Diversão e Arte

Brennand falou sobre morte, sexo e religião em entrevista ao Correio

Às vésperas dos 80 anos em 2006, Francisco Bernnand conversou com o jornal e contou como encarava a ideia da morte. O ceramista morreu nesta quinta-feira (19/12) aos 92 anos

Carlos Marcelo/Estado de Minas, Leonardo Cavalcanti, Paulo Silva Pinto
postado em 19/12/2019 17:11
O artista em sua escritório na oficina Bernnand: O artista plástico Francisco Brennand morreu hoje (19/12) aos 92 anos. O pernambucano estava internado havia 10 dias com um diagnóstico grave de pneumonia. Brennand era ceramista, escultor, desenhista, pintor, tapeceiro, ilustrador e gravador.


Em 2006, às vésperas dos 80 anos dos artista, o Correio Braziliense produziu uma edição especial do caderno Pensar em homenagem a Brennand. Sexo, religião, morte e solidão foram o foco da entrevista com o homem que acreditava em disciplina dentro da arte.

Confira trechos da entrevista:


Dizem que o senhor viaja pouco por ter medo de avião;

Em parte ficou essa lenda de ter medo de viajar de avião. Mas ela pertence muito mais a Ariano Suassuna. Mas, em todo caso, eu não gosto de viajar. Seja de avião, seja de trem, de automóvel. Eu não gosto de me deslocar, entende? Eu acho que todas as vezes que eu me desloco, eu desafio o destino. Eu estou brincando com o meu destino.

Pelo que consta, o senhor fez um pacto com Ariano Suassuna de impedir a chegada da morte.

É uma das coisas do Suassuna, engraçadíssima, mas reais. Morreu o Aloisio Magalhães, que chegou a ser o primeiro secretário nacional da Cultura. Aloisio foi quem desenhou todas as nossas moedas e as notas dos cruzados, era um designer. Morreu prematuramente, teve um enfarto fulminante. No dia seguinte ao enterro, Ariano marcou um encontro. Mal se passaram 10 minutos, Ariano levantou-se e disse: ;Bem, eu não vim aqui

para muita conversa. Vim pedir um juramento, que não tenhamos o mau gosto de Aloisio de morrer cedo;.


Mas o senhor pensa na morte?

Não posso deixar de pensar. Penso com mais freqüência do que pensava há 10 anos, com mais freqüência de que pensava há 20 anos. Agora, posso dizer o seguinte: há um dispositivo que nós temos dentro do nosso espírito que afasta o pensamento a respeito da morte. Temos isso muito bem organizado. Porque se não fosse assim eu não estaria aqui tão risonho, tão brincalhão, e tão bem-humorado. Mas tenho até uma cisma muito grande com esse ano de 2007. Nasci em 1927. Esse sete me persegue. Meu pai fundou essa fábrica em 1917, eu vim pra aqui em 1971, que são dois números invertidos. E esse ano de 2007 é além de tudo bonito: ;Nasceu em 27 e morreu em 2007;. Estou dizendo eu tenho certa cisma. Se ultrapassar 2007, não tenho prognóstico.

Caderno Pensar em abril de 2006 foi dedicado a explorar a obra e personalidade de Brennand

Aqui, na Oficina Brennand,a gente percebe método, pontualidade. O ateliê não tem nada de caótico.

A idéia de que o artista só trabalharia mediante a inspiração, como se fosse um fato que vinha de fora e que de repente você começasse a trabalhar e escrever, quase como se fosse algo psicografado, é errada. Antes, os monges com a disciplina asséptica dentro dos monastérios ; pelo fato de dormir pouco, de jejuar, de manter a castidade, de fazer as orações matinais e manter todas as privações ; motivavam as visões. Mas hoje ninguém tem visão nenhuma. Não há visões no mundo moderno. Essa disciplina do trabalho, essa exacerbação do trabalho, que lhe leva quase à exaustão, é um processo de inspiração permanente. Só com o trabalho exacerbado, contínuo, utilizando uma soma de destruições, é que você pode chegar a alguma coisa. É sempre bom desconfiar dos primeiros resultados.


Quais são os olhos dos artistas que Brennand olhou?

Picasso tem uma observação curiosa quando ele diz: ;Copie todo mundo, só não repita você próprio;. Plagie e copie quem você quiser, só não repita você próprio porque aí é uma coisa triste. Eu não deixo de olhar isso. É um sinal inclusive de juventude. Com a idade que eu tenho, sou receptivo e influenciável. Em geral, as pessoas não são nem receptivas nem influenciáveis. Não há quem influencie um velho, por exemplo. O processo de imaginação é provocado por elementos dos mais díspares possíveis. Não tem uma ordem de grandeza, nem uma hierarquia. Às vezes uma palavra, um som ou uma outra coisa qualquer que não está relacionada diretamente com a pintura, uma música. Você pode pintar com música ou sem música, mas têm efeito os detalhes de uma fotografia que lhe lembra um quadro ou um quadro de uma outra pessoa. Eu estou sempre consultando livros, não deixo de ler. Também não paro de escrever nem de consultar pinturas de outros pintores: arrebata-me vê-las.

