Enem

Para mestre em educação, adiamento do Enem prejudicará o ano letivo

O mais importante, defende ele, é estabelecer logo uma nova data para o exame para que as escolas não deixem perder o ano letivo. EAD deve ser logo incorporada pelos sistemas de ensino

Correio Braziliense
postado em 20/05/2020 23:48
O professor Francisco Borges defende aproveitar o momento para acabar com a resistência à EADO professor Francisco Borges, consultor da Fundação FAT (Fundação de Apoio à Tecnologia), acredita que o adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) trará mais malefícios do que benefícios. Engenheiro elétrico pela Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), físico pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em educação pela Universidade Cidade de SP, Francisco avalia ainda que alterações de até dois meses na data, como a anunciada pelo governo, trarão pouco impacto.

“Se o Enem vai ser em novembro, janeiro ou dezembro, eu acho que afeta muito pouco. O ponto é que essa diferença de dois meses não vai mudar em nada, porque boa parte das escolas continuam não fazendo nada, continuam não pensando numa alternativa”, diz. “Não podemos deixar que os problemas, que são muitos, contaminem 2021 e quiçá 2022”, argumenta.

Ele acredita que a manutenção da data do exame ou, pelo menos, o mais cedo possível a definição de uma nova data, teria a função de exigir do governo a conclusão do ano letivo de 2020 ainda em 2020, pelo menos no caso dos alunos do 3º ano do ensino médio. Na visão de Francisco, o adiamento irrestrito daria carta branca para que as redes pública e particular “deixem de buscar formas para superar o desafio atual”.
O mais importante, defende ele, é estabelecer logo uma nova data para o exame para que as escolas não deixem perder o ano letivo. EAD deve ser logo incorporada pelos sistemas de ensino
Francisco observa que o adiamento do Enem pode fazer com que universidades optem por não o usar como critério de seleção caso isso gere choques com o calendário. No entanto, diversas instituições de ensino superior, em especial públicas, estão fechadas. Questionado sobre isso, o consultor opinou que “não tem cabimento universidades estarem paradas pela pandemia”. No DF, por exemplo, a Universidade de Brasília (UnB) está sem aulas.

“Não é possível que os professores não possam marcar algum horário, entrar no Google Meet da vida e fazer uma reunião... É melhor do que a aula presencial? Não sei dizer, mas evita perder dias letivos. Existem escolas, inclusive técnicas, que estão mantendo frequência constante”, exemplifica. Com relação à educação básica, ele observa que a EAD é possível desde as séries iniciais.

“Existe uma quantidade enorme de atividades que podem ser disponibilizadas para cada série.” E os pais têm um papel essencial para ajudar e estimular os filhos, especialmente os mais novos. “Deveríamos manter os alunos em atividade pelo menos de uma hora e meia a duas horas por dia.” Até porque se o estudante ficar muito tempo afastado da escola, isso pode estimular a evasão, alerta Francisco.

“É preciso buscar alternativas”

O consultor não minimiza os problemas pelos quais as escolas e os sistemas de ensino têm passado durante a pandemia, mas pondera que obstáculos estão sendo enfrentados por todos os setores da sociedade. “Só que elas precisam se reinventar, se não estaríamos dizendo que a pandemia destruiu o mundo. Os restaurantes estão fazendo entregas; as outras áreas também estão se reinventando, fazendo eventos virtuais…”, diz.

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“Todos os setores foram comprometidos e todos têm algo a entregar. A educação tem para entregar uma carga horária estabelecida pelo Conselho Nacional de Educação (CNE)”, comenta sobre a obrigatoriedade de as escolas ministrarem 800 horas de atividades por ano. A necessidade de cumprir 200 dias letivos foi flexibilizada. “As escolas poderiam estar ofertando para os alunos conteúdos digitais, postados em ambientes virtuais, poderiam ter lives utilizando ferramentas gratuitas”, sugere.

