Brasil

Anvisa promove audiência pública para discutir venda de cigarro eletrônico

O debate, primeiro de uma série de discussões do tema com a sociedade, está marcado para a quinta-feira (8/8). A comercialização de dispositivos eletrônicos para fumar é proibida atualmente no Brasil

Mariana Niederauer
postado em 06/08/2019 15:47
Vapers e cigarros de tabaco aquecido: principal argumento da indústria para pedir a liberação da comercialização é de têm potencial de risco reduzidoA Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) promove, na quinta-feira (8/8), audiência pública sobre dispositivos eletrônicos para fumar (DEF), que incluem produtos como o cigarro eletrônico e euqipamentos de tabaco aquecido. A proposta de audiência foi aprovada em junho e tem como objetivo, de acordo com a autarquia, debater e coletar subsídios científicos e atualizados sobre os potenciais riscos ou benefícios desse tipo de dispositivo. A programação pode ser conferida no site da Anvisa.

Atualmente, a comercialização, importação e propaganda desses dispositivos é proibida pela agência, conforme resolução publicada em 2009 (leia abaixo o que diz a lei). Os fabricantes de DEFs, por sua vez, defendem a liberação do comércio dos dispositivos como forma de auxílio na transição daqueles que desejam parar de fumar ou como uma política de redução de danos ; há estudos que apontam que, embora não sejam livres de risco, esses produtos são menos prejudiciais que o cigarro comum. Tal argumento já foi aceito por governos de outros países (leia abaixo sobre a experiência canadense).

A Anvisa, porém, se mostra reticente. "A vedação atual ao cigarro eletrônico no Brasil está baseada nos dados então disponíveis e nos argumentos apresentados pelas autoridades de saúde. Um deles é a preocupação com a alegação de que o cigarro eletrônico traz menos risco à saúde, sem que isto tenha sido demonstrado de forma clara em estudos", afirma a agência, em nota. "Essa ausência de comprovação de menor risco pode induzir a uma falsa sensação de segurança e levar os não fumantes a aderirem ao cigarro eletrônico", completa a autarquia.

Para essa avaliação, a agência se embasa, entre outros dados, em resultados preliminares de uma pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de Nova York, que indicaram a possibilidade de o cigarro eletrônico aumentar o risco de danos ao coração, pulmões e bexiga. "Porém, os resultados não são conclusivos, já que esse tipo de investigação pode levar alguns anos", ressalta.

[SAIBAMAIS]Além disso, em 2016, foi publicada pesquisa que concluiu pela falta de evidências científicas sobre a segurança desses produtos, uma parceria entre o Ministério da Saúde, o Instituto Nacional do Câncer (Inca), a Organização Pan-americana da Saúde (Opas) e a Anvisa.

Mesmo assim, a agência garante que continua a estudar o assunto. Também há três anos, passou a levantar novas informações a respeito do tema, inclusive com a revisão técnica da publicação Cigarros eletrônicos: o que sabemos?. Houve ainda a inclusão do debate na Agenda Regulatória, em 2017, e a realização do Painel Técnico para discussão desses dispositivos, no ano passado.

O que diz a lei

A Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n; 46/2009 da Anvisa determina, no artigo 1;, que ;fica proibida a comercialização, a importação e a propaganda de quaisquer dispositivos eletrônicos para fumar, conhecidos como cigarros eletrônicos, e-cigaretes, e-ciggy, ecigar, entre outros, especialmente os que aleguem substituição de cigarro, cigarrilha, charuto, cachimbo e similares no hábito de fumar ou objetivem alternativa ao tratamento do tabagismo;. Dispõe ainda, no artigo 3;, que o descumprimento da norma está sujeito às sanções previstas na Lei n; 6.437 para infrações à legislação sanitária federal.

Menos danos, dizem fabricantes

Indústria do tabaco desenvolve estudos em seus laboratórios, analisando os produtos de tabaco aquecido e os cigarros a vaporO principal argumento da indústria pela liberação da comercialização dos produtos eletrônicos é que eles têm potencial de risco reduzido em relação ao cigarro, uma vez que não promovem a combustão (queima) do tabaco, processo responsável pela liberação de substâncias cancerígenas.

"Acreditamos ser necessário um novo marco regulatório, distinto daquele aplicável aos cigarros tradicionais, e que, de alguma forma, permita que a indústria possa informar seus consumidores sobre as características e potenciais benefícios dessa nova categoria", afirma a gerente de Relações Científicas da Souza Cruz, Analucia Saraiva.

