Cidades

Arquitetos condenam lei que permite painel em área tombada de Brasília

Especialistas ligados a arquitetura e urbanismo destacam que projeto que fere área tombada da capital foi votado na Câmara Legislativa sem qualquer consulta a instituições ligadas ao patrimônio, como o Iphan

A mudança na lei que trata do Plano Diretor de Publicidade do Distrito Federal ainda deve provocar mais polêmicas. A notícia da publicação das alterações no Diário Oficial do Distrito Federal (DODF), ontem, não agradou a profissionais de arquitetura e urbanismo. Para eles, as alterações, como o equipamento pertencente à empresa Metrópoles Mídia e Comunicação, de propriedade do senador cassado Luiz Estevão, abrem espaço para o aumento da poluição visual e fogem do que estava previsto no projeto original de Lucio Costa.

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (FAU/UnB), Frederico Flósculo considera que a cidade se tornou desordenada, do ponto de vista do planejamento urbanístico. Para ele, assim que a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) concedeu o título de Patrimônio Cultural da Humanidade à capital federal (leia Para saber mais), o governo deveria ter criado o Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCub). “Uma coisa é você ganhar título, outra coisa é você ter um plano que assegure que esse título será para sempre. Estamos com 33 anos de carência do PPCub”, ressalta.

Frederico criticou a forma como o projeto altera o previsto no Plano Diretor de Publicidade, sancionado em 2002, ao mesmo tempo em que critica a norma. “Ela adotou soluções que vendedores e outdoors queriam e nunca foram examinadas pelo ponto de vista da cidadania. É uma lei para quem vende e comercializa esses espaços.” O professor lembra que o plano de Lucio Costa previa propagandas apenas nos setores de diversões Sul e Norte, não nos setores bancários Norte e Sul. “Ele, propositadamente, fez fachadas inteiras (para esse fim). Isso foi parte da concepção de Brasília. Você não teria isso em nenhum outro lugar, somente nas fachadas dos dois conjuntos. A qualidade do projeto é conhecida há 60 anos”, completa o especialista.

Formada pela primeira turma do curso de arquitetura e urbanismo da UnB, a arquiteta e urbanista Elza Kunze Bastos considera que modificações na lei provocam conturbação e poluição visual. “(O plano da cidade) é totalmente desrespeito. O que foi tombado foi a escala urbanística de Brasília. O resto pode ser alterado dentro das devidas proporções. É necessário um mínimo de bom senso para não colocarem letreiros de propaganda em todo lugar”, cobra Elza.

A arquiteta afirma que chegou a entrar com ações junto ao Ministério Público para pedir a retirada de outdoors em áreas do Plano Piloto e ressalta que a legislação não permite a instalação de “aparatos luminosos” que possam interferir no trânsito. “Não há justificativas. (A sanção da lei) é um desacato às normas urbanísticas. Há uma poluição urbana total, um desrespeito à cidadania e a qualquer possibilidade de planejamento”, critica Elza.

Consulta

O projeto de lei que previa as mudanças chegou ao plenário da Câmara Legislativa em 20 de maio. De autoria dos distritais Delmasso (Republicanos) e Rafael Prudente (MDB), a matéria acabou aprovada menos de um mês depois. Contrários à proposta argumentaram que não houve consulta a especialistas ou entidades relacionadas às áreas de arquitetura e urbanismo.

Autarquia federal responsável pela preservação do patrimônio cultural brasileiro para as futuras gerações, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) não chegou a fazer parte do processo de avaliação do projeto de lei que modificava o Plano Diretor de Publicidade. “O Iphan-DF não foi consultado, não tendo assim a oportunidade de analisar o projeto de lei, e, por consequência, não sabe o teor das alterações”, afirmou a entidade.

Ontem, o Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios (MPDFT) informou que a lei vai passar por análise. “Se os promotores entenderem que é inconstitucional, ela pode ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade (ADI)”, informou em nota. O Correio questionou a Unesco se essa mudança ameaçaria o título de Patrimônio Cultural da Humanidade. No entanto, a entidade disse “não ter informações oficiais sobre o assunto”.

As alterações na lei afetam um painel eletrônico localizado no Setor Bancário Sul (SBS). Alvo de questionamentos na Justiça há dois anos, o equipamento do site Metrópoles, do senador cassado Luiz Estevão, está desligado devido à manutenção de uma decisão liminar da 5ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). Os desembargadores negaram recurso apresentado pela empresa responsável pela estrutura.

O julgamento da ação principal estava suspenso devido à análise dos recursos apresentados. Ao determinar o desligamento do painel pela primeira vez, em maio do ano passado, o juiz da Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do DF — onde o processo tramita — considerou que o painel luminoso violava a lei que autoriza apenas identificações específicas na lateral dos edifícios. Assim que o andamento continuar, haverá julgamento do mérito do tema.

Para saber mais

Reconhecimento pela Unesco

Em 7 de dezembro de 1987, o comitê do Patrimônio Mundial da Unesco aprovou a inclusão de Brasília no rol de locais considerados patrimônios culturais da humanidade. A decisão ocorreu durante uma reunião em Paris e atendeu a pedido do então governador do Distrito Federal, José Aparecido de Oliveira. Com a concessão do título ao projeto urbanístico de Lucio Costa, as autoridades poderiam pedir recursos do Fundo do Patrimônio Mundial da Unesco para preservar a cidade.