Cidades

Amigos de jovem que matou o pai relatam que ele tinha quadro depressivo

Gabriel Lima Braga está preso na Ala de Tratamento Psiquiátrico (ATP) da Papuda. Juiz entendeu que ele precisa ser mantido separado dos demais custodiados, tendo em vista que apresenta sinais de problemas psiquiátricos

Pedro Grigori - Especial para o Correio
postado em 15/08/2018 09:00
Carro de polícia em frente a casa
Amigos de Gabriel Lima Braga, 23 anos, afirmam que o jovem demonstrava sinais de depressão e transtorno de personalidade, mas não recebeu ajuda ou tratamento. Ele é acusado de assassinar o pai, José Pereira Braga, 57, e esfaquear a mãe, a pastora Josenita Lima Braga, 50, e está preso na Ala de Tratamento Psiquiátrico (ATP) da Papuda. O crime ocorreu na madrugada desta segunda-feira (13/8).
Amigos desmentem o depoimento da mãe, segundo quem o filho "mexe com magia negra, feitiçaria e bruxaria". Segundo colegas de religião, ele frequentava cultos de candomblé, e os pais, pastores de uma igreja evangélica, não aprovavam.

A melhor amiga do jovem, que pediu para não ser identificada, conta que Gabriel é uma pessoa inteligente, que estudava francês, escrevia poemas, desenhava e participava de projetos artísticos, como grafite. Gabriel passou para história na Universidade de Brasília (UnB) no segundo semestre de 2013. ;Ele era uma pessoa que falava com todo mundo, mas se abria para poucos;, contou a melhor amiga.

Após completar 18 anos, Gabriel assumiu para os familiares que é gay. Até então, ele frequentava o Ministério Internacional Vida Abundante (Miva), igreja onde o pai atuava como pastor. A partir daí, ele foi iniciado no candomblé, o que teria ocasionado mais brigas dentro de casa. Todos os amigos ouvidos pelo Correio relatavam que os familiares ;fingiam não saber que o filho era gay;, e que Gabriel só conseguia expressar a sexualidade na UnB.

[SAIBAMAIS]A amiga, que hoje atua como professora de história, conta que passou por um quadro de depressão em 2015, e que Gabriel a ajudou enfrentar a doença. ;Ele me levou a procurar psicólogo e psiquiatra. Quando tomava remédio, falava comigo todo dia, segurava a minha barra;, relembra. Durante esse período, Gabriel começou a relatar para a amiga que estava ouvindo vozes e com a sensação de que era seguido na rua. ;No começo estranhei, mas estava envolvida com meus próprios problemas e acabei deixando para lá;, relata.

Em 2016, ele foi desligado da UnB por não cumprir requisitos do calendário acadêmico. A partir disso, passou a se afastar dos amigos. No ano seguinte, tentou passar novamente para a universidade, mas não conseguiu ser aprovado. ;Aí o quadro dele piorou. A família não dava atenção, acreditavam que era coisa do demônio, falta de Jesus;, diz a amiga.

A professora de história recebeu a notícia do assassinato na manhã de segunda-feira (13/8). ;Não consigo mais dormir nem parar de chorar. Eu me sinto culpada por não tentar ajudá-lo mais. É errado tanta gente julgá-lo, ele estava doente, assim como eu. A diferença é que sou privilegiada em ter acesso a psicólogo e psiquiatra, ele não tinha isso;, afirma.

Ajuda espiritual


Segundo amigos da UnB, Gabriel sempre deixou claro que a relação com os pais era complicada. Em 2017, eles teriam tido uma briga grande, o que fez os pais pedirem que ele se retirasse de casa. A mãe o ajudou financeiramente no primeiro mês, mas sem dinheiro, o jovem teve que voltar para casa. A tia de Gabriel, Gislaine Lima, 44 anos, negou à reportagem que o jovem tenha sido expulso e garantiu que ele sempre foi bem recebido pelos pais. "Uma vez ele disse que queria morar sozinho, depois ficou com a tia por uns meses;.

Meses depois, sem condições de se manter, Gabriel teria pedido para voltar para a casa dos pais, em Vicente Pires. "Os dois concordaram e aceitaram ele muito bem, com muito carinho. Ele nunca foi expulso. Todas as decisões que tomou foram por conta própria, porque ele era maior de idade", contou Gislaine.

A tia relatou ainda que o jovem tinha um comportamento ;estranho;. ;Tinha horas em que não dava para entender direito o que falava. Ele ficava andando pela casa e havia momentos em que conversávamos sobre um assunto e ele entrava em outro;, disse.

Transtorno de personalidade


Gabriel participava um grupo de amigos do curso de história da UnB. No último ano, começou a se afastar e, quando encontrava os colegas, apresentava comportamento ;desaparecido da realidade;. ;Ele mudava o tom da voz do nada. O Gabriel tinha depressão, mas não era tratado como alguém com problema neurológico ou psiquiátrico. Ele agia como se fosse duas pessoas, como se tivesse transtorno de personalidade;, conta uma amiga. O grupo não soube informar se Gabriel já havia passado por alguma avaliação psiquiátrica.

Na manhã desta terça-feira (14/8), o juiz Aragonê Nunes orientou que Gabriel fosse mantido separado dos demais custodiados, tendo em vista que apresenta sinais de problemas psiquiátricos. Os amigos se dizem aliviados com a decisão. ;Ele tem que pagar pelo que crime que cometeu, mas tem que fazer isso como uma pessoa que tem problemas psiquiátricos;, acredita a melhor amiga.
A reportagem procurou a família de Josenita e José, que pediu para não ser incomodada no momento de luto. O Correio não conseguiu contato com a defesa de Gabriel.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação