Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Morre, aos 73 anos, o ator Andrade Junior

O cearense, radicado em Brasília, fez carreira no teatro e no cinema candango

Andrade Junior, ator radicado em Brasília, morreu, na madrugada deste sábado (4/5), aos 73 anos, em casa. A informação foi divulgada pela filha dele Cássia Andrade nas redes sociais. "É com imenso pesar e coração muito sofrido que venho lamentar o falecimento do meu querido pai Andrade Junior. Sou pura gratidão por esse pai amoroso e alto astral, escreveu.

"Eu não conseguia imaginar meu pai velhinho, debilitado... Hoje sei o porquê! Porque esse não era mesmo pra ser o seu caminho. Sempre com muita energia, sua partida não poderia ser outra além dessa repentina. Pai, em meu coração você é eterno e irei caminhar agora com toda a bagagem que me deixou. Te amo! Ainda não temos informações maiores sobre velório, assim que tivermos, comunico por aqui, pois sei que muitas pessoas irão querer se despedir", completou a filha dele em publicação no Facebook.

Nas redes sociais, pessoas ligadas ao cinema e ao teatro de Brasília lamentaram a morte do ator. O cineasta Nirton Venancio foi um deles. "Sábado amanhece triste em Brasília com a morte do ator Andrade Junior. Onipresente nos filmes, onipresente em nossos corações... Oh, indesejada das gentes, pisa devagar", publicou.

O autor de teatro Sérgio Maggio também se pronunciou após saber da morte do ator. "Acabei de receber a triste notícia da passagem desse querido ator Andrade Junior, o homem que mais fez cinema do DF", escreveu.

O ex-secretário de Cultura do DF, Guilherme Reis, usou as redes sociais para se despedir: "O Andrade Junior deixará todos nós com muitas saudades. A vida é curta e intensa. Perdemos um grande amigo, amigo de tanta gente, um companheiro amoroso, um grande ator. Perdemos a presença feliz do Andrade".
Em homenagem ao ator, a Globo exibiu o filme Meio expediente, de 2017, em sua programação de sábado. O velório do artista será neste sábado, às 17h, no hall do Cine Brasília, na Asa Sul.


Carreira

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No ano passado, o veterano ator comemorou 50 anos de carreira, trilhada nos palcos de teatro e no cinema. No currículo, Andrade Junior tem mais de 70 filmes. Em 2018, em entrevista ao Correio, ele falou, inclusive, em um número maior: contabilizava 100 produções já feitas. Entre os trabalhos mais recentes do ator está o filme A repartição do tempo, do diretor candango Santiago Dellape.

Ator autodidata, Andrade Junior ajudou a construir as artes cênicas do DF. No cinema encontrou um lugar de mestre, cultuado, sobretudo, pela novíssima geração de jovens aspirantes a cineastas. "Os jovens gostam mais de mim do que os mais velhos. Ainda bem. É bom. Mas eu era do teatro. Cinema começou há pouco tempo aqui em Brasília", contou o ator em entrevista ao Correio em 2010.


Relembre entrevista com Andrade Junior publicada em 2010


Você acha que o cinema está dando um lugar pra você que o teatro não deu aqui em Brasília?
O teatro me deu um lugar, eu é que sou preguiçoso. O pessoal de teatro me adora. Mas sou preguiçoso para teatro. Ainda mais o processo de teatro, eu não suporto o processo. Por exemplo, acho ótimo a peça estar pronta e um ator sair. Já ensaiaram seis meses. Um ator sai e dizem ;Andrade, tem uma vaga aqui;. Aí é comigo mesmo. Eu não entendo também a concentração deles. Eles ficam de cabeça pra baixo, o outro acende uma vela, o outro reza. E não posso falar com ninguém. Quando falo com alguém, a pessoa grita ;rapaz, estou concentrado!” Sou um legítimo autodidata.

Como você começou a fazer teatro?
Eu não tive aquele processo de aprendizado. Eu faço teatro desde 1963, quando tinha 17 anos. Era presidente do grêmio estudantil em Sobradinho, trabalhava com Paulo Freire. Ali que o pessoal aprendeu a ler. E aí, eu estava no colégio e apareceu um cara do Rio de Janeiro, Jurandir Monteiro, que começou a estudar, na primeira série do ginasial. Ele era um senhor, um cara sabido, de teatro, culto. Não tinha instrução, mas ele sabia de Shakespeare, de Brecht. De tudo ele entendia. E aí ele bolou um negócio e eu fui ser assistente de direção. Não sabia nem o que era. O ator principal saiu, dois dias antes de apresentar. Saiu e só tinha eu, e tinha decorado já, estava ali junto. ;Eu faço;, falei. Foi a primeira vez que fiz. E acho que acostumei. Engraçado, né? Eu achei mais fácil.

