Diversão e Arte

Mesmo com espaços fechados, o teatro vive e se reinventa na internet

Diante do contexto atual de isolamentos e de salas fechadas, artistas, produtores e diretores reinventam a milenar arte

Correio Braziliense
postado em 01/04/2020 11:10
A peça 'Bistrô' integra o catálogo de trabalhos disponível on-line do Coletivo Amigos Artistas
 
A risada do público que não é ouvida; o calor das emoções dos atores que não é sentido. De portas fechadas por conta das medidas de prevenção do novo coronavírus, como manter viva a essência teatral? Em tempos de quarentena e distanciamento social, resgata-se o significado da palavra original — theaomai, em grego — e observa-se o porquê, mesmo sem palco, o teatro é uma experiência envolvente e intensa.
 
A partir de uma necessidade momentânea, um grupo de atores, atrizes, diretores, dramaturgos e produtores da cena teatral brasiliense, o Coletivo Amigos Artistas, se uniu para oferecer um cardápio de peças. São cinco produções apresentadas em palcos da cidade — Adoráveis ex-namoradas; Bistrô; Livro do desassossego; Medeia — A neta do Sol; e Aquela Peça de Shakespeare — que retornam, desta vez, em canal virtual. “Somos autônomos, sem possibilidade de sair de casa para trabalhar, sem fonte de renda para sobreviver e não sabemos até quando. Então, surgiu a ideia de pegar os espetáculos que temos e disponibilizar para os que não viram, para os que querem ver de novo e para aqueles que querem colaborar”, comenta Marina Olivier, atriz, diretora e produtora cultural.
 
Com o catálogo em mãos, a pessoa entre em contato com o coletivo, escolhe a peça que quer assistir e, diante do pagamento de um boleto no valor de uma meia entrada, cada espetáculo, recebe pelo e-mail o link do conteúdo. A ideia partiu do ator e diretor Marcos Davi pensando em dar continuidade ao ofício artístico, e o meio digital foi escolhido por algumas facilidades existentes, entre elas, as filmagens das peças. “Tínhamos as gravações em padrão filmado para festivais. Não é fácil, é totalmente diferente do cinema, não tem a mesma dinâmica. Com certeza, gerou um questionamento para as próximas filmagens de espetáculos e até para os festivais, em como vão solicitar esse material”, avalia Marina.
 
O projeto ganhou divulgação no início de março e, em duas semanas, atingiu uma média de 15 pessoas, um número bastante inferior se comparado a uma sala de teatro com 100 lugares por sessão. “São vários fatores que precisam ser levados em consideração, como a qualidade do vídeo, a internet. A quarentena veio para nos mostrar muita coisa. A produção teatral vem disputando o lugar dela com o cinema, a televisão, com pessoas que não estão a fim de ir ao teatro. É um momento de refletirmos o quão importante é o artista e todos os envolvidos. Ter uma consciência de que os artistas também batalham muito para oferecer esse lazer para os outros, que é de suma importância que a população acredite na cultura”, afirma.

Impacto

Diante de uma arte que acontece no presente, que clama pela presença da plateia, pela interação e pela verdade da cena no palco, as dúvidas e os desdobramentos a partir dessa experiência são muitos. “São perguntas que me faço enquanto artista. Acho que vai transformar muito, vai ser um meio que a gente vai disponibilizar nossa arte, mas vai condicionar a forma como fazemos”, analisa Marcos. Dentro do novo universo, o ator e diretor cita como exemplo as transmissões ao vivo que permitem, mesmo à distância, uma interação com o público. “É fazer com que a arte viva do teatro permaneça e a essência vigore”. Por outro lado, o grupo também usa como estratégia uma cortesia para quem comprar determinado espetáculo on-line, ganhe o ingresso para assisti-lo ao vivo quando a situação voltar ao normal.
 
“Todo mundo tem que começar a pensar nos filmes de ficção científica que assistia anos atrás, que as pessoas se comunicavam por imagem”, brinca o diretor e dramaturgo James Feinsterseifer. Para ele, mesmo quando o contexto volte à normalidade, as pessoas e as artes não serão mais as mesmas. No comando da Cia Brasiliense de Teatro, James avalia que o momento exige uma reação rápida. “Vale a pena errar para mais agora. Precisamos de saídas”, pontua. “O teatro é absolutamente orgânico e analógico. Ele deixa de ser teatro sem isso. Mas, se formos ser puristas, seremos negativos. Como artista, a gente está obrigado a evoluir. Já usávamos a tecnologia nos espetáculos, para acrescentar, agora usamos para substituir, não vamos conseguir esquecer isso. Vai influenciar nossa arte e nossa criação.”
 
A peça 'Rinocerontes', do Coletivo Errante, é uma das exibições desta semana da campanha Teatro on-line 
 
Com o intuito de fazer com que as pessoas fiquem em casa e contribuir para o momento atual, a produtora Palavra Z Produções Culturais criou a campanha Teatro on-line. A ação disponibiliza, em uma janela de horário, espetáculos, de quinta a domingo, no canal do YouTube da empresa. São peças tanto adultas quanto infantis. Em três semanas, a campanha conta com mais de 40 mil visualizações, alcançando uma média de 90 mil espectadores, em todo o Brasil, ao longo das mais de 12 mil horas de exibição.
 
“É hora da gente, de fato, distribuir o teatro como nunca foi. Ao final, as pessoas estarão desesperadas para consumir coisas boas, então o que viu na internet, vão querer assistir ao vivo. Prova disso é a música. Vimos ali um momento de oportunidade de reinventar o teatro e atingir outros públicos”, lembra o produtor Bruno Mariozz, diretor da Palavra Z. O projeto é todo voluntário e as peças são disponibilizadas gratuitamente. O intuito do trabalho, primordialmente, é manter as pessoas em casa. “Acredito que vamos atingir o lugar do interesse, da aproximação do público com a obra e o artista. Vai gerar curiosidade. Cria uma relação visual com os personagens, as referências afetivas. Talvez, a gente tenha que começar a propor mais essas interações virtuais para o teatro. É hora de reinventar, é uma oportunidade”, finaliza Mariozz.

 
Serviço: 

 
 

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Tags