, assim como o cérebro forma e fortalece conexões entre suas células.

* Estagiário sob a supervisão da subeditora Carmen Souza

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