postado em 23/02/2011 07:00
Belo Horizonte ; Imagine um coração humano virtual. Visualize as artérias e os tecidos musculares cardíacos de um adulto, pulsando, em média, 70 vezes por minuto. Agora, vá além e pense na possibilidade de usar esse órgão ; existente apenas em um computador ; para criar novos tratamentos, descobrir sintomas de doenças ainda desconhecidas e salvar a vida de uma parte dos 315 mil brasileiros que morrem de males como infartos e acidentes vasculares cerebrais (AVCs) por ano, no país, segundo dados da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Foi assim, com o objetivo de modernizar o tratamento das doenças cardíacas, que o pesquisador mineiro Bernardo Lino de Oliveira, formado em engenharia elétrica, tornou essa imagem, que até então parecia mais cena de filme de ficção científica, realidade. A pesquisa ;Modelagem quantitativa da eletromecânica do tecido cardíaco humano;, desenvolvida no curso de mestrado da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em Minas Gerais, permite o uso da modelagem computacional como ferramenta no teste de novas drogas e no desenvolvimento de equipamentos e técnicas de diagnóstico. O trabalho trata da elaboração de modelos gráficos que reproduzem o comportamento físico do coração, o que ajuda a compreender os fenômenos e a buscar novos tratamentos.
Foram necessários dois anos e meio de estudos para conseguir chegar ao resultado esperado. Ao longo desse período, algumas dificuldades precisaram ser superadas. O principal problema encontrado foi a falta de dados humanos, essenciais para os ajustes que possibilitariam o funcionamento conjunto dos modelos. ;Seriam dados resultantes de experimentos em laboratório com amostras de tecidos cardíacos humanos. Esses resultados são escassos, porque experimentos como este só são realizados em pouquíssimos laboratórios, e apenas com orgãos que seriam transplantados, mas que, por razões técnicas, não puderam passar pelas cirurgias;, esclarece o pesquisador.
Mas, graças a um grupo de pesquisadores noruegueses do laboratório Simula, que ajudou no desenvolvimento da parte mecânica do projeto, o pesquisador pode dar prosseguimento aos trabalhos. Todo o restante da pesquisa foi feito a partir de um computador comum. Apenas alguns programas tiveram que ser desenvolvidos para que os gráficos pudessem ser lidos pelos clusters ; supercomputadores compostos por dezenas, ou até centenas, de processadores ;, usados no laboratório da UFJF.
Oliveira explica que o maior diferencial da modelagem computacional é que, em vez de tratar o comportamento elétrico e mecânico cardíaco de maneira isolada, como é feito em diversos estudos, a pesquisa procurou avaliar esses dois comportamentos de forma conjunta. ;Eles são interdependentes e relacionados. Alguns fenômenos só podem ser estudados tratando o problema de forma acoplada;, justifica.
O trabalho de Bernardo de Oliveira foi dividido em duas etapas. Na primeira, foi desenvolvido um novo modelo para a eletromecânica dos miócitos cardíacos do ventrículo esquerdo humano ; células de tecido muscular responsáveis pela contração do músculo ; e a incorporação desse modelo em simulações de maior escala.
A partir daí, foi possível ;imitar computacionalmente; os fenômenos cardíacos, desde o nível microscópico das células, como canais iônicos e outras estruturas subcelulares, até o nível macroscópico, como a propagação elétrica no ventrículo e a contração muscular.
;Quanto mais realistas e detalhadas forem as simulações, melhor poderemos compreender os fenômenos biofísicos envolvidos e os mecanismos de desenvolvimento de diversas doenças;, explica o pesquisador. O estudo ainda se encontra em fase de testes e a aplicação prática da modelagem computacional dentro de um laboratório ainda não tem previsão para ocorrer.
Oliveira afirma que o trabalho ;serviu para dar mais um passo na aproximação dos universos da engenharia e da medicina;. ;O que queremos é aplicar os conhecimentos da matemática, da física e da engenharia em geral para estudar e ajudar na compreensão dos complexos fenômenos biofísicos e bioquímicos que ocorrem no coração;, diz.