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Com informações, talvez sofrimento fosse menor, diz parente em Brumadinho

Familiares de pessoas desaparecidas na tragédia de Brumadinho se apoiam em amigos para suportar a dor, ao mesmo tempo em que se revoltam com a falta de informações

Gustavo Werneck/Estado de Minas - Enviado Especial, Gabriel Ronan/Estado de Minas - Enviado Especial
postado em 28/01/2019 08:44
No distrito de Parque das Cachoeiras, onde as partes mais baixas foram atingidas pelo rompimento da barragem, a dona de casa Izabel Nunes Vieira, de 55 anos, se desespera com o desaparecimento de três primos
Brumadinho (MG) ; Nas ruas do distrito de Tejuco, em Brumadinho, na Grande BH, há sempre um braço para amparar, um abraço para acolher e uma palavra ou duas, sempre abafadas pela dor, para dar forças a um amigo. No mais, são os olhos do espanto, o andar a esmo ou o choro convulsivo pela falta de informações ou notícias dos desaparecidos na tragédia, ocorrida no início da tarde de sexta-feira (25/1), do.

;Estou segurando minha mãe, ela está desesperada, saiu andando por aí, entrou no mato e fui atrás;, disse, ontem, Mary Cristina Nunes, de 32 anos, que também não esconde a apreensão pelo desaparecimento do irmão Peterson Firmino Nunes, de 35, casado e pai de três filhos. A exemplo de muitos moradores de Tejuco, Peterson trabalhava na unidade da empresa, com atuação no almoxarifado.
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Ao lado do irmão Fernando Nunes Araújo, de 29, desempregado, Mary diz que foi atrás da mãe ;no mato; e quase desmaiou, sendo socorrida por vizinhos. Com os olhos muitos vermelhos pelas lágrimas e duas noites sem dormir, Fernando, a todo momento, olha no portão para ver onde está Malvina Firmino Gomes, a mãe em desespero pelo filho Peterson. No início da tarde de ontem, Malvina estava na casa da vizinha Izabel Andréa Bento, que não tem notícias do irmão Jonas e de quatro sobrinhos que também trabalhavam na Vale. ;Nossa vida agora é só esperar, esperar...Não sabemos até quanto. Estamos todos de luto;, disse Izabel.

No alto, no fundo das casas, dá para ver as montanhas lavradas pela mineração, o que faz Malvina lembrar que, na madrugada desse domingo (27/1), soou o alarme na mineradora, embora o risco de rompimento de outra barragem tivesse sido descartado, pelo menos por enquanto. ;Pois é, na hora que não precisa, eles ligam a sirene. Agora, quando tem que avisar, não fazem nada;, disse Malvina, para em seguida, citar baixinho o nome do filho Peterson e dizer que quer o filho vivo. Logo após a conversa, dava para ver amigos e vizinhos chegando perto e se abraçando numa união de força contra o sofrimento máximo.

Sem perdoar a mineradora e lembrando a tragédia ocorrida há pouco mais de três anos em Mariana, na Região Central, Fernando perguntou: ;Até quanto a Vale vai destruir Minas e causar tanto mal?;.

Revolta

Por medida de segurança, as estradas que conduzem à sede municipal de Brumadinho estão fechadas, com autorização de passagem apenas para polícia, militares, bombeiros brigadistas e autoridades. Por isso mesmo, a atendente de telemarketing Gisele Pedrelina Duarte Santana Loures, de 22, fica sentada no gramado perto da Faculdade Asa, onde foi montado um quartel-general para centralizar ações e dar informações à imprensa, aguardando qualquer notícia sobre o pai Sebastião Divino Loures, de 58, motorista que havia ido à mina fazer uma entrega, no caminhão.

;Estou sem notícias, ninguém me informa nada, o que aumenta o desespero. Já estive até no Instituto Médico Legal, em Belo Horizonte, mas não consegui nada;, disse Gisele, ao lado do marido, Valdeci Loures Bonfim Júnior, e dos primos Adriano Gomes, Leandro Gomes e José Sidnei. Vestida com uma camisa com a estampa de São Miguel Arcanjo, Gisele diz que é católica e, como tem pessoas de outra religião na família, ;todos nós estamos orando;. O celular de Sebastião pode ajudar nas buscas pelo motorista desaparecido desde o início da tarde de sexta-feira em Brumadinho. ;A última vez que falei com meu pai foi às 11h53. Mas o telefone continua tocando, está com bateria, acho que podem rastrear.; Revoltada com a situação que a deixa em sobressalto, Gisele pergunta: ;Quero saber quanto a vida do meu pai vai valer;.

Desespero

No distrito de Parque das Cachoeiras, onde as partes mais baixas foram atingidas pelo rompimento da barragem, a dona de casa Izabel Nunes Vieira, de 55 anos, se desespera com o desaparecimento de três primos. ;A pressão dela já chegou a 16 por 10;, comentou, ao lado, o marido Geraldo Ribeiro de Paula, que procurava se acalmar fazendo um cigarrinho de palha. ;Desde o rompimento da barragem, tem sido muita correria, ninguém tem sossego. Se tivéssemos mais informações, talvez pudéssemos ficar mais calmos;, disse baixinho Izabel sem conter o pranto e com cabeça encostada no pilar da varanda.
Enquanto uns aguardam notícias de parentes, outros tentam se acostumar com um novo modo de viver: agora, longe da casa destruída pelos rejeitos de minério vazados da Barragem da Mina do Córrego do Feijão, da mineradora Vale, em Brumadinho. É o caso da família de Dari Laurindo Pereira, de 39, operador de draga, e Lauriane Oliveira de Souza, pais de Iraci, de 13, e Isabel, de 18, que perdeu tudo o que tinha e agora está abrigada na unidade de saúde do distrito de Parque da Cachoeira. ;A lama veio numa velocidade danada, só tivemos tempo mesmo de sair correndo, para salvar nossas vidas;, afirmou Dari.

