Jornal Correio Braziliense

Cidades

Arquitetos e urbanistas apoiam retirada de painéis em prédios do Plano

Além de violar a legislação, painéis de publicidade fixados em prédios da área central do Plano Piloto põem em risco o título de Patrimônio da Humanidade concedido pela Unesco



Órgãos de defesa do patrimônio público e do urbanismo defendem a ação da Agência de Fiscalização do Distrito Federal (Agefis) de retirada dos engenhos publicitários do Setor Bancário Sul (SBS), iniciada sábado (2/6). Todos afirmam que a publicidade de grande porte na área central de Brasília fere o tombamento da capital, além de contrariar o Plano Diretor de Publicidade do Plano Piloto.

A Agefis ganhou o apoio do Conselho de Arquitetura e Urbanismo, do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB/DF) e do Movimento Urbanistas por Brasília. Os três, por meio de nota, explicaram não ser ;possível colocar propaganda em áreas não previstas em lei;. ;O controle tem o intuito simples e objetivo de proteger a sociedade da poluição visual causada pelo excesso de veiculação comercial em áreas urbanas;, diz o texto.

Para especialistas, a publicidade visual ameaça o título Patrimônio Cultural da Humanidade, concedido pela Unesco. ;São ações que descaracterizam aquilo que nasceu tão bonito, com os traços de Lucio Costa e a arquitetura de Oscar Niemeyer. Alterar isso é perder tudo o que se construiu aqui (Plano Piloto);, afirma Aldo Paviani, professor emérito da UnB e diretor de Estudos Urbanos e Ambientais da Codeplan.

Representante do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos), braço técnico da Unesco, a arquiteta e urbanista Emília Stenzel explica que o título é colocado em risco quando há uma série de erros . ;Na área tombada, deve-se ter uma preocupação com as características da arquitetura e da linguagem arquitetônica. É ela que deve falar mais alto e não a publicitária.;

Integrante do Urbanistas por Brasília, Romina Capparelli cita outras cidades, como Washington, Paris e Londres: ;Imagine visitar a frente da Casa Branca e haver um engenho publicitário bem no meio da sua foto. O mesmo vale para o Louvre ou o Palácio de Buckingham, por exemplo. Esse tipo de elemento interfere na leitura do bem tombado, especialmente no caso de Brasília, em que a cidade é o bem tombado.;

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Juíza reage

A Agefis identificou no SBS cinco empenas em lona e um painel digital, este do grupo Metrópoles, proibidos pela Lei 3.035/2002 do Plano Diretor de Publicidade. A norma estabelece que as propagandas fixadas em edifícios só podem conter informações sobre o prédio, empresas, entidades ou órgãos nele instalados. No sábado, o Metrópoles interpôs pedido de liminar para suspender a retirada do painel, sob a alegação de que ter licença da Administração de Brasília e de que é locatária do 16; andar do referido edifício.

A desembargadora Ana Maria Duarte Amarante Brito negou o pedido. Ela reconhece a licença para instalação do painel, porém explica que ;não é a proibição da colocação do painel na fachada do edifício em si que causou a concessão da medida judicial, ou a veiculação de matéria contrária aos interesses governamentais, mas sim a inserção de matéria que contraria normas legais;. A estrutura expunha a previsão de tempo, a situação do trânsito, a programação cultural da capital, além de toda a sorte de assuntos.

Até a tarde de ontem, bombeiros e fiscais haviam retirado 72 das 171 placas do painel de led no Edifício Marita Martins, homônimo da mãe de criação do senador cassado Luiz Estevão, dono do Metrópoles, que cumpre pena de 26 anos na Papuda. A Agefis disse que ;a remoção requer cuidados com os servidores que executam a ação;. Cada placa pesa 40kg e mede 1,2m de largura por 1,2m de altura.

A 4; Promotoria de Justiça de Defesa da Ordem Urbanística (Prourb), por sua vez, pediu parecer das arquitetas e urbanistas Maria Luiza Braga e Ivana Jinkings a respeito do painel de led instalado no Edifício Marita Martins. ;O tipo de propaganda veiculado não se restringe ao estipulado em lei;, concluíram ambas. A Prourb vai pedir a retirada de outros dispositivos de publicidade instalados na área tombada, como o Parque da Cidade. A promotora Marilda Fontinele reforça a necessidade de ações para coibir o uso indevido do espaço urbano. ;No Parque da Cidade, por exemplo, há outdoors que ferem não só a Lei n; 3.035/2002, como as normas que disciplinam o uso do parque e o tombamento de Brasília;, enfatiza.

