Correio Braziliense
postado em 02/01/2020 18:52
Ex-colaboradores do Ministério da Educação (MEC) denunciam falta de pagamento por serviço de consultoria técnica prestado entre os meses de maio e junho de 2019. Segundo fontes ouvidas pelo Eu, Estudante, seriam cerca de 30 pessoas nessa situação, que ainda não receberam remuneração. Contatada, a Assessoria de Comunicação Social do órgão se limitou a responder que “o Ministério da Educação não vai se pronunciar sobre o tema”.
Perante a negativa, a equipe de reportagem entrou com pedido de acesso à informação, com base na Lei de Acesso à Informação (LAI). No entanto, a pasta terá até 20 dias para responder à solicitação. Os ex-colaboradores do MEC sem salário contam que já trabalhavam para o ministério antes, por meio de contrato mediado pela OEI (Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura) que teria terminado em abril, sem ser renovado.
Na época, o MEC teria selecionado um grupo de consultores que teriam a permanência estendida no órgão migrando para um próximo contrato, válido para maio e junho. O novo documento teria mediação da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). A mudança contratual não foi justificada. No entanto, em julho, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, anunciou que o órgão achou indícios de irregularidades em contratos firmados com OEI.
Por esse motivo, o MEC suspendeu todas as parcerias com a entidade. Quando isso aconteceu, os contratos dos consultores que denunciam a falta de pagamento já tinham sido encerrados. Eles, inclusive, já teriam migrado para esse novo acordo via Unesco e prestado o serviço. O problema é que esses trabalhadores denunciam nunca terem sido pagos pela Unesco.
Para completar, a própria Unesco nega qualquer ligação com os consultores em questão. Em nota enviada por e-mail, a Assessoria de Comunicação e Imprensa do organismo internacional afirmou que “a Unesco não possui nenhuma relação contratual ou de prestação de serviço com os consultores que, segundo a reportagem do Correio, estariam cobrando pagamentos da Organização”.
Atrás da remuneração
Gesley Batista Rodrigues, 34 anos, integra o grupo de pessoas que não teriam recebido pagamento por dois meses de serviço. Ele atuou no MEC como desenvolvedor de sistemas por oito meses. “Esse último foi uma espécie de contrato emergencial. O anterior, de seis meses, seria renovável por mais seis, mas, como houve troca de governo, muita coisa mudou e optaram por esse até que se tivesse uma definição”, supõe.
Os ex-consultores relatam que, em vez de um contrato tradicional, como era feito antes via OEI, receberam apenas um termo de compromisso ou recibo de prestação de serviço, por e-mail, que foi preenchido e encaminhado para a coordenadora da unidade de Gestão de Projetos. Apesar de o documento citar o comprometimento com a Unesco, não há espaço para a assinatura de ninguém do organismo internacional.
Além disso, o campo que deveria ser preenchido por um coordenador do MEC também ficou em branco. O prometido era que a remuneração seria paga em até 10 dias após o encerramento de cada termo de compromisso, sendo que cada um dos cerca de 30 documentos tinha uma data diferente de término. O que não teria acontecido. Os ex-consultores dizem também não ter recebido uma segunda via do termo de compromisso.
Gesley conta que obteve a dele após enfrentar muita burocracia. “Para conseguir essa cópia, tive que abrir uma sindicância no site e me enviaram uma versão digital dele”, relata. O graduado em relações públicas Wellington Batista dos Santos, 37, começou a prestar serviços para o MEC em dezembro de 2018. Ele era um dos responsáveis pelos pagamentos dos contratos de TI (tecnologia de informação) e conta que se sentiu inseguro quando recebeu o novo termo do MEC.
“Não tinha segurança jurídica nenhuma, mas continuamos fazendo o nosso trabalho. Entregamos o recibo, assim como era na OEI, mas até agora (não recebemos) nada”, queixa-se. Em janeiro, completam-se seis meses sem pagamento. O técnico em contabilidade Luciano Gomes de Souza, 53, revela que precisou até mesmo vender o carro para pagar dívidas após levar “calote” do ministério.