Poderia citar um exemplo de influência recente?

Eu consigo, por exemplo, suportar um espetáculo de rock.

A religião católica não está descolada da realidade?

É a questão das restrições. Se diz que é uma religião retrógrada, que o papa é reacionário. Na realidade, não existe nada disso bem medido, não é? Não se pode pensar em nenhum tipo de religião sem restrições. Os 10 mandamentos, os sete pecados capitais... Então, por exemplo, você diz que existiu o João Paulo II com as suas restrições em determinados setores e agora o Bento XVI continua com as mesmas restrições. Mas o Bento XVI era um teólogo que instruía João Paulo II. Ele trabalhou 25 anos ao lado de João Paulo II, e seria um absurdo se ele não fosse o papa escolhido. Se estavam querendo que João Paulo II já fosse santo a partir da sua morte ; a multidão vociferava ;santo agora; ; por que não era possível o ;espírito santo de orelha; ser eleito o papa? As restrições que fazem o papa Bento XVI agir como se fosse uma pessoa retrógrada mostram que na verdade ele está lá na frente. Qualquer papa, em qualquer situação, é sempre o homem mais moderno da Europa.
Brennand contriu capela em homenagem à Imaculada Conceição

Como assim? Sabe por quê?

Por conta do nível de informação que o papa tem. Nenhum serviço secreto do mundo, nenhuma instituição pode ter o nível de informação da igreja católica, que é uma instituição secular, vem desde o batismo e acompanha o homem até a morte, até a extrema-unção. Até o próprio confessionário. Tem a experiência da inquisição, de tortura e da morte, da condenação, da morte pela fogueira. Eles conhecem tudo. Quem sabe se ser moderno é não pecar? Não pecar é não cair nesse estado de imperfeição. Ridiculamente, o homem é o único ser na face da terra que precisa fazer sexo com segurança. É de matar de vergonha que o homem ; com toda a sua grandeza, e com todas as suas reivindicações, com uma alma de superioridade perante o reino animal ; seja o único ser que não possa usufruir cruelmente da sua própria capacidade de amar e de se reproduzir. Houve algum erro de percurso grave.

O senhor não acha paradoxal que alguém tão revolucionário do ponto de vista artístico defenda idéias que podem ser interpretadas como conservadoras?

É possível que as pessoas interpretem como conservadoras uma atitude que é revolucionária. Você pode ser dissoluto como ser casto. As duas são atitudes revolucionárias. Agora, eu sei que estou defendendo uma coisa que é muito difícil. Estou defendendo Bento XVI, que além de tudo teve a má-sorte de ser alemão. Se fosse no tempo da inquisição, você já não encontraria um Francisco Brennand. Já teria sido queimado por conta do que eu fiz; não tinha jeito, não tinha apelação. Mas sou católico e morro com as minhas convicções católicas. E ainda faria uma saudação ao papa antes de morrer.

Agora a arte do senhor não é casta, absolutamente.

Claro que não. Ela não tem nada de casta, mas ela também não é dissoluta. O ponto de partida de interpretação é que é errado. O meu ponto de partida é a reprodução como forma de eternidade. As coisas são eternas porque se reproduzem. E temos o ovo como ponto de partida, como forma primordial, como emblema de imortalidade. Eu tomo o ovo como um elemento que é aquilo que deve perdurar, aquilo que é um elemento mais puro, como forma que se aproxima da esfera e que é exatamente o elemento de construção e de permanência para proteger e preservar a vida. Isso é a sobrevivência.À época do lançamento, escultura de Brennand foi classificada pela primeira-dama de Recife como

A defesa da castidade apareceu em que momento da sua vida?

Ao ver o passado, é curioso falar da minha própria castidade. Eu infringi todos os mandamentos. Eu tenho filhos fora do casamento. O meu relacionamento sexual é absolutamente caótico em relação a mulheres. Evidentemente, eu não sou homossexual. Mas eu não tenho nenhum parâmetro, nada que me defenda, nada que me defenda absolutamente.

Quantas mulheres?

Eu não vou contar. Mas, pelo menos oficialmente, cinco com quem eu tive filhos. Isso não é nada demais. Chaplin teve filhos com várias mulheres.


Quantos casamentos?

Eu posso me orgulhar de dizer que só casei uma vez.


Então chegamos num ponto.O principal vício de Brennand são as mulheres. Teria mais algum?

Eu diria a mania de solidão, entende?

Porque a mania de solidão?

A falta de coragem de enfrentar situações. Eu me recuso a enfrentar situações que eu considero sempre desagradáveis. E aí, eu me refugio num processo de solidão.

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