Cidades

Sinal de alerta está aceso para especulação imobiliária no Sudoeste e nas asas Norte e Sul

Foi o que concluiu a Universidade Católica de Brasília ao criar o Índice Bolha para avaliar o risco da especulação imobiliária

postado em 06/04/2010 09:23
É senso comum entre os moradores do Distrito Federal que os imóveis são um investimento altamente rentável. O alto valor do metro quadrado, um dos mais caros do país, e o crescimento anual do preço de venda das unidades são fatores que sustentam essa crença. No entanto, um indicador econômico desenvolvido pela Universidade Católica de Brasília (UCB) mostra que ela não é inteiramente verdadeira. O Índice Bolha, assim batizado porque foi criado para medir o risco da especulação imobiliária local, teve os resultados de sua primeira medição, relativa a março último, divulgado ontem. O indicador mostrou que comprar uma casa ou um apartamento para alugar para terceiros no DF custa muito e rende pouco.

Nas quatro áreas que integraram a pesquisa ; Asa Norte, Asa Sul, Sudoeste e Águas Claras ; o retorno real projetado para um período de 12 meses ficou em 3,9%, modesto diante do custo inflado que um imóvel pode atingir nos locais, em especial no Plano Piloto. Os ganhos, além disso, ficam muito aquém dos obtidos com a aposta em outros investimentos de renda fixa, como comprar títulos do tipo Certificado de Depósito Bancário (CDB), que, com uma aplicação semelhante à feita em uma casa, de R$ 1 milhão, por exemplo, rendem em torno de 8% anuais.

O Índice Bolha trabalha com uma premissa simples: se um investimento tem um retorno pequeno, mas continua atraindo as pessoas, é possível que exista um movimento especulativo em torno dele. O mercado acredita que seja mais rentável do que é na realidade, e direciona seu capital para ele, contribuindo para manter os preços em alta e sustentar a crença de que os bens de um setor específico continuarão sendo valorizados.

;É uma metodologia de cálculo igual à usada nos Estados Unidos(1) em 2007, quando houve o estouro de uma bolha imobiliária;, explica o economista Adolfo Sachsida, professor de Macroeconomia da UCB e que esteve à frente da criação do indicador. ;A definição de bolha especulativa é o descolamento entre o preço real de um ativo e o retorno garantido por ele. No caso específico dos imóveis no DF, verificamos a existência de descolamento entre o que você paga para comprar e o que você ganha com o aluguel;, acrescenta Sachsida.

Retorno baixo
No DF, o indicador projetou retorno especialmente baixo para o investimento em apartamentos no Sudoeste, Asa Sul e Asa Norte. A partir de um cálculo com base nos preços de aluguéis e no valor de venda de imóveis de dois e três quartos nessas localidades, os pesquisadores da Católica chegaram a um patamar do Índice Bolha entre 20 e 40, o que significa que alugar imóveis nesses lugares renderia entre 2,5% e 5% ao ano com base nos preços do mercado em março. No Sudoeste, o índice chegou a 25,91 para unidades de três quartos e a 22,73 para as de dois. Na Asa Norte, a 26,65 para o primeiro tipo e 26,03 para o segundo. A Asa Sul chegou mais próxima do estouro de uma bolha especulativa, com índice de 23,86 para imóvel de dois quartos e 27,11 para o de três.

O Sudoeste teve o metro quadrado mais caro entre as regiões pesquisadas no último mês: R$ 7.521,90 para unidades de três quartos e R$ 7.441 para as de dois. Na Asa Sul, os dois modelos saem a R$ 7 mil o metro quadrado. Na Asa Norte, o valor ficou em R$ 7,4 mil para imóveis de dois quartos e R$ 6,6 mil para os de três. Na classificação montada pela UCB, os dados apontam o início de uma bolha especulativa (veja quadro).

Em Águas Claras, onde o mercado da construção civil está em expansão, o Índice Bolha ficou em 19,45 para imóveis de dois quartos, o que significa baixo risco de bolha e que eles poderiam render 5% ao ano. Os apartamentos de três quartos tiveram um Índice Bolha de 22,07, já dentro da faixa de risco. O metro quadrado na região, com urbanização incompleta e afastada da zona central de Brasília, ficou em R$ R$ 3,5 mil para os dois tipos de imóveis.

1 - Colapso americano
Em 2007, a inadimplência de devedores hipotecários provocou um colapso financeiro nos Estados Unidos. O mercado estava aquecido e os bancos concederam crédito para a compra de imóveis além da capacidade de endividamento dos consumidores. O sistema financeiro abusou da conversão dessas dívidas em título. Com a incapacidade dos consumidores em saldar os débitos, alastrou-se o processo de quebra dos credores das hipotecas. Instituições financeiras de grande porte como Merrill Lynch e Lehman Brothers foram à falência no processo.

Memória
Efeito colateral

O Correio Braziliense publicou matéria domingo mostrando que o aquecimento do mercado imobiliário povocado pelo programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal, contribui para aumentar o preço dos imóveis nas regiões em que foi implantado. Planaltina de Goiás, Santa Maria, Luziânia, Valparaíso de Goiás e Cidade Ocidental estão entre as cidades com valores inflados. Criado para facilitar o acesso da população de baixa renda à casa própria, o programa acabou tendo um efeito colateral negativo nessas cidades do DF e do Entorno, alvos de novos empreendimentos, urbanização e valorização de terrenos.

O Índice Bolha
Criado pelo Departamento de Economia da Universidade Católica de Brasília, o indicador mede a potencial existência de uma bolha especulativa no mercado de imóveis do DF. O sinal para a existência do fenômeno é um retorno baixo do investimento em imóveis diante de preços inflados de venda.

