Ciência e Saúde

Leia a íntegra das entrevistas com os astrônomos Nial Tanvir e Ruben Salvaterra

postado em 29/10/2009 08:01
Como os senhores detectaram a luz da estrela e como mediram a idade de 13 bilhões de anos?

Nial Tanvir: Explosões de raios gama são incrivelmente brilhantes (muito mais brilhantes que qualquer coisa conhecida) e emitem todas as formas de luz -- não apenas a luz visível, mas também rádio, infravermelha, ultravioleta, raios-X e raios gama. Algumas dessas formas de radiação são absorvidas pela explosão de raio gama, então não vemos todas essas formas de luz. Para detectar essa explosão seguimos três passos: o satélite Swift detectou o flash luminoso (de alta energia) dos raios gama. Essa detecção apenas dá uma localização grosseira da explosão. Então, o Swift girou e fez fotos da luz desse local, com o uso de raio X. A imagem dá uma localização muito mais precisa. O passo final foi buscar a explosão usando grandes telescópios da Terra. A explosão não poderia ser vista em luz visível, mas foi detectada em luz infravermelha pelo Telescópio Infravermelho do Reino Unido e pelo Gemini-North Telescope (Havaí), além do Telescópio Gigante do Observatório do Sul da Europa (Chile). As propriedades desta luz, em particular o ;desvio para o vermelho; (alteração na forma como a frequência das ondas de luz é observada no espectroscópio em função da velocidade relatiba entre a fonte emissora e o receptor observador), indicam o quão distante ocorreu a explosão e o quanto estamos olhando para trás no tempo.
O desvio para o vermelho nos mostra a fração de sua idade atual, em relação à idade do universo quando a luz foi ;disparada;. Essa fração era de cerca de 4,6% -- como o universo tem 13,7 bilhões de anos, isso significa que a explosão ocorreu quando o cosmo tinha apenas 630 milhões de anos. Dessa forma, chegamos à conclusão de que a luz da explosão tem 13 bilhões de anos.

[SAIBAMAIS]Ruben Salvaterra: As explosões de raios gama são explosões cósmicas poderosas que ocorrem em outras galáxias. O satélite Swift detecta uma média de duas explosões por semana. No entanto, em 23 de abril passado, percebemos que um evento peculiar ocorrera. Observações baseadas em terra, realizadas com telescópios operados por diferentes equipes, revelaram que esta explosão não poderia ser detectada na luz visível, mas somente por meio de detectores sensíveis à luz infravermelha. Esse fato nos sugeriu que a GRB 090423 poderia ser um objeto muito distante. Mas faltava a coisa mais importante: uma medição precisa dessa distância. A melhor forma de medir a distância de uma fonte cósmica é pegar o espectro dela, por meio do prisma. Se observarmos alguma luz através do prisma, observará um ;arco-íris;. Isso ocorre porque o prisma espalha a luz em todos os seus comprimentos de onda -- do azul ao vermelho. Para medir a distância desse evento, decidimos usar o Telescópio Nacional Galileo, equipamento com 3,6m de diâmetro situado nas Ilhas Canárias e equipado com um prisma e uma câmera sensível ao infravermelho. Como não detectamos nenhum comprimento de onda azul, isso indica que a explosão foi bem longe -- a luz azul é absorvida pelas galáxias que encontra em seu caminho até a Terra e somente os comprimentos de onda vermelhos sobrevivem a essa absorção. Quanto maior é a distância do objeto, mais avermelhado é o comprimento de onda do qual podemos ver sua luz. Graças à resolução do instrumento que usamos, pudemos medir com boa precisão o comprimento de onda -- a luz proveniente da GRB 090423 sobreviveu à absorção intragaláctica e converteu essa informação em uma medida de distância da Terra. O grande resultado é que, com essas observações, pudemos estimar que a explosão de raios gama ocorreu há mais de 13 bilhões de anos, quando a idade do universo era de apenas 650 milhões de anos (4% de sua idade atual). Essa é a mais antiga e distante fonte astrofísica já observada. Usando a mesma técnica, outra equipe obteve resultado idêntico, realizando observações a partir do Chile.

Que informações sobre a criação do universo é possível aferir a partir dessa observação?

