Diversão e Arte

Poetas têm as redes sociais como suporte para criar e divulgar

Conheça como é a poesia feita por poetas que têm nas redes um veículo forte

Melissa Duarte*
postado em 29/12/2019 06:30
Zack Magiezi: começou a escrever por causa de uma desilusão amorosaEsqueça a imagem do escritor com copo de uísque na mão, as horas a fio na máquina de escrever, as dezenas de folhas de manuscritos entregues de editora em editora. Hoje, a poesia pode estar na ponta dos dedos, a um clique de distância. É a nova geração de poetas que começou a publicar nas mídias sociais, sobretudo no Instagram. Caíram nas graças não só dos leitores ; que aderiram a leituras mais rápidas, em pílulas ;, mas também atraíram as editoras, que perceberam o potencial de vendas e de publicação gerado pela internet.
Assim, passaram das telas para o papel, sem abandonar as redes que os tornaram conhecidos e continuam a proporcionar contato mais próximo e direto com o público. ;É uma plataforma de divulgação que me dá um alcance que eu não teria antes;, afirma a poeta Ryane Leão, de 30 anos. Porém, o formato literário muda: se o Instagram dá liberdade para inovação e é ideal para poemas mais curtos e visuais ; com fotos ou ilustrações, por exemplo ;, livros impressos permitem textos maiores, com mais tempo e profundidade de leitura.
Com 1 milhão de seguidores, o escritor Zack Magiezi, 36, está lançando duas obras no Instagram, em formato de folhetim: nos melhores amigos (ferramenta dos Stories) do Instagram, Um bar antes do abismo e Histórias de amor/Curtas-metragens, que têm um capítulo publicado por semana. Para acessar, os fãs devem ter assinatura mensal no valor de R$ 2,50 ou R$ 5.
Ryane Leão: a palavra que cura
O autor, no entanto, não esconde a importância dos livros impressos. ;É uma plataforma maravilhosa, te dá espaço para tudo. Mas (escrever os últimos dois) foi um processo mais duro, porque eu estava viciado na escrita para internet, mais sucinta;, analisa o poeta, que acumula os livros Estranherismo (2016) ; a maioria dos textos é uma compilação da rede social ;, Notas sobre ela (2017) e Para o amor que vai chegar (2019).
Em comum entre os poetas, o amor que transborda as palavras ; dentro do peito, no Instagram e nos livros também. Para Zack, o que começou como um flerte com a escrita em 2011, por conta de uma decepção amorosa, se tornou autoterapia e profissão. Formado em administração, passou a viver da literatura em 2016. ;Nunca foi meu objetivo me tornar escritor apesar de ser um leitor voraz. Escrevo desde papéis no quarto a guardanapos que encontro por aí;, conta o autor.

Palavra que cura

Relação entre corpo e cidade, relacionamentos passageiros e longos e solidão. As letras no papel podem imprimir, também, a vida dos escritores. Foi assim com Ryane Leão. É dela o nome à frente do perfil @ondejazzmeucoracao, de onde surgiram Tudo nela brilha e queima (2017) e Jamais peço desculpas por me derramar: Poemas de temporal e mansidão (2019). ;Os dois têm pedaços da minha trajetória;, revela.
De um livro para o outro, teceu uma linha narrativa. Se o primeiro traz a urgência de descarregar o que a autora acumulava no peito, o segundo lhe dá continuidade ao permitir textos mais longos e temas como família, negritude, cura e religião. ;Se estou falando da minha vivência, não tenho como não falar de todas (as partes dela). É minha verdade para o mundo;, pontua, ao se definir como mulher, negra, lésbica, candomblecista e professora.
;Preciso enxergar algo de fora para me curar. (Escrever) vem da necessidade de colocar minha dor de maneira diferente e senti-la de forma mais leve;, destaca Ryane, autora de Tudo nela brilha e queima (2017) e Não peço desculpas por me derramar (2019). Para a autora, a escrita fez parte do processo de cura para se reerguer depois de partidas e de relações abusivas.
Além de significar a dor, a criação literária lhe ajuda a escoar sentimentos. ;A gente só consegue superar o que tem nome;, enfatiza a autora. Autora de Amor & dor: porque nada é uma coisa só (2019), Raíssa Marques, 25 concorda: ;A escrita é uma forma de expressão muito forte, uma válvula de escape para o que a gente sente, vive e vê;, acredita.

