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Luciana poderia estar viva se tivesse recebido socorro, afirma delegado

A vítima foi esfaqueada 48 vezes pelo ex-namorado, Alan Pinto de Jesus. O suspeito confessou parcialmente o crime para a polícia em interrogatório, realizado no sábado (30/12) no Hospital de Base

A funcionária do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Luciana de Melo Ferreira, 49 anos, levou 48 facadas nas costas, conforme laudo cadavérico do Instituto de Medicina Legal (IML). Ainda segundo o exame, ela morreu por choque hipovolêmico (perda súbita e excessiva de sangue) e, se tivesse recebido socorro, poderia estar viva. O vigilante Alan Pinto de Jesus, 45, está preso preventivamente. Ele está internado no Hospital de Base com traumatismo cranioencefálico, sob escolta policial.
Segundo o delegado Ricardo Viana, chefe da 3; Delegacia de Polícia (Cruzeiro), o vigilante confessou parcialmente o crime durante interrogatório, que durou mais de quatro horas, no sábado (30/12). Na versão do acusado, ele confirmou ter esperado por Luciana no prédio dela, o que já tinha sido confirmado por circuito interno de segurança do local, localizado na QRSW 2, no Sudoeste. O caso ocorreu na noite de 21 de dezembro, mas o corpo foi encontrado dois dias depois.
"Ele afirma que não tinha a intenção de matá-la, mas sim, conversar. Por isso, ficou nas escadas do quarto andar. Após duras horas, viu Luciana chegar e desceu as escadas. Ela tentou fechar a porta, mas ele bloqueou com a mão e forçou a entrada. Dentro do apartamento, Alan diz que conversou com a vítima, pedindo para reatar o namoro. Eles discutiram e ela pegou uma tesoura, atacando-o. Alan a mobilizou e, nessa hora, ela mesma teria se esfaqueado", relata.
Depois, o vigilante viu a ex-namorada agonizar no chão da sala. Ele pegou a tesoura, colocou na bolsa da vítima, onde já tinha outros pertences pessoais. "Alan trancou a porta e deixou a casa. Ele seguiu de carro para a casa da ex-mulher e, durante o trajeto, se livrou das provas materiais do crime. Acreditamos que a intenção dele em levar os objetos era tentar fazer com que o caso parecesse um latrocínio (roubo com morte), não um feminicídio", afirma o delegado.
Para Ricardo Viana, a versão do acusado é "esdrúxula e descabida. Quando questionados o motivo de ele não ter chamado o socorro para a vítima, pois não tinha a intenção de matá-la, não houve resposta. A investigação indica que, até o momento em que força entrada no apartamento, é verdade. Mas não acreditamos que Luciana teria se auto lesionado, até pela localidade dos ferimentos."
A tese de que Alan premeditou o crime e chegou o apartamento decidido a assassinar a ex-namorada se consolida no fato de, nas filmagens, o homem estar com um objeto na mão direita. "Acreditamos que ele levou a arma do crime, que não podemos afirmar que seja mesmo uma tesoura, como o acusado relata. Tudo aponta que o vigilante chegou atacando Luciana, que lutou pela própria vida. Além dos golpes nas costas, ela também tinha cinco perfurações nos antebraços", acrescenta Viana.
Os ferimentos do vigilante, inclusive o traumatismo cranioencefálico, teriam sido decorrentes da luta corporal com a funcionária do TSE. O acusado segue internado no Hospital de Base, sob escolta policial. Ele está preso preventivamente. Alan responderá por homicídio quadruplamente qualificado: feminicídio; motivo torpe; mediante emboscada; e asseguração a execução de outro crime (por tentar fingir um latrocínio).

Feminicídios

O Distrito Federal registrou 33 casos de feminicídios neste ano, até o fechamento desta edição. O número é 37% maior do que todo o ano passado, quando foram 28 assassinatos por questão de gênero. Para a defensora pública e coordenadora do Núcleo de Defesa da Mulher, Dulcielly Nóbrega, os dados indicam uma cultura de objetificação das mulheres.
"Em primeiro momento, precisamos esclarecer que a Lei do Feminicídio é de 2015. Por isso, esse aumento pode ser atribuído a uma maior capitulação das policiais neste tipo de crime. Por outro lado, os números revelam uma profunda desigualdade de gênero existente no país e no nosso caso, no DF. Isso está relacionado a cultura a qual o homem ainda se sente proprietário da mulher, tendo poder sobre ela de vida ou morte. A maior parte dos feminicídios ocorrem quando a mulher decide colocar um fim ao relacionamento", destaca a defensora.
Dulcielly Nóbrega defende também que é preciso ter políticas públicas para a prevenção dos crimes, pois "as medidas após os assassinatos não são suficientes. Precisamos que ocorra um engajamento de toda a comunidade para que a mulher não se sinta culpada e sozinha quando decidir denunciar. As mulheres também precisam se disponibilizar a fazer os formulários de risco. Além disso, precisamos pensar políticas contra a desigualdade de gênero a longo prazo, com ensino nas escolas, como o Maria da Penha vai à Escola."