Economia

Insegurança jurídica custa alto

Ela é um dos motivos para as grandes taxas de juros cobradas pelos bancos

postado em 13/08/2019 06:00 / atualizado em 19/10/2020 15:06

''Há que se discutir a concentração bancária, mas não às custas da estabilidade financeira. O Brasil passou pelo pior período recessivo em décadas e não houve problema nos bancos. Isso não tem preço, é muito bom''  Gustavo Loyola, ex-presidente do BCEx-presidente do Banco Central, Gustavo Loyola defende clareza para identificar os reais inimigos a se combater na busca pela redução dos juros praticados no Brasil pelo setor financeiro. Para ele, é preciso fazer distinção entre os três tipos de vilões e derrubar alguns mitos para lograr êxito na tarefa e aproveitar o cenário propício, com a taxa básica Selic em 6% ao ano e viés de baixa.

“Temos os grandes, os pequenos e os falsos vilões dos juros altos”, enumera. Os grandes são a inadimplência elevada, a excessiva e complexa tributação na intermediação financeira e o Custo Brasil, que atinge todas as atividades econômicas. Os pequenos são os compulsórios e os custos regulatórios. “Os falsos são a concentração bancária e falta de concorrência. É importante considerar isso para buscar os remédios. Se focarmos nos falsos ou nos menores, certamente não vamos resolver o problema”, sustenta.

A inadimplência elevada, destaca Loyola, decorre da dificuldade de crédito no país, não só na concessão, mas na recuperação e na execução das garantias. “O Brasil é engraçado. Na maior recuperação judicial que se tem notícia no país, a garantia é a alienação fiduciária de ações de outra empresa que vai bem, obrigado. Mas os advogados conseguiram suspender a execução da garantia, porque as ações seriam um bem indispensável para o funcionamento da companhia”, exemplifica. Sem dar nome, ele se refere à construtora Odebrecht, com dívidas de R$ 98 bilhões.

“No país, se parte do princípio de que tem de favorecer o devedor. Ou seja, a insegurança jurídica permeia esse processo”, comenta Loyola. No caso das garantias, há uma série de medidas nos livros lançados pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban). “Mas é importante a construção de um ambiente jurídico que faça as garantias valerem. O Brasil é o único país do mundo que conseguiu destruir o valor da hipoteca”, observa.

Crimes eletrônicos

A falta de legislação eficiente sobre crimes eletrônicos e digitais é parte do chamado Custo Brasil, outro grande vilão real, segundo o economista. “As perdas que os bancos têm com fraudes é uma coisa impressionante. Sem contar as leis federais e estaduais contraditórias entre elas, que dificultam não só o setor, mas todos os empresários. Há ainda o nível elevado dos depósitos compulsórios (que os bancos são obrigados a fazer no BC) e os custos regulatórios”, ressalta.

Entre os mitos, o ex-presidente da autoridade monetária aponta a concorrência digital. “Não vai reduzir juros, porque não resolverá a execução de garantias, a tributação e a insegurança jurídica”, assinala. Outro falso vilão é a necessidade de diminuir a lucratividade dos bancos. “Os lucros no país não destoam do que a gente vê em outros países. Há que se discutir a concentração bancária, mas não às custas da estabilidade financeira. O Brasil passou pelo pior período recessivo em décadas e não houve problema nos bancos. Isso não tem preço, é muito bom”, alerta. “Não se pode fazer debate sobre competitividade relaxando padrões prudenciais. A questão da proporcionalidade regulatória é correta, mas não relaxando padrões mínimos”, reitera.

Na opinião de Loyola, não há nenhuma justificativa econômica para que o setor financeiro seja discriminado com aumento de impostos. “O IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) é usado como fonte de receita para o Tesouro, sobretudo sobre crédito. Mas é de uma burrice econômica atroz onerar quem está tomando empréstimo com imposto”, pontua. E acrescenta: “Apesar dessa constatação, temos no Congresso, agora, na emenda da reforma da Previdência, aumento do tributo sobre bancos”, diz.

Subsídios

O famoso imposto sobre movimentação financeira (CPMF), novamente cogitado pelo governo, vai encarecer a intermediação, explica Loyola. “Sem contar outros efeitos. Há muita coisa que pode ser feita, como o fim dos subsídios cruzados que existem no processo de crédito, por exemplo, que pode acabar com caixinhas do crédito direcionado. E dá para os bancos serem mais eficientes”, sugere.

Outro mito, segundo o ex-presidente do BC, é o de que banco público deve ser usado como arma para reduzir juros. “A gente viu que não, os bancos públicos vão atrair os piores pagadores e o custo será de todos. Não existe almoço grátis, não dá para combater problemas criando outros”, conclui.

Ambiente inóspito

Gustavo Loyola, que presidiu o Banco Central por duas gestões, durante os governos de Itamar Franco (1992-1993) e de Fernando Henrique Cardoso (1995-1997), revela que, à frente da autoridade monetária, viu muitas instituições chegarem ao Brasil para abrir banco e não lograr êxito. “Saíram por causa do ambiente inóspito. Muitos quebraram, alguns por incompetência, e outros por dificuldade do ambiente de crédito no Brasil”, afirma. Para ele, o BC está certo em patrocinar inovações, mas não acredita que isso resolverá o problema dos juros altos no país.

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