postado em 13/02/2011 08:41
As desvantagens do Brasil na relação comercial com a China vão muito além da conjuntura desfavorável do câmbio. Elas ganham peso estrutural quando são contabilizados os custos internos do país, como impostos e juros, além das limitações de infraestrutura. Para o ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e presidente do Conselho Empresarial Brasil-China, embaixador Sérgio Amaral, o momento atual é propício à discussão dos "desequilíbrios qualitativos" nas trocas com o maior parceiro comercial do país e à busca de alguma flexibilidade dos chineses.
"Trata-se sempre de desafio absolutamente novo quando se fala em parcerias com a China, ensejando novas reflexões e iniciativas", disse ele ao Correio. Amaral também avalia mudanças positivas de rumos no discurso do governo Dilma Rousseff, mas prefere ver os primeiros gestos efetivos para julgar se tal mudança é mesmo real. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Preocupação
Acredito que os desequilíbrios nas trocas entre os dois países são, obviamente, qualitativos e não quantitativos, considerando que as exportações cresceram nos dois lados no último ano, com saldo comercial ainda bem favorável aos brasileiros. A grande preocupação está mesmo no perfil da pauta de produtos exportados. Enquanto 90% do que vendemos para lá é representado por artigos básicos, como commodities agrícolas e minerais, mais de 90% de tudo que importamos dos chineses são manufaturados, artigos com valores comparativos mais altos.
Protecionismo
[SAIBAMAIS]A correção desse desequilíbrio deveria começar com a agregação de valor das exportações para a China, mas o outro lado desse esforço deveria vir da própria China, de modo a ser flexível e não levantar restrições à entrada de manufaturados brasileiros. Protecionismos acabam sempre ampliando distorções comerciais.
Viagem
A primeira viagem oficial da presidente Dilma Rousseff a Pequim, prevista para abril, é apenas uma parte da agenda bilateral, mas pode ser também a oportunidade valiosa para se discutir questões de interesse dos exportadores brasileiros.
Economia de mercado
O reconhecimento da China como economia de mercado me pareceu algo precipitado, que pode nos impor limitações unilaterais para adotar medidas de proteção comercial. Ficaríamos obrigados a provar, em caso de protesto formal na Organização Mundial do Comércio (OMC), que determinado produto chinês chegou mais barato no Brasil do que em seu mercado de origem. Mas falta ainda concluir esse processo de reconhecimento no âmbito da OMC e o status de economia do mercado ainda não vigora, devendo ser atingido só em 2016. Até lá, podemos continuar conversando com os chineses sobre como cobrar deles avanços da segunda maior economia do globo nas regras do comércio internacional.
Defesa comercial
Não posso concordar que nosso aparato de defesa comercial esteja frouxo ou capenga. O que ocorre é que houve uma redução do número de especialistas dessa área na linha de frente do governo, em decorrência de um problema exclusivamente administrativo. A mudança do Departamento de Defesa Comercial (Decom), do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), do Rio de Janeiro para Brasília acabou restringindo o número de funcionários em atividade.
Agressividade
Os números da balança comercial mostram que muitas indústrias brasileiras, de diferentes portes, se abastecem cada vez mais de peças e outros insumos produzidos na China. Mas o risco não é resultado apenas da agressividade da concorrência do produto chinês. As nossas desvantagens competitivas envolvem um conjunto de fatores sintetizados no chamado custo Brasil, que vai da pesada carga tributária às deficiências de infraestrutura.
Triangulação
Existem evidências de triangulação com outros países para driblar os atuais limites de entrada de produtos chineses no mercado brasileiro. A expectativa das empresas que se sentem lesadas por esse tipo de prática comercial é a extensão das mesmas restrições contra artigos da China aos mercados onde comprovadamente ocorreu a triangulação.
Real forte
A expressiva apreciação do real tem várias razões. Ela se explica inicialmente pelos juros domésticos mais altos do mundo, mas se deve também a pesados investimentos externos diretos e até a superavits da balança comercial do Brasil. Além disso, é importante ressaltar que as moedas tanto da China quanto dos EUA têm contribuído para a oscilação de câmbio em vários países. Os chineses mantêm o regime cambial que desvaloriza o iuan, enquanto os americanos têm desvalorizado seguidamente o dólar. Por isso, estranho que se proponha uma aliança tática de Brasil e EUA para pressionar a China por mudanças em sua política monetária. Acho que a Casa Branca e o Palácio do Planalto deveriam levar as suas queixas sobre o iuan desvalorizado a fóruns adequados, como o do G20 (grupo que reúne as maiores economias do planeta).