Cidades

Feminicídio: especialistas defendem assistência multiprofissional

Marido atacou a mulher por não gostar do horário em que ela voltou para a residência do casal, em Sobradinho. Vítima está internada na unidade de terapia intensiva (UTI) do hospital da cidade

Alan Rios
postado em 28/05/2019 06:00

Mão de homem despedaça rosa A covardia fez outra vítima no Distrito Federal. Um homem de 63 anos esfaqueou a mulher, de 54, por não gostar do horário em que ela chegou em casa, na Nova Colina, em Sobradinho. Ela afirmou, em depoimento, que só não morreu porque conseguiu fugir e se esconder na vizinha. A vítima passou por cirurgia e está internada na unidade de terapia intensiva (UTI) do Hospital Regional de Sobradinho (HRS). Nos três primeiros meses de 2019, a Secretaria de Segurança Pública registrou 33 tentativas de feminicídio no DF. No mesmo período de 2018, 18.


O crime aconteceu no fim de semana, após uma discussão. ;O marido contou que ficou nervoso no sábado à noite porque ela (companheira) saiu de casa e chegou às 20h. Naquele dia, eles discutiram e chegaram a dormir em quartos separados. Quando foi no domingo, por volta das 12h, a briga continuou, ele empunhou uma faca de açougueiro e a atingiu;, contou o delegado-chefe da 13; Delegacia de Polícia (Sobradinho), Hudson Maldonado. ;Ela chegou a perguntar, em desespero: ;O que você vai fazer, meu bem?;, porque não acreditava no que estava acontecendo;, acrescentou.

A facada atingiu a vítima no peito. Ferida, ela chegou à casa da vizinha, que pediu socorro ao Samu. O homem foi até um estabelecimento comercial da região onde costumava encontrar amigos e contou o que tinha feito, ;como se quisesse desabafar;, detalhou o delegado Hudson. Um deles é policial civil aposentado e revoltou-se com o relato. ;Na condição de cidadão, que pode dar voz de prisão em casos criminais de flagrante (leia Saiba mais), o aposentado disse que ele seria preso e o encaminhou à delegacia;, contou o investigador.

Na 13; DP, o acusado tentou justificar o crime alegando ciúmes. ;Ele usou um argumento covarde para dizer que a mulher o tinha traído no sábado, quando chegou tarde, como se isso justificasse a tentativa de feminicídio;, disse Hudson. O autor do crime foi autuado por tentativa de feminicídio e pela Lei Maria da Penha (Lei n; 11.340/06).

Os envolvidos estão casados há seis anos e vivem juntos há cerca de 20. A vítima contou, na delegacia, que o relacionamento estava tranquilo. Em janeiro de 2018, no entanto, ela registrou ocorrência contra o companheiro por injúria, após ser xingada em uma briga. O caso não gerou medidas protetivas, pois foi interpretado como de baixa gravidade, e a mulher não denunciou outros episódios de violência psicológica ou física.

Saiba mais

O homem que deu voz de prisão ao acusado estava na condição de um cidadão comum. Segundo o Artigo 301 do Código de Processo Penal do Brasil, qualquer indivíduo brasileiro pode prender quem estiver cometendo um crime em flagrante delito. ;Basta utilizar dos meios necessários para conter a pessoa e encaminhar à autoridade policial. O código penal não fala um procedimento específico. Se você prende uma pessoa tem que usar apenas os meios necessários, se não, você responde pelos excessos;, detalhou o advogado Guilherme Martins de Oliveira.

Avaliação de risco

Especialistas defendem que o DF precisa dar atenção a serviços de assistência multiprofissional que ofereçam especialistas de áreas como saúde, educação e jurídica, por exemplo. Ana Paula Antunes Martins, doutora em sociologia pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre as Mulheres, acredita que o Estado precisa se capacitar tanto com políticas públicas de qualidade quanto quebrando preconceitos.


;Embora nos órgãos especializados, geralmente, atuem profissionais com maior capacitação para lidar com o problema, ainda existe um descrédito da palavra das mulheres, o que faz com que situações graves de violência sejam interpretadas como ;exagero;;, afirmou Ana Paula, que atuou como consultora do Ministério da Saúde e da Secretaria de Políticas para as Mulheres do governo federal. ;Hoje, há um esforço muito grande na construção de protocolos efetivos de avaliação de risco para que nunca mais aconteça o caso de uma mulher sair da delegacia e sofrer feminicídio depois de alguns dias, ou com a medida protetiva no bolso, como aconteceu recentemente aqui no Distrito Federal;, acrescentou.

Violações

Jacqueline dos Santos Pereira , 37 anos, foi assassinada pelo motoboy Maciel Luiz Coutinho da Silva, 38, em 6 de maio. O crime ocorreu em Santa Maria. A vítima, atacada pelas costas ao chegar em casa, mantinha, no bolso traseiro da calça, as medidas protetivas contra o agressor. Ela chegou a registrar duas ocorrências de violações à Lei Maria da Penha contra o ex-marido.

Marido atacou a mulher por não gostar do horário em que ela voltou para a residência do casal, em Sobradinho. Vítima está internada na unidade de terapia intensiva (UTI) do hospital da cidade

Onde conseguir ajuda

Núcleo de Gênero do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
Endereço: Eixo Monumental, Praça do Buriti, Lote 2, Sala 144, Sede do MPDFT
Telefones: 3343-6086 e 3343-9625. Fax: 3343-9948
E-mail: pro-mulher@mpdft.mp.br

Centro Especializado de Atendimento à Mulher (Ceam)
Endereços: Estação do Metrô 102 Sul; Ceilândia (QNM 3 Conjunto F, lotes 1 a 3); e Planaltina (Entrequadras 1 e 2 do Jardim Roriz, Área Especial)

Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam)
Endereço: EQS 204/205, Asa Sul, Brasília
Telefones: 3207-6195 e 3207-6212
E-mail: deam_sa@pcdf.df.gov.br

Central de Atendimento à Mulher
Ligue 180

Capacitação no atendimento

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e o Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT) receberão, na próxima sexta-feira, a primeira turma do curso ;Lei Maria da Penha e o atendimento pelos profissionais da saúde;. O objetivo da iniciativa é a capacitação daqueles que trabalham no atendimento à mulher ou diretamente vinculados ao enfrentamento da violência doméstica e familiar. As inscrições podem ser feitas em www.bit.ly/2Qu7yuP. Dados levantados pelo MPDFT mostram um aumento no número de denúncias de violência doméstica oferecidas pelo órgão. Em 2018, foram 6.791, enquanto, em 2017, elas chegaram a 5.909. A variação corresponde a um crescimento de 14,9%. No fim de 2018, a Organização das Nações Unidas (ONU) classificou a violência de gênero como pandemia global.

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