Novos talentos

Estreante na literatura, Raíssa publicou o livro por uma editora independente, por meio de um edital para novos autores. Foi a chance da publicitária se lançar em mais uma carreira, que, antes, era só hobby. ;Desde que comecei (a publicar no Instagram), tinha esse objetivo;, revela a escritora, que reuniu 12,2 mil seguidores de 2017 para cá. Para o livro, buscou escrever o máximo de poesias inéditas, porque não via sentido em apenas imprimir o que havia postado anteriormente.
;Não existe amor sem dor;: foi a partir dessa definição que a autora batizou a obra. ;O amor vem acompanhado de sofrimento. Quero falar sobre o amor do dia a dia que vale a pena ser contado. Poesia diz muito sobre quem escreve também. Nunca neguei as inspirações autobiográficas. Quanto mais coloco no papel, menos dói em mim;, revela a goiana. ;Acho que toda escrita é autobiográfica ainda que tenha um quê de ficção;, concorda Ryane.
Entre as referências literárias, as duas citam a indiana Rupi Kaur, de Outros jeitos de usar a boca (2014), que inspirou Raíssa a se aventurar na poesia. Ryane vai além: conta que levou 12 anos para atingir o alcance atual ; 506 mil seguidores ;, o que homens podem atingir em dias, segundo ela. ;As pessoas preferem um cara falando sobre mulheres do que mulheres falando sobre mulheres;, critica. Por isso, também usa a rede social para divulgar outras escritoras, como Luz Ribeiro, Janaina Abílio, Jenyffer Nascimento e Livia Natalia.

Fazer da vida, arte

De um relacionamento abusivo que durou sete anos, veio a escrita de Iandê Albuquerque, 28. ;Eu escrevo para desabafar e tenho a escrita como linguagem artística;, afirma o escritor, que vê no trabalho uma forma de autoterapia. ;É uma forma de acolher e aproximar as pessoas, mas não substitui a psicoterapia, por exemplo;, ressalta Iandê, que indica ajuda profissional ao público quando necessário.
O que começou em 2012 com postagens no Facebook migrou para o Instagram. Virou a única fonte de renda dois anos depois. ;Comecei a perceber que queria viver da escrita, que era meu dom. Mas até eu aceitar que era escritor foi um processo. Não me via assim;, relembra ele, que, antes, trabalhava com telemarketing.
A insegurança perdeu lugar com o retorno dos leitores ; 742 mil no Instagram ;, com quem busca manter relação próxima. ;(Esse número) é uma responsabilidade muito grande, porque acaba influenciando as pessoas;, diz o autor. Deles, recebe e-mails e mensagens contando histórias de vida. ;Sempre procuro responder com minha vivência. Minha forma de agradecer (o carinho) é continuar escrevendo;, pontua.
No primeiro livro ; Onde não existir reciprocidade, não se demore (2018) ;, traz a dependência emocional, com crônicas mais pesadas. O segundo, Para todas as pessoas intensas (2019), bebe do amadurecimento pessoal e literário, além do autoamor de Iandê, num mix de textos da rede social com inéditos. ;Num dia desses, parei para ler o primeiro e achei estranho. A gente está em evolução sempre;, relata.
Quando perguntado pelo Correio sobre os planos para continuar a escrever, Iandê não hesita. ;Com certeza! O próximo livro está pronto, é uma continuação desse último. Na verdade, serão três. Tem o Para todas as pessoas intensas, depois o Para todas as pessoas e aí eu não posso revelar a palavra (e o último também);, ri. A previsão é que saia em fevereiro.
;Escrever faz parte de quem eu sou. Iandê não é Iandê se não escrever;, entrega o escritor, que tem, na literatura, a linha de fuga e o ponto de partida.;Nunca imaginei que alguém que escreve na internet teria uma visibilidade tão grande;, finaliza Iandê.

*Estagiária sob supervisão de Severino Francisco.


Amor & dor: porque nada é uma coisa só (2019), de Raíssa Marques (@is.poetisa)

A obra de estreia da autora traz a poesia contemporânea feminina para retratar diversas faces do amor. Meraki Publisher, 75 páginas. Preço médio: R$ 29,90.

Jamais peço desculpas por me derramar: Poemas de temporal e mansidão (2019), de Ryane Leão (@ondejazzmeucoracao)

O segundo livro da autora traz a sutileza marcante da poesia para falar de temas pessoais que tocam a vida dela enquanto mulher, preta e professora. Editora Planeta, 160 páginas. Preço médio: R$ 30,30.

Para o amor que vai chegar (2019), de Zack Magiezi (@zackmagiezi)

Neste terceiro livro, o autor usa a sensibilidade para escrever poemas sobre o amor, a paixão e a esperança de viver um grande romance. Bertrand Brasil, 96 páginas. Preço médio: R$ 35,90.

Para todas as pessoas intensas (2019), de Iandê Albuquerque (@iandealbuquerque)

Segundo lançamento do escritor, a obra fala sobre pessoas intensas que amam demais e sentem profundamente. Outro Planeta, 224 páginas. Preço médio: R$ 39,90.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação