Diversão e Arte

Peça de Fernando Guimarães reflete sobre condenados inocentes

'A sentença' conta a saga de júri para condenar um réu sem provas suficientes

Correio Braziliense
postado em 03/02/2020 06:30
Fernando Guimarães acorda cedo todos os dias. E, todos os dias, tem o hábito de ler e ouvir as notícias. Raramente não há crimes no cardápio diário, e Guimarães sempre se pergunta como foi que acabamos ficando indiferentes a esse tipo de informação. Desse questionamento nasceu A sentença, peça em cartaz a partir de quinta-feira (6/02) no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). No palco, 13 atores se revezam na pele de personagens que participam de um julgamento no qual um dos jurados vai levantar uma dúvida sobre a culpa presumida do réu.
Histórias de pessoas condenadas por crimes que não cometeram inspirou o diretor de A sentença
Guimarães se inspirou em diversos casos reais para criar a dramaturgia de A sentença. Uma pesquisa da qual fizeram parte leituras e filmes guiou o diretor, que lembra especialmente de um caso nos Estados Unidos no qual um jovem negro acabou condenado à morte. Tempos depois, se descobriu que não era o culpado pelo crime. Casos de condenados sem provas suficientes inspiraram Guimarães.

Na peça, nove dos 10 jurados querem condenar o réu e encerrar o julgamento o mais rápido possível. O fato de terem nas mãos o destino de uma pessoa não se impõe diante do egoísmo que faz a vida cotidiana ser mais urgente. Todos querem se livrar do fardo o quanto antes. No entanto, um dos personagens questiona a iminente condenação do réu.

As provas são fracas e circunstanciais, a defesa não se empenha e o presumido culpado é pobre, uma equação perfeita para resultar em indiferença. “Mas um jurado acha que não se pode decidir banalmente sobre a vida de uma pessoa. Ninguém se interessa efetivamente pelo réu, porque é pobre, não tem interesse, não dá mídia. Ele é jogado pra lá”, conta Guimarães, que reservou um final trágico para a peça e apostou em citação de Anne Frank para provocar a reflexão.
'A sentença' conta a saga de júri para condenar um réu sem provas suficientes
A fala da menina que foi morta pelos nazistas no campo de concentração durante a Segunda Guerra fala sobre esperança. “São tempos difíceis em que vivemos: ideais, sonhos e esperanças ainda permanecem dentro de nós, mesmo sendo esmagados por uma dura realidade. É um milagre algum de nós não termos abandonado nossos ideais enquanto parecem eles tão absurdos e desesperançosos. No entanto, sinto que devemos nos apegar a eles porque precisamos ainda acreditar, apesar de tudo, que as pessoas são boas. Boas de coração”, escreve a jovem, em O diário de Anne Frank.

Para Guimarães, a sentença é de uma atualidade marcante. “É de uma simplicidade e é tão atual! A gente precisa acreditar que, apesar de tudo, as pessoas são boas”, diz. A banalização da violência, o diretor acredita, não pode ser maior que a crença na bondade do ser humano. “Há tanto bombardeio sobre a violência no dia a dia, que começou a ser usual. Você tem que levantar, correr, ir pro trabalho, e vai escutando aquilo sem dar a menor importância. Eu fico pensando: como a gente pode tomar café da manhã e escutar aquilo sem sentir nada? Aquilo vai banalizando de uma maneira! E vai indo, vai indo, vai indo…”, repara o diretor.

Para cada jurado, ele criou uma personalidade própria. No grupo, há quem acredite que bandido deve morrer e todos devem se armar, há quem se fie aos direitos humanos, há indiferentes e outros que têm dúvidas. Nessa dinâmica, brigas e oposições ferrenhas se instalam em um jogo que pode lembrar momentos recentes do próprio Brasil. “Eles representam uma sociedade mundial. Até porque essa questão da violência é mundial”, garante Guimarães. “Se eu resumisse, a peça é sobre a indiferença do ser humano para com o outro. É uma característica da contemporaneidade. Acho que antes não tinha essa quantidade de crimes bárbaros. Hoje, tem muito mais. É um cotidiano de violência. É muito curioso como isso virou um estrato da sociedade”, acredita o diretor, que trabalhou com um elenco inteiramente formado por atores que mistura profissionais mais experientes com outros iniciantes.

Na pele do jurado que decide questionar a condenação está Filipe Moreira, com quem Guimarães trabalhou algumas vezes, caso também de Adair Oliveira. Bete Virgens vive uma personagem crucial, cujo embate com Moreira é constante durante a peça. No papel da juíza, Fabiana Tenório tem papel fundamental ao dar um crédito à esperança, no final, com a citação de Anne Frank. “É um elenco abençoado, excelente de trabalhar, todos com muita vontade de fazer”, avisa Fernando Guimarães.

A sentença
De Fernando Guimarães. Com: Adair Oliveira, Bete Virgens, Eduardo Jayme, Fabiana Tenório, Filipe Moreira, Jefferson Leão, Logan Dias, Luana Coelho, Maria Moreira, Pedro dos Anjos, Rafael D’Carvalho, Raquel Mendes e Sergio Tavares. De 6 a 23 de fevereiro, de quinta a domingo, às 20h, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB - SCES Trecho 2). Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia). Não recomendado para menores de 14 anos

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