Luz verde
Índice abaixo de 20, sinaliza retorno do investimento superior a 5% ao ano. Perigo de bolha especulativa é baixo. Aplicou-se a apartamento de dois quartos em Águas Claras, com índice de 19,45.

Luz amarela
Índice entre 20 e 30, sinaliza retorno do investimento entre 2,5% e 5%. Aponta para bolha especulativa em formação. Foi constatada no Sudoeste, na Asa Sul e na Asa Norte e para apartamentos de três quartos em Águas Claras.

Luz vermelha
Índice entre 20 e 40, sinaliza retorno do investimento abaixo de 2,5%. Aponta existência de bolha especulativa no mercado. Não foi identificada entre as regiões pesquisadas (Águas Claras, Sudoeste, asas Norte e Sul).


Inflação de março fica em 3,5%
O encarecimento dos alimentos foi responsável pela quarta alta consecutiva em março do Índice de Custo de Vida do Distrito Federal (ICV-DF), indicador da Universidade Católica de Brasília (UCB) que mede a inflação local da cesta básica mês a mês. O custo médio para aquisição dos produtos variou de R$ 398,71, em fevereiro, para R$ 412,67 no mês passado, registrando oscilação positiva de 3,5%. O tomate, a batata inglesa, o açúcar e a banana puxaram a alta.

O tomate foi o item com maior alta de preço no período. O custo da hortaliça aumentou 38,10% entre fevereiro e março deste ano nos supermercados do Plano Piloto, Ceilândia, Taguatinga e Guará, quatro localidades que compõem o levantamento. A ele seguiram-se o açúcar (16,49%), a banana (20,63%) e a batata (1,97%) na lista de vilões da cesta básica.

De acordo com Kátia Velázques, economista da UCB responsável pela pesquisa, por serem gêneros de difícil substituição do cardápio e suscetíveis a problemas na safra, os quatro itens pesaram no bolso do morador do DF no último mês. ;As alterações climáticas no país têm afetado bastante os produtores. Com isso, a oferta tende a diminuir. Como a demanda continua a mesma, pois não são itens supérfluos, a tendência é realmente a gente pagar mais caro;, explica.

O custo médio dos alimentos da cesta básica como um todo subiu 4,47% no DF em março. O Plano Piloto encabeçou a alta, com acréscimo de 8,12% no valor desembolsado pelo consumidor. Em segundo lugar veio Ceilândia, que cravou 5,53% de aumento, e em terceiro Taguatinga, com variação positiva 4,68%. Apenas o Guará registrou deflação de 0,45% no alimentos.

O valor desembolsado para comprar artigos de higiene pessoal também subiu no mês último. O grupo registrou inflação de 1,29% e, no Plano Piloto, a alta chegou a 17,77%. Já o custo dos produtos de limpeza teve recuo na média geral das cidades, caindo 1,20%, mas subiu significativamente no Plano: o grupamento ficou 14,96% mais caro nos supermercados.

Segundo Kátia Velázques, os itens, de substituição mais fácil do que os alimentos e diferenciados pelo fato de o consumidor de maior poder aquisitivo comprá-los escolhendo as marcas de sua preferência, sempre registram oscilação de preço maior no Plano Piloto. ;Como a população tem uma renda mais alta, a marcação de preços segue a lógica do mercado, do consumo, de estratégias de marketing;, afirma.


Políticas públicas na contramão
O economista Álvaro Sachsida lembra que os resultados da pesquisa são preliminares, já que ela mostra a realidade do mercado em março deste ano. ;Mas a gente sabe que não há grande oscilação, e que o movimento especulativo tende a se confirmar.; O pesquisador ressalta que o mercado local está aquecido, e diz que a situação se intensificou com o aumento dos recursos para financiamento imobiliário no país nos últimos meses (veja Memória).

O professor afirma, entretanto, que isso não significa que comprar imóvel seja um mau negócio no DF, ou que exista um risco iminente de estouro de bolha no setor imobiliário. ;São décadas até uma bolha estourar e, até isso acontecer, revender imóvel continua vantajoso, porque os preços vão subir;, diz

Entre as medidas sugeridas pelo professor, estão políticas públicas voltadas à oferta de terrenos, o que forçaria uma queda no preço dos imóveis. ;O DF é um caso emblemático. A Terracap (Companhia Imobiliária de Brasília) concentra as áreas para construção, que são poucas;, comenta.

Realidade
O presidente do Sindicato de Compra e Venda, Locação e Administração do Distrito Federal (Secovi-DF), Miguel Setembrino, afirma que os dados relativos ao rendimento do aluguel revelados pela pesquisa confirmam a realidade do mercado local. Segundo ele, a renda registrada pelo setor fica entre 0,3% e 0,4% ao mês, enquanto, em outras capitais, ela fica entre 0,7% e 0,8% mensais. ;De fato, é pouco na comparação com outros estados, e para um mercado tão aquecido;, diz ele que não enxerga uma situação de risco no DF.

Para Luís Fazzioni, 34 anos, dono da Fazzioni Consultoria, empresa que constrói e orienta clientes na aquisição de imóveis para revender, o investidor do DF foca mais na venda do que na obtenção de renda com o aluguel. ;Brasília tem um perfil atípico. A oferta do aluguel na região central supera a demanda. Todos estão mais interessados em comprar imóveis. Então, o investidor busca retorno na venda, mas, enquanto tem o imóvel, quer que ele se pague por meio do aluguel;, diz.

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