Como é a sua relação com a televisão?
Fiz um trabalho no ano passado na Globo. Eu vivi o Nilton Santos, jogador de futebol. Tive que jogar o dia todinho numa praia lá do Rio. Era o Nilton velho. E ficou lindo.

Qual a sua visão de novela? É ópio, é um reconhecimento?
Acho que novela podia ter outro espaço, se ela fosse seguida sem fórmula. Agora mesmo passou um filme no Festival de Brasília, Amor? Eles fizeram uma novela. Aqueles atores não têm expressão nenhuma para falar a verdade. Cadê a verdade? Ninguém acredita. Um dia antes, passou um curta de uma senhora lá oprimida no Recife (Acercadacana). Ela mora em meio hectare de terra, e o empresário mora em 28 mil. Mas, quando foi entrevistada, o pau quebrou. Agora, se fosse um ator pra fazer aquilo, não daria.

Você acha que hoje está mais fácil fazer teatro em Brasília do que na época que você começou, de forma mais amadora?
Eu não sei, acho mais fácil antes. Sempre fui do teatro mais vagabundo, nunca fui top. Eu fazia quando me chamavam. Tinha um baiano maravilhoso, Fernando Freire. Nós fizemos A volta do urubu gabiru, uma peça bastante política, e era na época da ditadura. A gente esculhambava o governo. Era o tempo do Figueiredo. O diretor da Secretaria de Cultura ficava do lado de fora do teatro, dava o dinheiro e ficava vigiando com medo que chegasse os militares.

Da sua geração, quais atores você destacaria?
Humberto Pedrancini, um grande ator. Adoro. Gê Martú também. E tem um bocado de gente boa aí. Eles estão estudando mais. Jones Schneider tem uma voz muito boa. Adoro os atores de Brasília.

O que falta para o teatro de Brasília engrenar de vez? Apoio financeiro, mais espaço, mais reconhecimento do público?
Mais temporada para o teatro. Nós não temos. Num ano, a gente se apresenta durante duas semanas. A média da temporada é muito baixa. Eu tenho um exemplo absurdo. Foi uma peça, Noise off, que fizemos no Teatro Plínio Marcos. A peça tinha uma produção de primeira. Tinha atores daqui. De quinta a domingo, três meses em cartaz. O teatro não tinha cadeira. Colocamos cadeiras. Cabiam 400 cadeiras, ficavam 300 no chão e 500 lá fora. Todo dia era uma confusão pra trancar a porta. A peça boa, produção benfeita... Isso foi em 1995. Os Melhores do Mundo não chegavam nem perto. Era uma peça inglesa, o Banco do Brasil patrocinou. Tenho até hoje os panfletinhos lá em casa.

Você já fez quantos filmes?
Mais de 55, eu acho. Fui olhar agora, tem um bocado que eu não tinha visto. Só que não assisti a todos. Filmei com o (Afonso) Brazza um filme do Nelson Pereira do Santos, A terceira margem do rio. Ele era muito meu amigo, mas nunca fiz filme do Brazza. Tinha que ir pro Gama, era complicado.

Você sente ainda emoção ao se ver na tela?
Eu adoro. Não gosto até hoje da minha voz. Você nunca se acostuma. Mas estou melhorando. No começo, não podia nem ouvir, achava péssimo. A voz é o pior negócio do mundo. O problema mesmo é que eu digo: ;Ah, podia ter feito isso melhor;.

Você está aqui há quantos anos?
Desde 1959. Trabalhei na construção do Palácio do Planalto. Eu era menor. O menor não podia trabalhar. Juscelino desceu do helicóptero e perguntou: ;Você trabalha aqui?;. Eu disse: ;Trabalho, mas dentro do almoxarifado. Não venho pra obra;. Cheguei aqui e só tinha a segunda série do ginasial.

Quem te trouxe?
Eu vim de avião com meu pai, minha mãe e meus irmãos. Saí de lá às 5h e cheguei aqui às 17h.

E aí aqui você já caiu na vida...
Comecei a vender revista no aeroporto. Naquele tempo, entrava no avião e vendia lá dentro. Depois saía. Você podia entrar e sair. Comia, pegava sanduíche...

Do que você tem saudade da Brasília daquela época?
Sobradinho era muito bom naquela época. Acendíamos fogueiras imensas na rua, ficávamos conversando ao redor à noite toda. E o pessoal do teatro viajava pra Formosa, Luziânia, Anápolis. Saía apresentando. Teve o desenho no festival, lembrei porque eu fiz I-Juca Pirama. Era noite, eu com a lança, enfiei na lua do cenário, e saí pelo teatro com a lança enfiada na lua. Quebraram as cadeiras de rir! E eu não sabia o que era. O povo caindo no chão.