Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

''Censura estética é tão perigosa quanto a política'', disse Walter Franco

O Correio republica entrevista de 2012 com o cantor e compositor Walter Franco, morto nesta quinta-feira, em decorrência de um AVC

[FOTO1]A última vez que o Correio entrevistou Walter Franco foi em julho de 2012, quando o músico comemorava 40 anos de carreira. Aos 67 anos, Franco mantinha o vigor musical, poético e a verve de alguns de seus contemporâneos, como Caetano e Gilberto Gil.

Direto, criticou a superficialidade de sucessos que optam por não investir num trabalho mais preocupado com a estética: "A cultura sofre com essa censura estética, de não buscar o melhor, o aprimorado. Esse tipo de censura é tão perigoso quanto a censura política, porque a censura política você sabe onde ela está, já a estética não;.


Por conta da morte do artista, nesta quinta-feira (24/10), o Correio republica a conversa, que você lê a seguir.

Como foi seu primeiro encontro com a música? Você também estudou teatro?

A música convive comigo desde garoto. Minha casa vivia cheia de música, meu pai, Cid Franco, foi jornalista, radialista, poeta de primeira grandeza e convivia com Carlos Drummond, Manuel Bandeira, Augusto Frederico Schmidt... Minha casa era muito frequentada por essas pessoas. Desde garoto acompanhava as conversas deles sentado no tapete. Escolhi a música porque a minha convivência era também nas estações de rádio, meu pai foi diretor da antiga Rádio Cruzeiro do Sul, também na Rádio Cultura em São Paulo. Com 7 anos de idade, me recordo que cheguei até a comentar depois com o próprio Luiz Gonzaga, assisti a uma apresentação dele no programa de auditório comandado por meu pai, que também foi político por muitos anos ; afastado durante o golpe de 1964.


E o teatro?

Eu me formei pela Escola de Arte Dramática, a EAD, de São Paulo. Na época de Alfredinho Mesquita, grande nome do teatro paulista. Era a fina-flor: de lá, saíram Juca de Oliveira, Ney Latorraca, Carlos Alberto Riccelli e tantos outros. A EAD era um oásis para todos nós. Eu me formei, comecei a trabalhar na criação de músicas para peças, como Os olhos vazados, de Jean Cau, com direção de Emílio Di Biasi. Lembro também de O comprador de fazendas, adaptação da obra de Monteiro Lobato, feita pelo grande Miroel Silveira, que me convidou para que eu fizesse a trilha musical. Foi meu primeiro grande trabalho profissional que tinha como diretora Dulcina de Moraes, em 1970. Daí, fui para a música de vez, com os festivais universitários.

Era 1972, no Festival Internacional da Canção, da Rede Globo, quando você apresentou a polêmica música Cabeça. Qual sua reação diante de uma plateia boquiaberta e altamente crítica?

Aquilo tudo já era um pouco previsto. Antes, já circulava um comentário que os próprios organizadores não estavam preparados, pois era uma música fora dos padrões da época.


Como as críticas à música repercutiram em sua carreira?

Foram muito positivas. Fui feito principalmente pelos críticos, pela imprensa escrita. Sempre tive um grande apoio dos jornalistas depois de Cabeça.

Como ela foi composta?

Teve muito a ver com minha ligação com o teatro. Na época, também passei a conviver com pessoas como o maestro Rogério Duprat, que acabou sendo meu primeiro produtor de disco, Júlio Medaglia, os irmãos Haroldo e Augusto de Campos.


Cabeça é uma mistura da poesia concreta com o Tropicalismo?

Não. Meu caminho foi outro. Acredito que com o Tropicalismo sim, porque sempre acompanhei o movimento com bastante interesse. Os trabalhos de Caetano Veloso e Gilberto Gil eram de uma ousadia extrema.Tinha também uma ligação com Fernando Faro, produtor musical paulista. Ele era o grande responsável pela agitação cultural daquela época, com o programa Divino Maravilhoso, da TV Tupi, em São Paulo. O primeiro intérprete de uma música minha num festival universitário foi Geraldo Vandré, ele escolheu a canção Não se queima um sonho (Festival Universitário da Tupi, em 1968). Eu era ainda um compositor desconhecido.

Como foi sua reação para driblar a censura numa época em que a ditadura era ainda poderosa?

Vou citar a própria música Cabeça. Apesar de a canção ter sido classificada pelo júri, o próprio júri foi destituído por isso. O fato gerou uma grande polêmica, como se a TV Globo houvesse me censurado e oferecido minha cabeça numa bandeja para a ditadura. Sempre fui contra isso. A escolha da música pela Globo já tinha sido um prêmio pra mim. Primeiro, porque era uma canção totalmente fora dos padrões para ser apresentada, era muito experimental. A emissora teve a ousadia de colocar a música no palco. Mas a censura sempre foi complicada, na época tive de retirar a palavra ;luz; de uma música. A palavra ;feto; também chegou a ser proibida. Sou contra toda e qualquer censura.

Como anda a música brasileira hoje em dia? Existe alguma surpresa?

Prefiro falar da minha geração, que sempre fez opção pela ousadia, pelo desafio ou pela insatisfação. Mas essa nova geração gosta da música verdadeira e vai beber na fonte, isso é muito bom. Acompanho essas coisas de mercado, mas minha preocupação é com a minha essência, as músicas que sempre ouvi. Acho que a preocupação com o mercado e a despreocupação com a língua portuguesa, com a poesia em si, são um problema. A cultura sofre com essa censura estética, de não buscar o melhor, o aprimorado. A censura estética é tão perigosa quanto a censura política, porque a censura política você sabe onde está, já a estética não.

Dos seus discos, de qual você gosta mais?

Às vezes, fico bastante tempo sem ouvi-los. Mas essas novas mídias me surpreendem, divulgam imediatamente meu trabalho, acho isso muito importante para a sobrevivência da obra de um artista. Como disco de rock, é o Revolver. Na época, esse disco foi lançado pela Continental e até hoje se mantém como uma referência. A capa é eu de branco atravessando uma rua em homenagem ao clássico Abbey Road, dos Beatles, e o disco foi jogado na mão de John Lennon, que fez referências muito elogiosas ao meu trabalho. Isso muito me orgulha. Afinal, este ano comemoro 40 anos de carreira de altos e baixos (risos).