Nial Tanvir: A principal coisa que descobrimos é muito simplesmente que estrelas eram formadas naquele período. Até agora tínhamos apenas evidências circunstanciais disso. Nós também sabemos quais são os tipos de estrelas que algumas vezes explodem para produzir raios gama. Isso é importante para estudos futuros, por comprovar que as explosões de raios gama podem ser usadas para estudar essa era.

Ruben Salvaterra: É incrível o fato de esse objeto não ser uma galáxia gigante ou um quasar poderoso, mas apenas a explosão de uma única estrela. Graças a seu brilho, as explosões de raios gama são detectáveis a distâncias muito grandes. Nossa descoberta mostra muito claramente que elas podem ser vistas além de outros objetos astrofísicos. Agora sabemos que as estrelas estavam em seu local quando o universo tinha apenas 600 milhões de anos. Ainda que esse fato fosse previsto por vários modelos, nossa observação fornece a primeira pista direta apoiando essa ideia. Ao olharmos para as características deste evento, descobrimos que a GRB 090423 compartilha de muitas características com outras explosões observadas a distâncias menores. O universo, em sua idade jovem, já era bastante jovem e mais de uma geração de estrelas nasceram na galáxia que hospedava a GRB 090423.

Segundo a revista Nature, a idade da explosão abre uma janela para uma era cosmológica antes inacessível à observação. Quais as características da era sombria do universo?

Nial Tanvir: Após o Big Bang imaginava-se que o universo estivesse preenchido com um gás muito suave, que gradualmente se expandiu e resfriou. Apenas após algum período de tempo, talvez 100 ou 200 milhões de anos, algumas estrelas começaram a se formar no gás. A era anterior e durante a formação das primeiras estrelas é chamada de era sombria, porque não havia fontes luminosas e porque a radiação das novas estrelas ionizou o gás entre as galáxias, fazendo algumas formas de luz mais transparentes. Essas primeiras estrelas, as pequenas galáxias e aglomerados estelares, eram tão tênues e distantes que seriam incrivelmente difíceis de se ver e estudar. Uma das esperanças do James Webb Space Telescope é de que ele possa trazer algumas pistas dessas estrelas bastante precoces, ao ser lançado por volta de 2014. Até agora, tínhamos de ir nos focar nas propriedades das galáxias para vermos quando o universo tinha 1 bilhão de anos. As explosões de raios gama oferecem uma nova rota para vermos algumas dessas estrelas diretamente. A partir dessas propriedades, descobriremos com o que o universo se parecia. Se não pudermos obter bons dados sobre explosões de raios gama no futuro em uma mesma distância, esperamos aprender coisas como a quantidade de hidrogênio no universo que estava em forma neutra (oposta à ionizada), e se havia algum elemnto ao redor, além de hidrogênio e hélio. Essas duas coisas são importantes por acreditamos que as primeiras gerações de estrelas ionizaram o hidrogênio e produziram outros elementos (como oxigênio e carbono) -- o que não ocorreu durante o Big Bang.

Ruben Salvaterra: Essa questão é muito difícil. Após o Big Bang, o universo estava repleto de gás ionizado. Cerca de 300 mil anos depois, o universo tornou-se neutro e opaco à radiação. A chamada era sombrio começou. Por volta dos 500 milhões de anos, as primeiras estruturas começaram a se formar. Nesses objetos, as primeiras estrelas, chamadas de estrelas de População III (PopIII) puderam nascer. O gás do qual elas surgem tem uma composição primordial: nenhum metal estava presente. Esperamos que as primeiras estrelas em formação no universo sejam diferentes dos dias atuais, sendo enormes (milhares de vezes maiores que o sol). As primeiras estrelas produzem luz, calor e metais. Com o enriquecimento dos metais, a composição do gás fora do qual novas estrelas surgem se transforma e estrelas menores (População II) começam a se formar. Acreditamos que essas duas populações (PopII e PopIII) co-existiram durante as eras sombrias cósmicas, com as PopIII formando em galáxias com composição primordial e as PopII em galárias já enriquecidas com metais. O começo da formação das estrelas tem consequências importantes para a história do universo. Os fótons produzidos pelas estrelas podem ionizar de novo o gás que enche o universo, até que o universo se torne transparente. Esse evento marca o fim das eras sombrios cósmicas. Com o passar do tempo, galáxias maiores podem se formar e o universo se torna mais estruturado e complexo. Do ponto de vista observacional, nós temos informação sobre o estado do universo cerca de 300 mil anos após o Big Bang, ao olhar os mapas da radiação cósmica de fundo em micro-ondas, obtidos pelo satélite WMAP. Por outro lado, temos uma vista legal do universo quando ele tinha 1 bilhão de anos, graças às galáxias vistas com o telescópio espacial Hubble e os quasares mais distantes detectados com o Sloan Digital Sky Survey. A descoberta da GBR 090423 enche, pela primeira vez, o vácuo entre essas duas observações, permitindo acesso a uma era ainda inexplorada da história do universo.

