Editorial

Professores inovam em práticas pedagógicas

Educadores que apostam em atividades relacionando teoria e prática, de forma dinâmica e interativa, estimulam os alunos. Para alguns profissionais, essas iniciativas ainda são um desafio

Juliana Andrade, Lucas Campelo - Especial para o Correio Braziliense
postado em 11/01/2018 04:00
A professora Maria Antônia Lopes usou personagens de Monteiro Lobato para estimular a imaginação dos alunos
Reinvenção tem sido a palavra de ordem para os professores nos últimos anos e deve permanecer em evidência em 2018. São tecnologias digitais, brincadeiras, conversas, projetos, tudo usado a favor da aprendizagem. O aluno, agora, é um parceiro na relação de troca que leva ao sucesso na aprendizagem.

Segundo o psicopedagogo e doutor em educação Júlio Furtado, uma relação mais horizontal em sala de aula é o que tem motivado os estudantes. ;O aluno de hoje não vai para a escola ouvir verdades, ele vai para descobrir coisas novas, e precisa ser levado em conta no processo de aprendizagem. Ele não aprende mais escutando e, sim, fazendo. Essa é a diferença básica entre o estudante de hoje e o de ontem;, afirma.

A professora Maria Antônia Lopes, 34 anos, é um exemplo disso. Foi na prática que seus alunos do 2; ano, da Escola Classe 1 do Paranoá, desenvolveram a habilidade de produzir um bom texto. A educadora se reinventou e, por um momento, deixou a lousa, o pincel e os longos discursos para colocar em cena personagens de Monteiro Lobato. O objetivo da brincadeira? Falar sobre literatura e redação.

Maria Antônia conta que utilizou a prática do reconto para que os alunos treinassem a escrita. ;Eu corrigia e mostrava os erros de ortografia e estrutura textual. Com o tempo, percebi que eles estavam seguros e eram capazes de fazer seus próprios textos. Sempre dei prioridade para a imaginação deles e parti da premissa de que só se escreve escrevendo;, destaca.

A ideia deu certo. As crianças mergulharam na literatura, se fantasiaram, assistiram a filmes e aprovaram a iniciativa da professora. A aluna Izadora Santos, 8 anos, reconhece a importância do projeto de alfabetização. ;Foi assim que eu conheci as obras do Monteiro Lobato e aprendi a ler e a escrever;, comemora. Para o estudante Wallace Santos, 8, a atividade é ideal para colocar o aprendizado em prática. ;A gente desenha, faz fotos, escreve e coloca a leitura em dia;, diz.

Estudantes produzem jornal

As aulas de filosofia no Centro de Ensino Médio 1 do Paranoá também foram reinventadas pelo professor Vinícius Silva de Souza, 36. ;Comecei a perceber que eu precisava colocar em prática a teoria que ensino;, comenta. Para ele, é importante desenvolver projetos de aprendizagem com o objetivo de despertar a atenção e o interesse dos alunos. ;Aproveitei que a disciplina aborda temas sociais e coloquei os estudantes em contato com assuntos sobre bullying, suicídio, aborto, diversidade, religião e autoestima;, explica.

Em sala de aula, os alunos são incentivados a produzir textos para a elaboração de um jornal, o Infozine. O material é composto por conteúdos informativos que são aprendidos em sala, relatos pessoais vivenciados pelos estudantes, poemas e desenhos. O projeto existe há dois anos e circula em edições mensais. ;Prezo pela autonomia deles, deixo a turma à vontade para definir o que cada um deve produzir;, completa Vinícius.
Vínicius Silva de Souza transformou as aulas de filosofia ao propor a criação de jornal produzido pelos próprios alunos
;Participar do Infozine me dá uma sensação de liberdade de expressão;, admite o estudante do 1; ano do ensino médio Alisson Teotonio, 16. Para ele, a produção do jornal é uma evolução no processo de ensino e aprendizagem. ;Como a cada edição vai mudando o tema, somos estimulados a ter um posicionamento crítico com os assuntos abordados e, consequentemente, isso se reflete na sociedade;, conclui o estudante, que participou de seis publicações do jornal.
Na avaliação de Lorena Queiroz dos Santos, 16, também aluna do 1; ano, contribuir para o jornal estudantil é uma forma de aprender o conteúdo didático de uma maneira interativa e dinâmica. ;Para conseguirmos colocar em prática, precisamos pesquisar, ter entendimento sobre o tema da edição do Infozine e, a partir disso, a gente desenvolve as produções e passa para o professor Vinícius checar e acrescentar ao jornal. Nesse processo, a gente aprende muito mais;, frisa.