Isso pelo menos enquanto a volta às aulas não for possível. Francisco calcula que entre janeiro ou fevereiro e cerca de 15 de março, as escolas brasileiras já cumpriram pelo menos 120 horas. Nos meses de isolamento, se os colégios oferecerem de 40 a 50 horas de atividades por mês, para o segundo semestre, presencialmente, faltarão cerca de 500 horas. “E a gente resolve essas cerca de 120 a mais com reposição ou atividade para os alunos fazerem em casa contando horas”, sugere.

“Nós estamos perdendo a oportunidade de, tendo os alunos em casa sem uma ocupação efetiva, fazer com que eles estudem por não termos um planejamento para que isso aconteça. E estamos culpando a data do Enem como se ela fosse o problema.” Francisco observa que ter uma data do Enem como norte é fundamental para estimular os estudos dos alunos que querem ir para o ensino superior.

Resistências à EAD atrapalham

Francisco analisa que, tradicionalmente, a educação básica tinha uma visão de que a EAD (educação a distância) era um “problema”; então, quando o isolamento começou, a maior parte das escolas, em vez de partir para atividades a distância, entrou em férias. “Achava-se que, com 30 dias, aquilo ia passar. Mas não passou e gastou-se 30 dias. Então, se nós não colocarmos uma barreira, um ponto de conclusão…”

Francisco acredita que a data do Enem poderia ser esse “deadline” pelo menos para os alunos do 3º ano do ensino médio, “mais autônomo e superconectado”, mesmo que isso não atinja o restante das séries. “Será que as escolas não podem preparar um material para os estudantes de 3º ano estudarem de forma estruturada?”, questiona.

No entanto, não basta disponibilizar material. “E eu que eu tenho visto é que as escolas preferem jogar conteúdo, seja na internet, seja na televisão. Isso os secretários estaduais estão fazendo. Depois, dizem que o aluno não acessa. Claro! Não tem uma trilha de atividade. Em vez de jogar conteúdo na internet, os sistemas de ensino devem preparar uma trilha formativa para o aluno”, aconselha.

Entretanto, os professores não estão acostumados ao formato EAD. “O problema não está nem no novo nem no velho professor. O problema está no fato de a educação ter sempre restringido os recursos tecnológicos porque os professores não estavam habituados a eles, mesmo que os alunos estivessem”, critica. “Os conselhos estaduais são parte responsáveis pelo que está acontecendo, pois eles têm objeções aos cursos com mais tecnologia. Eles querem fazer uma defesa da categoria docente também porque os professores querem a garantia das suas aulas”, diz.

“O problema não é só o professor malformado, mas existe uma categoria que toma conta do segmento, que prefere que as coisas sejam trabalhadas de forma retrógrada porque eles dão conta daquele jeito e não fazem melhor do que isso. E as coisas novas são colocadas como problemas.” Em meio à pandemia, o CNE permitiu atividades a distância com equivalência às presenciais, mas o segmento não estava preparado para isso e começou a achar dificuldades”, aponta Francisco.

Desigualdades ficam mais evidentes

Com relação aos estudantes que porventura não tenham acesso a internet nem a televisão, Francisco alerta que sempre há alternativas. O Google Classroom pode atender os alunos com internet; a TV aberta, os que têm TV. Para os que não têm nem um nem outro, é possível deixar disponíveis atividades em papel para serem buscadas nas escolas. Caso os pais ou os estudantes não possam buscar, Francisco sugere que os colégios façam delivery.

“O país é desigual. E isso não é novidade. Neste momento, as desigualdades ficam mais visíveis. O problema não está na data do Enem. Em dois anos, você não tira a diferença do filho do rico e do filho do pobre”, comenta. “O problema não está no Enem. A questão é estabelecer o cumprimento da carga horária em 2020”, argumenta.

“Porque aí, sim, as escolas e os gestores públicos têm de se movimentar para achar alternativas, que vão desde a melhor tecnologia até entrega em papel”, justifica. Para Francisco, é preciso usar o momento de quarentena, em que os alunos estão em casa, com atenção menos dividida com outras atividades, para “tirar o atraso da educação”.

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