Fernando Morais - Especial para o Correio
postado em 30/12/2019 06:30
Participar do júri do FestAruanda, em João Pessoa, no mês de novembro, permitiu-me o privilégio de ver, em primeira mão, um biscoito fino do documentário cinematográfico. Estou falando de Giocondo Dias, ilustre clandestino, obra da lavra de um dos maiores documentaristas brasileiros, Vladimir Carvalho.
O diretor escolheu um personagem que, por traços pessoais, pela timidez e pelo jeito arredio aos holofotes e à exposição pública, corria o risco de permanecer coberto pelo pó da história: Giocondo Dias, o ;cabo Dias;, militante histórico do PCB, o Partidão, e sucessor de Luís Carlos Prestes no comando da mais antiga, quase centenária organização comunista do país.
Bem dirigido, com roteiro sem deslizes e fotografia impecável. O ilustre clandestino traça um perfil do jovem militar baiano desde a revolta comunista de 1935 ; a ;Intentona Comunista;, como prefere a direita militar ;, episódio em que Giocondo liderou a tomada de Natal, no Rio Grande do Norte, e a transformou, durante escassos três dias, na primeira capital comunista do Brasil.
Informativo, muito bem estruturado e farto em imagens desconhecidas, O ilustre clandestino contém um trecho de longos minutos que leva o espectador à sensação de estar vendo um thriller inspirado em John le Carré: a operação montada, no auge da ditadura militar, para retirar Giocondo clandestinamente do Brasil. A pequena epopeia envolveu comunistas brasileiros e argentinos e altos dirigentes da União Soviética e da RDA, a antiga Alemanha Oriental.
Trata-se de um filme revelador até para alguém como eu, que apesar de nunca ter tido relações formais com o PCB, acompanha com especial interesse a história do partidão ; de cujo ventre nasceu a maior parte das organizações e partidos de esquerda no Brasil.
O advento do eurocomunismo e a luta interna decorrente dele no interior do partidão são narrados com documentos de época e uma sucessão de excelentes entrevistas inéditas com, entre outros, José Salles, Régis Frati, Roberto Freire, Aloysio Nunes, Sérgio Besserman (irmão do falecido comediante Bussunda) e Ivan Ribeiro, que rompeu com Prestes para seguir Giocondo e que se tornaria presidente do que restou do antigo PCB.
Giocondo Dias, ilustre clandestino é um filme pedagógico, cristalino, sem fundo falso. Quem não viu, trate de ver. É muito bom.