Deborah Fortuna
postado em 18/10/2018 18:09
Em movimento contrário ao Canadá, a discussão sobre a legalização da maconha está empacada no Brasil. O assunto já passou pelo Legislativo, Judiciário e até ministros do Executivo já se manifestaram a respeito. Mas a tendência é que, com um Congresso considerado conservador eleito no último dia 7, o debate não vá a lugar nenhum.
Em março deste ano, o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, pediu à então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, que colocasse em pauta o processo que trata da descriminalização de usuários de drogas. Assim, a Corte poderia estabelecer uma quantidade mínima para o porte deste tipo de substância. A justificativa é reduzir o encarceramento de pequenos infratores sem antecedentes criminais, vide o problema de superlotação das penitenciárias brasileiras.
A discussão, no entanto, já havia começado no Supremo Tribunal Federal em 2015, quando a Corte recebeu o Recurso Extraordinário n; 635.659, que descriminaliza o porte de drogas para consumo pessoal. O julgamento foi suspenso após um pedido de vista do ministro Teori Zavascki, morto em um acidente aéreo em 2017. Como ministro substituto, Alexandre de Moraes herdou todas as ações, e cabe a ele devolver o processo para o plenário.
Na época, o relator, ministro Gilmar Mendes, votou a favor da descriminalização. Edson Fachin e Luís Roberto Barroso também acataram o recurso, mas restringiram o voto à maconha. É o novo presidente do Supremo, Dias Toffoli, que deve decidir se pauta o assunto no futuro ou não. Mas a tendência é que o ministro evite discutir pautas polêmicas neste ano.
Para Thiago Turbay, criminalista do Boaventura Turbay Advogados, o Supremo deveria se limitar a incentivar o Legislativo em pautas com tipos penais. "O que eu acho é que o Congresso experimenta legislaturas cada vez mais retrógradas, com isso, as matérias não avançam. Essa falta faz com que o STF seja um motor para descriminalização de condutas", opinou o especialista. "Mas, ainda assim, acho temeroso o STF assumir essa postura", completou.
No Legislativo, no entanto, o processo caminha a passos lentos. Em 2015, a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o uso de maconha para fins terapêuticos. No Canadá, o Senado aprovou o uso recreativo da erva em junho, e seguiu para o consentimento da governadora-geral do país, Julie Payette.
A legalização foi uma das promessas de campanha de Justin Trudeau, primeiro-ministro canadense, cumprida três anos depois das eleições no país. O Canadá agora é o segundo lugar do mundo que legalizou a maconha para fins recreativos. O primeiro foi o Uruguai, em 2013.
No Brasil, a discussão chegou à Câmara dos Deputados em 2014, após um projeto de lei do então deputado federal Eurico Júnior (PV), candidato a estadual pelo Rio de Janeiro em 2018 e não eleito. O texto dispõe sobre o controle, plantação, cultivo, colheita, produção, aquisição, armazenamento, comercialização e distribuição da cannabis e derivados. Apensados a ele, no entanto, há outros sete projetos de lei que tratam do assunto, inclusive o PL n; 10.549, do deputado Paulo Teixeira (PR-SP), apresentado no plenário da Câmara em julho deste ano, que pede a descriminalização nos moldes do Uruguai. Todos, porém, aguardam a criação de uma comissão especial que vai analisar o assunto.
De acordo com Turbay, o desafio é que o Legislativo tende a julgar pelo "calor das massas". "Alguns movimentos sociais têm sido prevalecentes no Congresso. Agora é o espelho da nossa sociedade. Nossa democracia. E essa próxima legislatura tem grande chance de ser ainda mais conservadora", comentou.
Ao redor do mundo
Apesar de não interferir diretamente, a discussão no Canadá pode incentivar para que a pauta volte a ser discutida no Brasil. "A descriminalização transparente motiva a evolução social, mas não é isso que o Congresso tem representado. O fato de outros países tomarem essas decisões, e mostrem os impactos positivos na segurança e na saúde pode até inspirar o Brasil. Mas, eu não enxergo esse cenário", afirmou Turbay.
De acordo com uma cartilha desenvolvida pela Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD), desde os anos 1970, os países europeus têm discutido a política de drogas no continente. Na Holanda, a venda e o consumo de maconha não é criminalizado desde 1973, mas o país também não regulou o tema.
Em 2001, Portugal descriminalizou o uso de todas as substância proibidas pelas convenções internacionais de controle de drogas. Aos usuários de qualquer uma delas, seja maconha ou heroína, é permitida a posse para uso pessoal de até 10 doses da substância. Cada dose foi quantificada para servir de referência para agentes de segurança e de saúde. Os consumidores pegos com essas substâncias são cadastrados e a eles pode ser aplicada uma multa.
Nos Estados Unidos, 23 estados legalizaram o consumo da maconha para fins terapêuticos. Em 2014, Colorado, Washington, Distrito de Columbia e Oregon regularizaram o mercado para consumo recreativo.
No Uruguai, o próprio governo é o responsável pelo cultivo e distribuição de maconha, cujo consumo é limitado a 40 gramas mensais e restrito a maiores de 18 anos. O país também permite o cultivo de um número limitado de plantas para consumo próprio mediante cadastro junto ao governo.