Segundo Luciano, poucos dias antes do fim do termo de compromisso, o acesso aos computadores foi retirado e, no dia seguinte ao encerramento, já foi impedido de entrar no prédio do MEC. O mesmo teria acontecido com colegas de trabalho. “O que mais me chateia é que trabalhei no MEC durante 10 anos para, no fim, ser tratado desse jeito”, desabafa.
“Não recebemos explicação”
Outra na mesma situação é Fernanda Riera, 40, graduada em direito. Ela prestou serviços de consultoria na Diretoria de Tecnologia da Informação e diz que, por diversas vezes, fez contato com a Coordenação de Projetos do MEC para saber o que estava acontecendo, porém nunca foi devidamente respondida. “Ninguém sabia justificar a situação”, descreve. Em 24 de julho, Fernanda se reuniu com cerca de 30 outros ex-consultores na mesma condição.
Juntos, redigiram uma notificação exigindo o pagamento ou pelo menos uma explicação para o atraso. Cada um deles preencheu seus dados no modelo e entregou no protocolo do MEC e da Unesco. De acordo com ela, a notificação foi necessária porque eles foram proibidos de entrar até mesmo na Ouvidoria. “Ninguém nos recebeu para dar uma satisfação sobre esse pagamento. Nunca nos falaram nada, nem que não iam pagar. Simplesmente não nos atendiam”, denuncia.
Transtornos continuam
O analista de sistemas Guilherme Araujo, 29, assinou o primeiro contrato com o MEC em abril de 2018. Ele relata que, assim que foi publicada no Diário Oficial da União a nulidade do acordo firmado entre o MEC e OEI, conforme foi noticiado pelo Correio Braziliense, o diretor de TI do ministério convocou uma reunião para informar a decisão aos servidores. Quando Guilherme questionou o que aconteceria com os contratos via Unesco, ele teria demonstrado surpresa, pois não sabia da existência desses.
“Eles simplesmente ignoraram o nosso trabalho”, critica. Ele está indignado, uma vez que fez seu trabalho no prazo e da maneira correta, sem, no entanto, ter sido pago. “Eu tive um período muito complicado. Sou pai de duas crianças. Além do não pagamento, houve desrespeito com os profissionais. Isso é lamentável”, enfatiza. Eduardo Ramos Machado, 54, formado em educação física com pós-graduação em gestão de projetos, atuava como analista no MEC.
Assim como Luciano, precisou vender o carro para saldar dívidas. Não só o dele como o da mulher. “A gente teve que se virar para conseguir dinheiro e honrar nossos compromissos”, desabafa. Luiz Telles, 55, graduado em ciência da computação, atuou como consultor na área de TI durante um ano. Depois do calote, diz que chegou a fazer uma reclamação formal na Controladoria-Geral da União (CGU) contra o diretor de TI.
Isso geraria um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) que não teve andamento. Sem resultados, Luiz e mais alguns ex-colaboradores entraram na Justiça solicitando a remuneração e indenização por danos morais, devido ao desgaste que tiveram até agora tentando resolver o problema. Luiz entrou com uma ação conjunta e outra individual. Ele conta que cerca de dois ou três consultores conseguiram continuar trabalhando no ministério e foram orientados a não falar nada sobre o assunto.
“Tudo bem ter encerrado o contrato, mas nós queremos receber pelo que trabalhamos”, cobra. Sem resposta do MEC sobre o caso, a equipe de reportagem solicitou esclarecimentos pelo Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão (e-Sic) e atualizará esta matéria assim que obtiver uma resposta.
Funcionários fantasmas?
Durante a conversa com o Eu, Estudante, alguns consultores confessaram a suspeita de que havia colaboradores fantasmas vinculados ao mesmo contrato, pois notaram pessoas que só apareciam no ministério no dia de entrega de relatório ou outros serviços, mas sem dar expediente em todo o resto do tempo.
Histórico
Em 4 de julho de 2019, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, anunciou, durante entrevista coletiva de imprensa, a existência de sinais de irregularidades em contratos de consultores técnicos do MEC e decidiu encerrar os que ainda estavam valendo. Apesar de indícios de irregularidades terem sido encontrados somente nos acordos que eram vinculados à OEI, o MEC não renovou contratos com outros consultores, regidos supostamente pela Unesco.
*Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa
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