Ela observa que o conceito de redução de danos desse tipo de produto é aceito por entidades independentes na Europa e nos Estados Unidos, como o Royal College of Physicians, a British Heart Association e o Public Health England. "A redução de danos do tabagismo nunca será uma realidade se os consumidores não tiverem acesso a esses produtos de nova geração", argumenta a gerente da Souza Cruz, empresa brasileira que faz parte do grupo British American Tobacco (BAT).

Com o objetivo de levantar dados a respeito do tema e aprimorar os produtos desenvolvidos, a própria BAT desenvolve estudos em seus laboratórios. Ao menos cinco já foram publicados, analisando os produtos de tabaco aquecido (não queimado) e os cigarros a vapor ; também chamados de vapers.

"No Reino Unido, onde esses produtos são comercializados desde 2010, não se observou um aumento do nível da população de fumantes tradicionais;, defende Analucia. ;É preciso discutir o assunto com base em argumentos sólidos e científicos, ouvindo, por exemplo, especialistas que já estão estudando esses produtos há pelo menos uma década."


Mercado ilegal

Outro argumento levantado pelos defensores da liberação da comercialização desses cigarros é o fato de o mercado ilegal já ocorrer no país, sem o controle da agência. Problema que não é exclusividade desta categoria de produto. Em abril, a Anvisa emitiu alerta após identificar 90 marcas de cigarro tradicional comercializadas de forma irregular no país. ;Os produtos representam um grave problema à sociedade, porque têm preço mais baixo dos que os regularizados, sendo mais acessíveis para crianças e adolescentes, idade altamente vulnerável à iniciação no consumo precoce de tabaco;, informou a agência.

A Anvisa considera, e as campanhas nacionais de combate ao tabagismo reforçam, que não há níveis seguros para o consumo de qualquer produto derivado do tabaco, ;por esse motivo, a única forma de estar livre dos riscos relacionados aos produtos derivados do tabaco é não consumir tais produtos e não respirar a fumaça produzida por quem fuma;.

A lista atualizada de produtos derivados do tabaco registrados na Anvisa está disponível no site da agência e é atualizada mensalmente. Denúncias podem ser feitas pelo telefone 0800-642-9782 ou pela Ouvidoria.

No caso dos cigarros eletrônicos, a ;fumaça; liberada é vapor d;água. Ainda assim, está presente a nicotina, substância extraída das folhas do tabaco e responsável tanto pela sensação de prazer quanto pela dependência química.

Em julho deste ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considerou o Brasil exemplo para o mundo no combate ao tabagismo. Ao lado da Turquia, são os dois únicos países, entre os 171 que aderiram às medidas globais da entidade, a implementarem ações governamentais de sucesso para a redução do consumo de tabaco. O resultado foi divulgado no 7; Relatório da OMS sobre a Epidemia Mundial do Tabaco, no dia 26, no Rio de Janeiro.

Nos últimos 13 anos, a população entrevistada pelo Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) diminuiu em 40% o consumo do tabaco. Em 2006, ano em que a pesquisa do Ministério da Saúde começou a ser feita, 15,7% dos brasileiros afirmaram terem o hábito de fumar. O percentual caiu para 9,3% no ano passado. Apesar disso, o tabagismo é a segunda causa mais frequente de câncer de pulmão no país, segundo o Inca.

A OMS alertou, no relatório, para a necessidade de se regular os produtos de tabaco aquecido e os cigarros eletrônicos, por considerar que, além de prejudiciais à saúde, podem servir de porta de entrada para o vício entre os jovens. Hoje, 5 bilhões de pessoas vivem em países que implementaram medidas de controle do tabaco, número quatro vezes maior do que 10 anos atrás, e contabiliza que existam 1,1 bilhão de fumantes em todo o mundo.

A decisão canadense de liberar os DEFs*

O uso dos dispositivos eletrônicos para fumar foi debatido no fim do ano passado durante o E-Cigarette Summit: Science, Regulation and Public Health, em Londres, a sexta edição do encontro, que reúne anualmente cientistas, representantes de órgãos públicos e de indústrias do mundo inteiro.

