Cidades

Arquitetos condenam lei que permite painel em área tombada de Brasília

Especialistas ligados a arquitetura e urbanismo destacam que projeto que fere área tombada da capital foi votado na Câmara Legislativa sem qualquer consulta a instituições ligadas ao patrimônio, como o Iphan

Correio Braziliense
postado em 24/07/2020 06:00
A colocação de painéis de publicidade no Setor Bancário Sul foge do padrão planejado de Lucio CostaA mudança na lei que trata do Plano Diretor de Publicidade do Distrito Federal ainda deve provocar mais polêmicas. A notícia da publicação das alterações no Diário Oficial do Distrito Federal (DODF), ontem, não agradou a profissionais de arquitetura e urbanismo. Para eles, as alterações, como o equipamento pertencente à empresa Metrópoles Mídia e Comunicação, de propriedade do senador cassado Luiz Estevão, abrem espaço para o aumento da poluição visual e fogem do que estava previsto no projeto original de Lucio Costa.

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (FAU/UnB), Frederico Flósculo considera que a cidade se tornou desordenada, do ponto de vista do planejamento urbanístico. Para ele, assim que a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) concedeu o título de Patrimônio Cultural da Humanidade à capital federal (leia Para saber mais), o governo deveria ter criado o Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCub). “Uma coisa é você ganhar título, outra coisa é você ter um plano que assegure que esse título será para sempre. Estamos com 33 anos de carência do PPCub”, ressalta.

Frederico criticou a forma como o projeto altera o previsto no Plano Diretor de Publicidade, sancionado em 2002, ao mesmo tempo em que critica a norma. “Ela adotou soluções que vendedores e outdoors queriam e nunca foram examinadas pelo ponto de vista da cidadania. É uma lei para quem vende e comercializa esses espaços.” O professor lembra que o plano de Lucio Costa previa propagandas apenas nos setores de diversões Sul e Norte, não nos setores bancários Norte e Sul. “Ele, propositadamente, fez fachadas inteiras (para esse fim). Isso foi parte da concepção de Brasília. Você não teria isso em nenhum outro lugar, somente nas fachadas dos dois conjuntos. A qualidade do projeto é conhecida há 60 anos”, completa o especialista.

Formada pela primeira turma do curso de arquitetura e urbanismo da UnB, a arquiteta e urbanista Elza Kunze Bastos considera que modificações na lei provocam conturbação e poluição visual. “(O plano da cidade) é totalmente desrespeito. O que foi tombado foi a escala urbanística de Brasília. O resto pode ser alterado dentro das devidas proporções. É necessário um mínimo de bom senso para não colocarem letreiros de propaganda em todo lugar”, cobra Elza.

A arquiteta afirma que chegou a entrar com ações junto ao Ministério Público para pedir a retirada de outdoors em áreas do Plano Piloto e ressalta que a legislação não permite a instalação de “aparatos luminosos” que possam interferir no trânsito. “Não há justificativas. (A sanção da lei) é um desacato às normas urbanísticas. Há uma poluição urbana total, um desrespeito à cidadania e a qualquer possibilidade de planejamento”, critica Elza.

Consulta

O projeto de lei que previa as mudanças chegou ao plenário da Câmara Legislativa em 20 de maio. De autoria dos distritais Delmasso (Republicanos) e Rafael Prudente (MDB), a matéria acabou aprovada menos de um mês depois. Contrários à proposta argumentaram que não houve consulta a especialistas ou entidades relacionadas às áreas de arquitetura e urbanismo.

Autarquia federal responsável pela preservação do patrimônio cultural brasileiro para as futuras gerações, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) não chegou a fazer parte do processo de avaliação do projeto de lei que modificava o Plano Diretor de Publicidade. “O Iphan-DF não foi consultado, não tendo assim a oportunidade de analisar o projeto de lei, e, por consequência, não sabe o teor das alterações”, afirmou a entidade.

Ontem, o Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios (MPDFT) informou que a lei vai passar por análise. “Se os promotores entenderem que é inconstitucional, ela pode ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade (ADI)”, informou em nota. O Correio questionou a Unesco se essa mudança ameaçaria o título de Patrimônio Cultural da Humanidade. No entanto, a entidade disse “não ter informações oficiais sobre o assunto”.

As alterações na lei afetam um painel eletrônico localizado no Setor Bancário Sul (SBS). Alvo de questionamentos na Justiça há dois anos, o equipamento do site Metrópoles, do senador cassado Luiz Estevão, está desligado devido à manutenção de uma decisão liminar da 5ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). Os desembargadores negaram recurso apresentado pela empresa responsável pela estrutura.

O julgamento da ação principal estava suspenso devido à análise dos recursos apresentados. Ao determinar o desligamento do painel pela primeira vez, em maio do ano passado, o juiz da Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do DF — onde o processo tramita — considerou que o painel luminoso violava a lei que autoriza apenas identificações específicas na lateral dos edifícios. Assim que o andamento continuar, haverá julgamento do mérito do tema.

Para saber mais

Reconhecimento pela Unesco

Em 7 de dezembro de 1987, o comitê do Patrimônio Mundial da Unesco aprovou a inclusão de Brasília no rol de locais considerados patrimônios culturais da humanidade. A decisão ocorreu durante uma reunião em Paris e atendeu a pedido do então governador do Distrito Federal, José Aparecido de Oliveira. Com a concessão do título ao projeto urbanístico de Lucio Costa, as autoridades poderiam pedir recursos do Fundo do Patrimônio Mundial da Unesco para preservar a cidade.

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