Ciência e Saúde

Confirmação de água líquida em Marte estimula busca de vida fora da Terra

A presença de água congelada já havia sido comprovada há anos, mas a água líquida é considerada condição indispensável para a vida em um planeta

Agência Estado
postado em 26/07/2018 07:48
O lago detectado sob o gelo polar de Marte tem cerca de 20 quilômetros de diâmetro
Um grupo liderado por cientistas italianos detectou um grande lago de água líquida sob as calotas de gelo polar em Marte. Segundo os autores da pesquisa, publicada nesta quarta-feira (25/7), na revista Science, é a primeira vez que um grande reservatório de água líquida foi identificado no Planeta Vermelho. A presença de água congelada já havia sido comprovada há anos, mas a água líquida é considerada condição indispensável para a vida em um planeta. A nova descoberta, segundo especialistas ouvidos pela reportagem, aumenta as probabilidades de que formas microscópicas de vida existam ou tenham existido em Marte.

O lago detectado sob o gelo polar de Marte tem cerca de 20 quilômetros de diâmetro e fica a pelo menos 1,5 quilômetro de profundidade. Para fazer a descoberta, eles utilizaram o radar Marsis, instrumento da nave Mars Express, da Agência Espacial Europeia (ESA), que está na órbita marciana há 15 anos.

O equipamento enviou pulsos de radar que penetraram a superfície e as calotas de gelo do planeta. Foi medido como as ondas de rádio se propagaram e foram refletidas de volta à espaçonave. As reflexões fornecem dados sobre características do subsolo. O trabalho, liderado por Roberto Orosei, do Instituto Nacional de Astrofísica de Bolonha (Itália), foi feito de maio de 2012 a dezembro de 2015.

Os cientistas usaram o Marsis para sondar a área conhecida como Planum Australe, na calota de gelo do polo sul marciano. "Descobrimos água em Marte. Qualquer outra explicação para as reflexões detectadas é insustentável", afirma Orosei. "Trata-se só de pequena área de estudo e, portanto, pode haver mais desses bolsões subterrâneos de água em outros lugares, que ainda serão descobertos."

Os perfis de radar analisados são semelhantes aos que já haviam sido obtidos na detecção de lagos subglaciais na Antártida e na Groenlândia - o que reforça a existência de um lago subglacial sob o gelo marciano.
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Como a temperatura média em Marte é de cerca de 60;C negativos, seria de se esperar que a água estivesse congelada. Mas as rochas marcianas têm sais de magnésio, cálcio e sódio, que, dissolvidos na água, formam uma espécie de salmoura. "Essa condição, associada à pressão produzida pela cobertura de gelo, permitiria que a água do lago permanecesse em estado líquido", explica Orosei.

Estímulo


Segundo o astrônomo Roberto Costa, do Instituto de Astronomia e Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP), pelo menos desde a década de 1970, quando as sondas Viking sobrevoaram Marte, já se tinha certeza de que a água existia, na forma de gelo, na superfície marciana. "Cada vez mais foram surgindo indícios de que poderia haver água líquida atualmente em Marte. Essa nova descoberta é da maior importância, porque finalmente confirmamos essa hipótese. As várias iniciativas para buscar vida fora da Terra partem do pressuposto de que a vida necessita de água na forma líquida. Essa confirmação não nos diz que há vida em Marte, mas demonstra que as condições para sua existência continuam presentes."

A descoberta anima cientistas para a busca de vida fora do Terra, pela proximidade do planeta vizinho. "Esse estudo reforça o estímulo para que essa busca seja feita cada vez mais. Indica que é possível encontrar outros locais com água mais próxima da superfície", diz Costa. Caso haja vida em Marte, é extremamente provável que tenha a forma semelhante à de algas microscópicas ou bactérias.

Segundo Costa, há vários locais no Sistema Solar com possibilidade de ter água líquida, como as principais luas de Júpiter. A lua Europa, por exemplo, é considerada um dos locais mais promissores para abrigar vida por seu vasto oceano de água líquida sob a crosta congelada. Na prática, a busca por esses vestígios parecia inviável, porque eles seriam destruídos caso a alta radiação local se aprofundasse no gelo. Mas cientistas anunciaram esta semana que a radiação não penetra mais de um centímetro, o que exclui a necessidade de escavação profunda para achar sinais de vida.


Entrevista com Douglas Galante, do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS)


Qual é o impacto dessa descoberta?

A grande novidade desse trabalho (divulgado nesta quarta) é mostrar que existe pelo menos um bolsão - e portanto podem existir muitos outros - com água permanentemente líquida. E que essa água não está no subsolo e sim na superfície do planeta, sob o gelo. Esse lago marciano é muito parecido com o Lago Vostok, na Antártida, que sabemos ser um ambiente habitável, mesmo a 30 quilômetros de profundidade. Por isso, essa descoberta nos mostra que o ambiente marciano é mais habitável do que aparentava ser no passado.

Há alguma possibilidade de se fazer buscas por vida nesse lago?

Com a tecnologia de que dispomos, é inviável porque nossas sondas não são capazes de perfurar o gelo marciano tão profundamente. Mas a descoberta indica que pode haver outros bolsões parecidos e em algum deles a água pode estar acessível. É questão de continuar buscando. O radar da ESA (Agência Espacial Europeia) precisou procurar de 2012 a 2015 até encontrar essa região com água. Temos de lembrar que Marte tem extensões muito vastas e é preciso tempo. Mas esses resultados reforçam nossas esperanças.

Marte passa a ser o principal alvo para a busca de vida?

Não há uma resposta conclusiva para essa questão. Mas podemos dizer que Marte entra no grupo de candidatos a ter vida presente Até agora, luas de Júpiter como Europa, ou de Saturno, com Encélado, eram considerados os locais mais propícios para a busca de indícios de vida presente. Marte teve no passado condições de habitabilidade que se perderam com o tempo e era considerado um candidato à pesquisa sobre indícios de vida extinta. Mas agora sabemos que Marte também tem condições para abrigar vida atualmente.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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