Rosana Hessel
postado em 06/01/2018 14:32
Era uma tarde ensolarada de 9 de março de 2016, quando cheguei ao apartamento de Carlos Heitor Cony, na Zona Sul do Rio de Janeiro, para uma entrevista com ele às vésperas do aniversário dele de 90 anos (14/03). Ele não quis festa para a comemoração.
Cony apareceu de cadeiras de rodas vestindo uma camisa polo vermelha e bermuda bege na sala, que era bem ampla, com vista para a Lagoa Rodrigo de Freitas. Ele contou que foi parar nessa cadeira após uma queda em 2013, na Alemanha, e isso afetou os movimentos do lado direto do corpo, que acabou mudando a sua assinatura, algo que ele vivia reclamando.
Me surpreendi pela simplicidade de Cony e de sua esposa, Beatriz, que, bastante solícita, apareceu em alguns momentos da entrevista para perguntar se precisávamos de algo ou para participar da conversa, que se estendeu por quase quatro horas.
Cony se autodefinia pessimista, porque, para ele, otimista é uma pessoa mal informada. ;Quanto mais informação você tem, mais você tende a ficar pessimista;, resumiu em tom que me soou bem humorado.
O escritor falou sobre vários assuntos e não se esquivou sobre quando foi questionado por apoiar o golpe militar de 1964. Ele disse que não se arrependeu, porque os editoriais do Correio da Manhã contra o presidente João Goulart não foram escritos por ele. ;Não mexi no texto. Tirei advérbio de modo, tirei uma vírgula, botei uma vírgula, mas não fiz o editoral;, afirmou.
Em vários momentos da entrevista, Cony parava para pegar algum livro dele ou de algum autor conhecido. Quando conversávamos sobre a evolução da escrita e da linguagem, por exemplo, ele parou para pegar o livro ;O Formigueiro;, de Ferreira Gullar, e criticá-lo, apesar de afirmar que era muito amigo do autor. ;Na linguagem concreta, é altamente é impossível de transmitir tudo o que não é concreto. Essa poesia, do meu grande amigo, um computador pode fazer. Mas, dificilmente descreveria um estado da alma;, afirmou.
Cony ainda criticou o empobrecimento da linguagem com a tecnologia e as inúmeras abreviações. ;Mt significa muito. Bj, significa beijo. Quer dizer, começa a haver uma sutil mudança no próprio vocabulário. No meio do texto, se você coloca Judas deu um bj em Cristo, não dá. E não vemos o mais fervoroso adepto da linguagem eletrônica vai fazer isso. É necessidade histórica;, afirmou. Para ele, a linguagem também faz saltos e o que vai resultar disso, evidentemente, é uma diminuição de jornais e de publicações. ;A linguagem é uma coisa em mutação. É um valor móvel;, resumiu.
A conversa toda foi bastante agradável. Era noite quando deixei a residência de um dos imortais da Academia Brasileira de Letras (ABL).
Leia a entrevista em sua íntegra aqui