De que modo seu estudo mudará a percepção da astronomia sobre a era sombria cósmica e sobre a criação do universo?

Nial Tanvir: A cosmologia alcançou uma fronteira. Nós estamos começando a explorar o último espaço em branco do universo, a era entre o Big Bang e as primeiras galáxias. O que esperamos é de sermos capazes de aprender o bastante sobre essa era para entender as maiores forças físicas em jogo e, assim, decifrar com o que se pareciam as primeiras estrelas. Quão grandes elas eram? Quanto de radiação elas produziam? Que efeitos elas tinham sobre seus ambientes? Se pudermos juntar tudo isso, teremos um panorama claro do nascimento das galáxias e da origem do universo. Se não pudermos juntar todas as peças, será ainda mais excitante, porque teremos aspectos da física da criação do universo que não compreendemos. Mistérios desse tipo são as coisas mais excitantes da ciência.

Ruben Salvaterra: A descoberta da explosão de raio gama GRB 090423 mostrou que esses fenômenos são capazes de serem observados com telescópios, até mesmo em distâncias extremamente grandes. Esse fato abre uma nova forma de explorar o universo. Esperamos transições fundamentais que aconteceram durante a chamada era sombria: a mudança das estrelas de terceira geração para segunda geração e uma alteração no estado do gás -- de neutro para completamente ionizado. Na última década, muitos estudos teóricos tentaram imaginar como essas transformações ocorreram. Mas observações de épocas precoces do universo eram muito difíceis com telescópios atuais. A GRB 090423 tem mostrado que as explosões de raios gama podem ser usadas como poderosas ferramentas para observar os estágios iniciais do universo. Essas observações podem ser feitas mesmo com um telescópio médio. Explosões de raios gama surgem da morte de grandes estrelas. Sua observação fornece uma informação fundamental sobre as regiões nas quais as estrelas se formam. Além disso, elas podem ser usadas como um farol para a busca de galáxias muito distantes e para o estudo do gás durante as eras cósmicas sombrias. Isso nos permitirá responder a muitas questões abertas sobre a formação das primeiras estrelas e galáxias e sobre o processo que levou à reionização cósmica. A descoberta da GRB 090423 abriu uma nova era no estudo do universo em seu estágio inicial: estamos começando a testar previsões de nossos modelos, agora com a ajuda de observações.

Qual foi sua reação quando fez a descoberta?

Nial Tanvir: A observação de explosões de raios gama é bem diferente da maior parte das áreas da astronomia, pois são eventos rápidos, se esvaecem rapidamente. Então, tudo tem que ser feito com pressa. Durante vários anos, meus colegas e eu tentamos encontrar uma explosão de raio gama muito distante como essa. Tínhamos algumas boas candidatas, mas depois de cuidadosas medições vimos que não eram tão longínquas. Nesse caso, poucas horas depois da explosão ficou claro que ela era muito especial. No Chile, tivemos de fazer medições espectroscópicas que duraram 17 horas desde a explosão, antes de termos certeza da distância. Quando os dados foram analisados, eu havia ficado 30 horas sem dormir. O satélite Swift detecta cerca de duas explosões de raios gama por semana. Tínhamos de estar prontos a cada momento e pensar que a explosão poderia ser uma bem distante. Temos de fazer todas as observações preliminares e, ainda que o resultado pareça bom, é preciso fazer observações mais profundas.

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