Alunos investigam temas e buscam respostas


Segundo o especialista Júlio Furtado, atualmente, uma das metodologias mais usadas nas escolas tem sido a de projetos. ;O professor chega com uma hipótese, um problema, e convoca a turma para, juntos, descobrirem o motivo e as respostas. A sala de aula precisa ser uma grande equipe de pesquisa e o professor, um motivador;, resume. O psicopedagogo ainda indica que tecnologias e mídias sociais, que possibilitam a interação entre os alunos, também podem ser um apoio para os docentes.
Mas se reinventar nem sempre é uma tarefa fácil. Rever os conceitos e atualizar as práticas é um desafio para muitos profissionais. Furtado explica que alguns professores tendem a seguir as mesmas técnicas com as quais eles foram educados. ;Isso fica de uma forma muito profunda na atitude do professor. Ele precisa se libertar disso, o que não é fácil. Não é só aprender uma nova maneira de fazer e ser e, sim, se libertar da velha maneira de ser e fazer", enfatiza.
;Esse aluno vai se tornar uma pessoa que valoriza e acredita na aprendizagem e, mais que isso, ele passa a ter vontade de aprender. Ele se torna alguém curioso, que busca soluções, alguém de quem você pode esperar novas ideias;
Júlio Furtado, psicopedagogo

Thaiane Ferreira, diretora de Formação Continuada, Pesquisa e Desenvolvimento Profissional do Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais de Educação (Eape), ressalta que, para atrair os alunos a uma participação efetiva na escola, é necessário que o professor adquira algumas habilidades. ;Ele precisa perceber o discente como protagonista do processo de aprendizagem dele. Quando o professor investe nesse sujeito, ele tem o processo garantido. Não basta o repasse de um conteúdo para um estudante calado, pois aquele aprendizado não vai fazer sentido;, detalha. Ela ainda completa: ;Vejo a relação professor e aluno cada vez menos autoritária e mais dialógica;.
Adquirir habilidades para poder se reinventar tem se tornado mais que um desafio: um grande investimento. Para o psicopedagogo Júlio Furtado, os benefícios são diversos e vão muito além da aprendizagem dos conteúdos tradicionais. ;Esse aluno vai se tornar uma pessoa que valoriza e acredita na aprendizagem e, mais que isso, ele passa a ter vontade de aprender. Ele se torna alguém curioso, que busca soluções, alguém de quem você pode esperar novas ideias;, conclui.

Investir em formação de professores é essencial


A formação é determinante para o desenvolvimento de qualquer profissional e com o professor não é diferente. Se reinventar exige muito mais que criatividade. Para Thaiane Ferreira, da Eape, a formação dos profissionais é primordial para bons resultados na escola. ;A formação continuada é um dos elementos principais que oportuniza a ressignificação do processo de aprendizagem. Assim, o professor pode se atualizar e adquirir novos conhecimentos para reconstruir a prática dele em sala de aula;, afirma.
A professora Maria Antônia conta que se vira como pode, mas que nem todos os professores têm a mesma disposição. ;Eu procuro muita coisa na internet, seria bom se tivéssemos mais opções para irmos atrás desse tipo de informação. Eu tenho essa habilidade, mas tem professor que não tem;, comenta. Thaiane afirma que, no caso dos professores da rede pública, a Eape oferece cursos que envolvem conteúdos de linguagem, criatividade, oficinas pedagógicas, entre outros. A diretora explica que os professores mais antigos têm prioridade na seleção.
Outras oportunidades, no entanto, podem ser aproveitadas por docentes de ambos os sistemas. O professor Vinicius Silva de Souza destaca a importância de os educadores estarem atentos às programações de workshops da área de atuação. ;Após minha formação, participei de eventos na UnB sobre política e formação cidadã dos alunos, e isso me serviu de inspiração para refletir sobre como tornar as aulas práticas;, exemplifica. ;É preciso explorar o campo da tecnologia, conhecer o que está em alta no momento e trazer essas novidades para a educação;, completa.
O psicopedagogo Júlio Furtado ressalta que, além de formação, é preciso oferecer estrutura, como equipamentos e espaço para que os professores possam inovar. Para ele, outro ponto importante é a valorização dos profissionais, que faz parte de um conjunto de fatores importantes que fazem a diferença no dia a dia do professor, refletindo diretamente no aprendizado dos alunos.

Regras de ouro

Confira dicas para repensar as metodologias de ensino


Resgate a curiosidade dos alunos
; Arrisque em metodologias ativas. Não traga a resposta, mas incentive o aluno a ir atrás dela. Se tem uma coisa que não motiva é começar a explicar muito como são as coisas.

Ouse com a tecnologia
; Use a tecnologia a seu favor e, quando não souber como, peça sugestões aos alunos. Eles têm uma genética bem mais inovadora.

Faça do mundo uma grande sala de aula
; Saia da sala de aula e use os espaços que estão perto de você. Tem química na padaria, geografia na rua, história nas calçadas, biologia nas plantas.

Fonte: Júlio Furtado

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