Quatro perguntas para Daniel Mangabeira, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do DF

Como o senhor avalia o Plano Diretor de Publicidade do DF? Seria uma lei rigorosa demais?
A lei é menos rigorosa do que deveria. Não há limitação para a criação de enormes logotipos na fachada. Em cidades onde há respeito ao espaço público, essas aplicações em fachadas são proibidas ou regulamentadas. A nossa lei deveria ser mais rígida do que é. Fala-se muito em poluição visual. Cidades como São Paulo e Nova yotk já passaram por essa ;limpeza;, portanto, é oportuna essa discussão aqui em Brasília para reforçamos a necessidade de não transformarmos nossos edifícios em expositores comerciais. Todos nós reclamamos quando a propaganda nos foi imposta por redes sociais, portanto, a cidade não pode ser usada como mecanismo de venda de produtos.

Qual é o problema de colocar publicidade em uma empena cega (a parte do prédio que não tem janelas)?
Temos em Brasília muitos edifícios com empenas cegas. Lucio Costa sempre falou sobre o estado de equilíbrio entre as partes da cidade, portanto, não devemos pensar a cidade independente das partes. Se começarmos a pensar que toda empena cega é local de propaganda, estará decretada a falência de qualquer civilidade. A cidade não deve ser pensada como loteamento de espaços de propaganda, mas como urbis, como espaço civilizatório.

Grandes cidades, como Tóquio e Nova York, não só têm painéis luminosos enormes, como eles são importantes pontos turísticos. Por que não em Brasília?
Nós também temos espaços específicos para isso! O Conjunto Nacional e o Conic foram pensados para isso, mas são subaproveitados comercialmente. É um absurdo comparar Tóquio, Nova York ou outras cidades grandes com Brasília. Nossa cidade é Patrimônio Cultural da Humanidade, as outras três citadas, não. O título da Unesco, porém, não impede de termos grandes painéis luminosos. Brasília tem espaço definido para tal na Asa Norte e na Asa Sul. Nestas outras cidades grandes há regras rígidas de poluição visual que são cumpridas. Times Square não é resultado de instalação irregular, no entanto, os painéis afixados na Asa Sul são. Portanto, comparar outras grandes cidades com Brasília é ignorar sua posição na história do urbanismo mundial e uma total falta de conhecimento de mecanismos de desenvolvimento urbano. Os painéis são irregulares e estão fora da lei, não há o que discutir, não há concessão, não há desculpa, não há retaliação e não há censura. Mudar o foco do que realmente deve ser discutido é camuflar interesses específicos.

O título da Unesco é colocado em risco com tais painéis?
Quem pode responder melhor sobre isso será a própria Unesco, mas temos que ser capazes de avaliarmos e solucionarmos nossos próprios problemas sem dependermos de avaliações externas. Fomos pioneiros e inovadores quando criamos Brasília, portanto, mudar essa ótica é assinar um atestado de incompetência. Se não defendermos a relevância urbanística da nossa cidade com veemência, perderemos não apenas um título importante para a nossa história, nossa cultura e nosso turismo, mas perderemos também nossa identidade como nação criativa, independente e que um dia se mostrou para o mundo de maneira progressista e transformadora. Hoje somos o país da corrupção, quando outrora fomos o país do futuro.

O que diz a lei


Normas claras

As regras para a publicidade na área tombada estão descritas na Lei n; 3.035, de 18 de julho de 2002. Porém, a regulamentação só ocorreu em 2007, por meio do Decreto n; 28.134 e contém explicações detalhadas sobre o tamanho e a inclinação das peças publicitárias fixadas na edificação. Elas devem ser limitadas a 25% da área da fachada, inclusive nas laterais dos prédios. Para as demais regiões administrativas ; que não são tombadas ; valem as regras da Lei n; 3.036/02.