Diversão e Arte

Ao longo da carreira, Moraes Moreira criou uma relação com Brasília

No ano passado, ele esteve em duas oportunidades na cidade. Uma para um show em homenagem a João Gilberto, outra em comemoração aos 50 anos de carreira

Correio Braziliense
postado em 14/04/2020 04:07
Moraes Moreira: eterna festa no interior"A luta não foi em vão/Contrariando o regime/ Vingaram sim nossos planos/ Com cara de campeão/ Em campo entrou um bom time/ Chamado Novos Baianos..." Só alguém, com profundo conhecimento poderia falar, com tanta propriedade, de um grupo que trouxe importante contribuição à linha evolutiva da MPB, ao fundir ritmos brasileiros com o rock.

Essa história foi contada num livro de cordel intitulado A História dos Novos Baianos e Outros Versos, por Antônio Carlos Pires de Moraes, o Moraes Moreira, nascido em Ituaçu, portal da Chapada Diamantina. O baiano morreu no início da manhã de segunda-feira (13/4), aos 72 anos, em casa, no Rio de Janeiro, vítima de um infarto no miocárdio. As informações do enterro não serão divulgadas à imprensa e ao público para evitar aglomerações, diante da pandemia de coronavírus.
 

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"A gente tinha falado sobre a Páscoa. Ele até comentou que mandaria fazer um bacalhau. A gente se falava todos os dias e perguntava como o outro estava. Ele sempre estava bem, os exames estavam bons e ele dizia: ‘O coração está bom, o fígado está bom, eu fiz isso’. É claro que ele tinha uns problemas de saúde e a gente já tem uma certa idade. Mas somos Novos Baianos, vivemos intensamente, e o Moraes viveu assim a música, a festa, a alegria e o carnaval", afirma Paulinho Boca de Cantor em depoimento sobre o amigo.

Ao lado de Luiz Galvão, Paulinho Boca de Cantor e Baby Consuelo, Moraes formou o núcleo central dos Novos Baianos, que surgiu em Salvador no começo da década de 1970. Com Galvão, ele compôs clássicos do grupo, como Acabou chorare, A menina dança, Besta é tu, Mistério do planeta e Preta Pretinha.    

"Mas o que é importante mesmo de a gente falar é desse amor que começou há 50 anos, quando eu o encontrei pela primeira vez, além de Galvão, e a gente pensou que, junto poderia fazer alguma coisa. A música dos Novos Baianos está viva e o Moraes Moreira era o grande timoneiro. Aquele violão, que não existe nada igual... Todos os artistas brasileiros sabem da capacidade que ele tinha de fazer um show voz e violão e botar todo mundo para dançar", lembra Paulinho.


Filho de João



Sob a inspiração de João Gilberto, de quem Moraes era um devoto, os Novos Baianos lançaram, em 1972, Acabou chorare, o LP de estreia, que, tempos depois, viria a ser considerado pela revista Rolling Stones o melhor disco da música popular brasileira, após enquete feita com com críticos e especialistas.
Moraes deixou o grupo em 1974, logo depois da turnê de lançamento do segundo álbum, o igualmente elogiado Novos Baianos Futebol Clube. A carreira solo teve início no ano seguinte, logo depois de se tornar o primeiro cantor de trio elétrico no carnaval de Salvador.

Pombo correio, que compôs em parceria com Osmar Macedo, foi a música que alavancou o álbum de estreia de Moraes Moreira, em 1975. Ao longo de 50 anos de carreira, construiu uma obra com 45 títulos na discografia e algo em torno de 500 músicas gravadas, além de dois livros, O poeta não tem idade (2012) e o citado A História dos Novos Baianos e Outros Versos. Como poeta ocupou a cadeira nº 38 da Academia Brasileira de Literatura de Cordel.


Relação com Brasília

Moraes Moreira no último show em Brasília

O cantor veio incontáveis vezes a Brasília para apresentações, inicialmente com os Novos Baianos e depois acompanhado por banda ou pelo filho e guitarrista Davi Moraes. Os últimos shows que ele fez aqui shows foram de voz e violão, quando homenageou João Gilberto, inicialmente no Centro Cultural Banco do Brasil, pelo Festival Transcendência, idealizado e coordenado pelo cineasta e músico André Luis de Oliveira; e depois por dois dias no Clube do Choro, na primeira semana de dezembro do ano passado.

"Quando penso em Moraes Moreira sempre lembro de Canta Brasil, música com a qual ele fazia questão de abrir os shows. Ele era um artista brasileiro popular que fará muita falta. As composições de Moraes e Galvão sempre falando do interior da nossa alma", lembra com carinho o baiano radicado em Brasília, Reco do Bandolim, produtor do Espaço Cultural Clube do Choro.

A última passagem de Moraes por Brasília foi exatamente no espaço cultural localizado no Eixo Monumental. Na ocasião, celebrou o repertório de 50 anos e cantou um choro que fez há alguns anos para a casa de shows. Reco não lembra ao certo a letra de cabeça, mas se recorda que ao final o músico cantava "o Clube do Choro é mil".

As gravações, no momento, estão presas no espaço fechado em função do decreto em medida a contenção do coronavírus. "Ele tinha uma ligação tão bonita com o Clube do Choro. Sempre queria vir tocar no Clube do Choro, tanto que compôs um choro em nossa homenagem. Ele era um artista muito ligado às nossas raízes. Um grande brasileiro, um grande poeta. Fará muita falta", define Reco.


Ídolo de todos


A relação de Moraes Moreira com Brasília era uma via de mão dupla, tanto gostava de estar na cidade, como inspirava os artistas locais. Esse foi o caso do grupo Praga de Baiano, criado há quase 13 anos, com Tiago Cunha, Marcelo Lima, Leandro Morais e, até o início deste ano, Cris Floresta. A banda começou se inspirando no disco Acabou chorare, até que passou a celebrar outros baianos.

Recentemente, o grupo criou o projeto Universo Baiano. A primeira edição teve a presença de Paulinho Boca de Cantor. A ideia era chamar Moraes Moreira para participar em uma nova edição. "Queríamos trazê-lo, mas não deu tempo", lamenta Leandro Morais. Para o músico, o artista era um exemplo de figura que uniu a música popular com outras vertentes sempre com poética e alegria.

"Ele era um dos maiores violonistas do Brasil. Mas as pessoas só costumam valorizar quem é solista. Moraes Moreira conseguiu unir um ritmo do Recôncavo Baiano com a sonoridade de João Gilberto. Sem falar nas composições, que ficarão para sempre na lembrança da população brasileira", comenta.

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