Na hora da correria, no ínicio da tarde de sexta-feira, a família de Dari e Lauriane se abrigou na casa da cunhada, que ficava perto e também foi destruída ; assim, todos bateram em retirada. Na sequência, receberam o suporte provisório na unidade de saúde, onde estão alojadas cerca de 80 pessoas. E agora?, pergunta o repórter. ;Só Deus pode nos ajudar. Pelo visto, agora vamos ficar iguais a ciganos, cada vez num lugar;, lamentou a mulher.

Sentada num banco ao lado do marido, Abelo Gomes, de 74, Adélia Oliveira de Souza, de 55, também contou ter perdido a casa no tsunami de lama. ;Estamos recebendo comida, abrigo, mas ficamos sem nada, inclusive sem os documentos. Mas a vida é assim: nesta hora, a gente vê que os bens materiais não são o mais importante. O que vale mesmo é a vida. E estamos vivos;, disse Adélia.
Familiares de pessoas desaparecidas na tragédia de Brumadinho se apoiam em amigos para suportar a dor, ao mesmo tempo em que se revoltam com a falta de informações

Protesto no comitê de crise

O que deveria ser a sede das informações da tragédia de Brumadinho, na Grande BH, se tornou palco da revolta de familiares dos atingidos pela catástrofe, justamente pela falta de comunicação. Revoltados com a interrupção dos trabalhos de buscas do Corpo de Bombeiros, diante da ameaça de mais um rompimento de barragem, cerca de 30 moradores invadiram a Faculdade Asa, onde se abriga o comitê de crise das autoridades, na tarde de ontem. Aos gritos de ;queremos o Exército;, eles cobravam ação dos órgãos de segurança e apoio da Vale, um fantasma na opinião de todos os indignados.

;Até ontem (sexta), ele estava na lista dos desabrigados. Hoje (ontem), ele está na lista dos desaparecidos;, contou a moradora Paula Carvalho ao Estado de Minas. Ela estava, até o fechamento desta edição, à procura do seu irmão de criação, Márcio Freitas, mecânico da Vale. ;Um deles vai ter que me escutar. O IML não passa nada, nem a Polícia Civil. Ninguém fala nada com nada. Eles lá de cima (da Vale) são preparados para esconder tudo da gente. O que eu posso fazer e o que eu não posso fazer? Quero saber do meu irmão;, reclamava, aos berros.

Situação semelhante vive Eliel de Freitas e sua esposa, que não quis se identificar. Eles estão à procura do pai dele, Eliseu de Freitas, de 51 anos. ;Desde sexta-feira, eles (a Vale) não dão notícia nenhuma. Ontem, eu ouvi na imprensa que a empresa estava dando apoio. Mentira! Uma hora está na lista de desaparecidos, outra hora não. Isso é injustiça demais com a gente. Estamos desesperados;, contou a nora. Para eles, a falta de dados é uma estratégia da mineradora para se resguardar juridicamente. ;A tragédia não era pra acontecer, mas já que aconteceu, eles precisam ligar para as famílias. Cadê o representante da Vale aqui?;, perguntou o filho, também trabalhador do setor minerário, em Nova Lima, na Região Metropolitana de BH.

Acordado desde sexta-feira, entre um cochilo e outro, Eliel contou sua última conversa com o pai. ;Ele me disse que faria uma cirurgia amanhã (esta segunda-feira). Meu pai enfrentava um problema na coluna, adquirido pelo serviço na Vale. Agora, a empresa que ele tanto representou vira as costas pra ele;, lamentou.

Também desamparada, Marli Silva procurava pelo cunhado Anjo Gabriel da Silva Lemos. ;Ele vestiu o uniforme e foi trabalhar sexta-feira. Agora, eles (autoridades) não dão uma informação correta? Está com a lista de ontem (sábado) ainda;, disse. Segundo ela, a família não recebeu qualquer assistência desde o tsunami de lama e rejeitos. No local, ela estava acompanhada de vários parentes do desaparecido.

O protesto dentro do comitê de crise durou cerca de 10 minutos, antes de ser barrado pelas forças de segurança. Certo é que, momentos depois, as autoridades voltaram a conceder entrevista à imprensa. No boletim da vez, eles informavam sobre a volta do trabalho dos militares nas zonas quentes da tragédia, com intuito de encontrar os desaparecidos.

Fake news


Além da falta de informação, as famílias enfrentam a disseminação de notícias falsas. ;A gente recebe toda hora uma
ligação com coisa errada. Mandaram uma foto de um bombeiro com uma pessoa, dizendo que era meu pai. Mas a foto é de 2011;, disse Eliel de Freitas, sobre um registro feito em Patos de Minas, durante um resgate do Corpo de Bombeiros.
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