Diversão e Arte

Diferentes estilos musicais fazem a diversidade do rap nacional

Pop, funk, embolada e batida mexicana são alguns dos estilos presentes

Melissa Duarte*
postado em 11/11/2019 06:15
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;Rap é ritmo e poesia, mas ritmo africano presente. São cantos, contos, confrontos;;, rima o rapper GOG, em entrevista ao Correio. Surgido na década de 1960 na Jamaica, o estilo tem a ancestralidade negra bastante presente. O músico vai além. ;No Mês da Consciência Negra, a gente tem que ter estar ciente de que não vai construir uma revolução negra só com negros. É uma conversa com toda a sociedade;, defende o cantor, fruto da primeira geração do rap brasiliense.

;O rap é um movimento preto, que tem essa base. Com certeza, tem a força da ancestralidade negra;, concorda o rapper LK, do grupo 3030. Por ser natural da Bahia, a banda ganha influências da cultura, das crenças e da herança negra, como no disco Entre a carne e a alma (2015), com a faixa Ogum. ;A gente (os integrantes Rod, LK e Bruno Chelles) não tem religião definida e traz um pouco de cada. A gente acredita na espiritualidade;, completa.

O diálogo sobre raça nasce nas periferias e encontra o grande público, que viu esse som ganhar espaço no país nos últimos anos. Nas composições de Projota, o músico vai do amor à política, passando por críticas sociais, em sucessos incluindo Mulher feita, Ela só quer paz, Moleque de vila, Sr. Presidente e Rezadeira. Mas ele ultrapassa as fronteiras do rap e se une ao pop, com canções, muitas vezes, motivacionais.

;Rezadeira eu compus para um amigo, que me contou a história de vida dele e eu criei em cima;, relembra. Mas tudo mudou quando mostrou a canção para ele, que morreria em determinado ponto da letra. ;Quando ele ressuscita na história, dá uma virada;, completa o rapper paulista.

O tom autobiográfico também é bastante presente no trabalho do músico. ;Minha esposa, minha filha, esse momento, quando estou no carro, tudo me inspira;, revela o cantor sobre o processo de composição, ao qual atribui os sentimentos de instinto. ;Eu não penso em resultado, eu penso em processo. Eu recebo as batidas e componho em cima delas ou no violão;, completa.

É o beat


A batida é rápida e acelerada. A letra, um discurso geralmente político. Entre os temas, a vida na periferia. No corpo, o gingado da dança. No cenário, desenhos nas paredes. ;A cena mais dançante era uma forma de atrair os jovens para a arte;, conta Saulo Nepomuceno, professor de sociologia da Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEEDF).

;O rap é a expressão do canto no hip-hop;, continua o pesquisador, doutor na área pela Universidade de Brasília (UnB). Junto a esse estilo, outros caminhos se abrem. Se os DJs vêm com a musicalidade, a batida e a ritmicidade, ao grafite cabe a expressão gráfica. Na dança, o break se destaca enquanto o MC ; mestre de cerimônias ;, muitas vezes, é o próprio rapper.
Conhecido pelo sucesso 'Matemática na prática', GOG é um dos nomes mais importantes do rap na cidade

Misturas


;A cena é muito plural. O rap se tornou um mercado gigantesco, com vários estilos e vertentes. Hoje é um rap arrojado, inovador e plural, por causa da complexidade dos últimos 10 anos;, analisa Nepomuceno. Aqui, ganhou influências de outros estilos e gêneros musicais num caldeirão musical que se tornou a cara do Brasil. ;O rap tem uma peculiaridade que é que o estilo sempre se mostrou muito articulado a outras estéticas. É um ritmo que consegue se conectar com tudo;, completa.

Com influências do reggae, do forró, da MPB e do funk carioca, o grupo baiano 3030 tem buscado sonoridade própria. Nas músicas, é possível notar a mistura da rima de rap com a batida do reggae, o violão do samba e da bossa nova com o beat eletrônico de rap ou o arranjo de rap com elementos e samples do funk. ;O rap é nossa base, é nosso chão, mas a gente sempre buscou fazer um som do 3030;, afirma o rapper LK.

Foi nessa pegada que surgiu o álbum mais recente, Tropicália, lançado em maio. LK afirma que, assim como o movimento tropicalista, da década de 1960, o álbum veio para ;quebrar a sonoridade brasileira;. ;O disco representa exatamente isso: quebrar o que a gente construiu e vir com novas tendências, experiências e experimentações sonoras;, ressalta o músico.

Entre os ritmos nacionais, outro grupo que se destaca é o Faces do Subúrbio, de Recife. Com influência do mangue beat, o conjunto une rap, embolada e hardcore para falar sobre periferia e denunciar problemas sociais, como violência policial. ;Somos uma banda de rap com sotaque nordestino, instrumentos orgânicos e protesto nas letras e interpretação;, define o vocalista Zé Brown. Indicado ao Grammy Latino em 2001, o conjunto voltou aos palcos no ano passado para gravar o EP Onde há fumaça há fogo, com cinco faixas.

Do Brasil para a América Latina, vem o novo trabalho de Projota. Em Qué pása, o estilo dele vai além do rap e do pop: ganha toques de reggaeton, hip-hop cubano e batida mexicana. Na letra, o músico canta sobre um casal que encontra o amor de forma inesperada, assim como ele e a esposa.

Primeiro single do próximo álbum, a parceria com o grupo cubano Orishas e o cantor mexicano Mario Bautista marca o início da trajetória internacional do artista. Parte das comemorações de 10 anos de carreira de Projota, o volume 2 de Tributo aos sonhadores completará o primeiro, lançado em abril, mas, dessa vez, com uma pegada mais dançante. ;É uma grande conquista do rap romper essas barreiras que já foram muito rigorosas. Hoje, os artistas estão se permitindo (experimentar);, finaliza o pesquisador.
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Distrito do rap


Natural de Sobradinho, GOG morou em cidades como Guará e Riacho Fundo, e acredita que ;é necessário dar voz e reconectar as periferias, porque periferia é periferia em todo lugar;. ;Minha visão é além das asas, é outro plano;, defende. Para o artista, a música ultrapassa tempos e gerações para chegar às pessoas: transita entre passado, presente e futuro.

GOG se prepara para lançar a segunda parte do sucesso Matemática na prática (1998) 21 anos depois, nas plataformas digitais. ;É um momento em que a gente acha muito importante manter as raízes;, defende o rapper. A canção é single do próximo projeto, um EP previsto para maio, com sete faixas inéditas. Cada uma será lançada mensalmente, com direito a clipe.

Outro expoente da cidade é o rapper Hungria. ;Tenho todos os sentimentos da minha infância em Ceilândia, e isso se multiplica como adolescente em Brasília, onde comecei a ter novas experiências de vida, de mudanças de idade;, relembra. Assim como GOG, o trabalho dele também é influenciado pelo Distrito Federal. ;Quando gosto de alguma coisa, tento trazer para o que eu faço. Ouço sertanejo raiz, MPB, brega e muito R, claro. Procuro sempre curtir uma música não pelo estilo, mas pela pegada;, conta Hungria, que se destaca nas plataformas digitais.

Nas letras, canta sobre amor, vitórias, esperança, superação. ;É com o rap que eu levo a minha verdade para o mundo. Sempre enfatizo que curto música boa de qualquer estilo, mas o rap é minha raiz musical, é onde eu respiro minha essência, meu instinto;, defende Hungria. ;O rap é urbano. Então, tem que ser atual, contar as coisas do momento;, concorda GOG.

*Estagiária sob supervisão de Igor Silveira

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