A experiência do Canadá, que liberou e regulamentou, também no ano passado, o uso desses dispositivos, foi um dos destaques do encontro. Entre os objetivos centrais da política canadense, de acordo com a agência nacional de saúde do país, estão proteger jovens e não fumantes da dependência em nicotina; e permitir a adultos, em especial os fumantes, o acesso a cigarros eletrônicos como uma alternativa com menos riscos à saúde que o tabaco.

Depois de ao menos três anos de discussões, entrou em vigor no país legislação específica para tratar de produtos de tabaco e vaping (os cigarros eletrônicos), denominada Tobacco and Vaping Products Act (TVPA). As normas fazem parte de uma estratégia nacional de combate ao uso do tabaco, que tem como foco alcançar menos de 5% de fumantes no país até 2035.

Confira abaixo algumas das questões consideradas pelo governo local para aceitar o argumento de redução de riscos trazido por fabricantes de dispositivos eletrônicos para fumar e as restrições que o país definiu com o objetivo de coibir o consumo de qualquer produto com tabaco ou nicotina, principalmente entre jovens.

Qual foi a avaliação do governo com relação à estratégia de redução de riscos atribuída aos dispositivos eletrônicos?
A estratégia canadense de combate ao tabaco reconhece que não usar nicotina é a opção mais saudável. No entanto, de forma pragmática e em apoio aos dependentes químicos da substância, a TVPA permite o acesso a cigarros eletrônicos como uma alternativa menos arriscada de fumo para adultos e, ao mesmo tempo, regula estritamente o acesso e a divulgação desses produtos a jovens e a não-fumantes. Ao contrário de cigarros tradicionais, os produtos a vapor não contêm tabaco e não envolvem combustão ou produção de fumaça. Apesar de conterem nicotina, altamente viciante, carregam apenas uma fração dos 7 mil produtos químicos encontrados no tabaco, e em níveis menores.

O consumo entre os jovens preocupa?
A agência de saúde canadense tem grande preocupação com o uso de cigarros eletrônicos entre jovens e vai continuar a tomar medidas a respeito. O Canadá já estabeleceu políticas regulatórias estritas para esses produtos, com foco na prevenção do uso por parte de jovens e não-fumantes. A TVPA determina o limite de 18 anos de idade para ter acesso a cigarros eletrônicos. Também inclui restrições importantes à publicidade, incluindo distribuição de cigarros e banindo propagandas com apelo à juventude, estilo de vida ou patrocínios. Outras restrições, que entraram em vigor em novembro de 2018, incluem a proibição de produtos com sabor de doces, sobremesas e drinques, que podem trazer apelo especial aos mais jovens; e a divulgação de produtos por testemunhos ou incentivos.

O número de fumantes no Canadá preocupa o governo?O uso de tabaco é a principal causa prevenível de morte prematura no Canadá. Está relacionada a mais de 40 doenças e a outros graves problemas de saúde, incluindo câncer, problemas respiratórios e cardíacos. Apesar de o uso ter diminuído ao longo dos anos, um número significativo de canadenses ainda é fumante. O uso do tabaco também adiciona um grande peso à economia do país e ao sistema de saúde. Os custos relacionados estavam estimados em $ 16,2 bilhões em 2012, com gastos diretos em saúde de $ 6,5 bilhões. No mesmo ano, aproximadamente 45 mil mortes foram atribuídas ao hábito de fumar no Canadá.

Sobre a audiência pública da Anvisa

A realização de audiências públicas é uma prática comum entre as agências reguladoras para promover o diálogo e a consulta a atores externos sobre os assuntos em discussão. O tema em questão faz parte da Agenda Regulatória 2017-2020 da Anvisa, incluído no item Novos tipos de produtos fumígenos. A discussão seguirá o novo processo regulatório da agência, que prevê a antecipação do debate com a sociedade.

O modelo incorpora, segundo a Anvisa, as diretrizes de melhoria da qualidade e coerência regulatória da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Depois da audiência pública, outros mecanismos de participação social devem ser adotados, como consultas dirigidas, diálogos setoriais, tomada pública de subsídio e consulta pública.

Serviço
  • Quinta-feira (8/8), das 8h às 17h.
  • Sede da Anvisa em Brasília - SIA Trecho 5, Área Especial 57
  • Não é necessária inscrição prévia, mas a participação está sujeita à lotação do auditório.
  • Informações: portal.anvisa.gov.br/audiencias-publicas#/visualizar/400068.

*A jornalista viajou a Londres a convite da British American Tobacco (BAT)

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