Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Exposição celebra o centenário de nascimento do arquiteto Zanine Caldas

Autodidata, José Zanine Caldas é um ícone da arquitetura que trouxe a madeira e a vegetação para o movimento modernista



José Zanine Caldas é um caso particular na história da arquitetura brasileira. Autodidata, maqueteiro e com uma visão muito coesa do diálogo entre as estruturas arquitetônicas e a história do Brasil, deu um fôlego ao modernismo e trouxe para o movimento uma perspectiva que encantou Lucio Costa e Oscar Niemeyer. A madeira, tão presente nas construções coloniais, e o diálogo entre interiores e exteriores pautaram a obra do arquiteto e estão em evidência nas maquetes da exposição Centenário Zanine, organizada pelo Casa Park e com curadoria de Ivan Manoel Rezende do Valle, professor da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Brasília (FAU/UnB), para celebrar os 100 anos do nascimento do arquiteto.

O projeto de catalogar a obra de Zanine teve início há cinco anos e envolvia o desejo de fazer um arquivo com toda a produção do arquiteto, mas limites financeiros impuseram fronteiras, e Valle se restringiu a Brasília. Com apoio de R$ 40 mil do Fundo de Apoio à Cultura (FAC), ele montou uma equipe de mais de 150 pessoas e conseguiu mapear 40 residências projetadas pelo arquiteto em Brasília. Dessas, 25 receberam a visita do professor e da equipe para serem fotografadas e 11 foram transformadas nas maquetes que integram a exposição. São reproduções da casa inteira, ou então de detalhes, tal qual o arquiteto estava acostumado a fazer, sobretudo, para mostrar aos operários e pedreiros o resultado esperado.
A exposição apresenta ainda fotos, desenhos e documentos, além da Casa Zanine, reprodução de um cômodo com as características da obra do arquiteto: reboco branco, janela em guilhotina, porta do chão ao teto e madeira aparente. ;A melhor maneira de expressar a obra dele é através das maquetes. Foi uma das coisas que mais aprendi com ele: valorizar o modelo da maquete para representar e valorizar a arquitetura. Mas era preciso também entrar na obra, fotografar, entender, redesenhar os projetos, conversar com os clientes. Nisso, a pesquisa foi crescendo;, conta Valle, que foi aluno do arquiteto na UnB.

Baiano de Belmonte, José Zanine Caldas nunca chegou a cursar uma faculdade de arquitetura. Ficou conhecido no Rio de Janeiro, nos anos 1950, entre os arquitetos, especialmente os modernistas, por conta da qualidade de suas maquetes, ofício aprendido e aprimorado durante estágio em uma empresa de engenharia. Abriu então um escritório de maquetes e ganhou um mercado florescente no qual gravitavam nomes como Oscar Niemeyer e Lucio Costa.


No escritório, diante das discussões com os arquitetos para compreender os projetos e transformá-los em pequenas esculturas, tomou gosto pela profissão, pela beleza das formas e pela funcionalidade. ;E foi entendendo cada vez mais do negócio. Essa escola informal foi melhor do que muitas escolas formais: ali se discutia a estrutura, o projeto, os valores importantes para a arquitetura;, garante Valle.

A arquitetura colonial, revisitada em projetos com paredes brancas e madeira aparente, virou uma referência e deu fio para uma linguagem própria que também se imprimiu em coleções de mobiliário. ;Por ter trabalhado no Iphan, no final dos anos 1930, ele aprendeu muito a apreciar a arquitetura colonial brasileira, com a pedra, a madeira, o adobe, a telha cerâmica. Com isso, fez uma leitura sintetizada criando sua própria arquitetura. Ele se aproxima muito do movimento moderno, mas com madeira baseada na releitura do colonial e na escola moderna. E isso foi muito admirado porque tinha todos os valores que a arquitetura moderna pregava: pátio livre, poucos pilares, visão do exterior;, diz Valle. ;Ele conseguia fazer isso trazendo as características dos trópicos e se tornou muito admirado no meio. E sem ser formado por universidades.;


O autodidatismo, aliás, causou problemas a Zanine, até que Lucio Costa ofereceu o próprio registro no Conselho Regional de Arquitetura e Urbanismo (CREA) para legitimar os projetos do baiano. ;E nisso, todo mundo se tocou e parou de falar nesse assunto;, conta o curador de Centenário Zanine.

Zanine deixou mais de 500 projetos espalhados pelo Brasil. Em Brasília, para onde veio nos anos 1960, como professor da UnB, construiu pela primeira vez no Lago Norte. A casa no Setor de Mansões era para ele mesmo e, mais tarde, acabou vendida para um cliente. ;Essas 11 casas apresentadas na exposição mostram todas essas características fortes do Zanine: a sala, sempre um cômodo importante, não esconde o telhado, que faz parte do ambiente, tem as chinesices, com o beiral quebrando a inclinação para proteger da chuva;, avisa Valle.


Visão da obra

O centenário também foi marcado pelo lançamento de José Zanine Caldas, assinado por Amanda Beatriz Palma de Carvalho, Lauro Cavalcanti e Maria Cecília Loschiavo dos Santos. Um total de 300 páginas esmiúça a obra do arquiteto com fotos de móveis e de casas, além de textos em versões bilíngues assinados pelos autores.



Centenário Zanine

Mostra de maquetes, fotografias, texto e Casa Zanine. Curadoria: Ivan Manoel Rezende do Valle. Visitação até 20 de outubro, de segunda a sábado, das 10h às 22h, e domingo, das 12h às 20h, na Praça Central do Casa Park